Um dos indicativos de que o livro é bom, é o desconforto que ele causa. Independente de qual seja. Há tempos nenhuma leitura me atravessava e criava esse tal incômodo, estranho, mas bom, até a chegada de “Tudo é rio”. Nas palavras e na narrativa de Carla Madeira, mergulhei nas profundezas dos personagens e naveguei nas correntezas de uma história de amor, não convenientemente romântica, mas humana e real. Viva.
Leituras profundas nem sempre são confortáveis. Nos fazem adentrar em espaços apertados, obscuros, mas, assim como o rio de Carla Madeira, nunca mais saímos os mesmos após o mergulho.
Em “Tudo é rio”, Carla descreve, de uma sutileza e delicadeza nunca experimentados por mim antes, o que é Deus, de uma forma simples, porém, verdadeira. Dá pra sentir as palavras. Dá pra tocar as personagens. Dá vontade de abraçar, acolher e chorar junto.
Assim como bem lembrado pela autora, não temos o poder de escolher o que nos vem na vida. “Brincamos de poder conduzir o destino”, ela diz. Mas, constantemente somos lembrados do que não temos, embalados pela nossa vontade do que mora fora.
“Existe um certo milagre nos encontros”. Me encontrei nas frases de Carla, no momento em que tentei molhar os pés na água e, sem querer, sem pensar, mergulhei inteira em “Tudo é rio”. Essa é a beleza da leitura. Senti e me identifiquei, mesmo que aquilo tudo não falasse exatamente nada de mim, mas da humanidade que me rodeia.
Tudo em nós corre como rio, todos os nossos fluidos, fluindo, com um rio, por nossas veias e tecidos. Também somos rio, ora calmo, ora com correntezas, nunca o mesmo, independente das intempéries que nos controlam. Não há como subir o leito, não há como mudar o curso. Às vezes cheio, às vezes raso. Sempre fluindo em direção ao mar, que nos espera ao longe, mesmo que ainda não estejamos prontos a desaguar.