Entre amigos, confiou que poderia beber um pouco a mais, afinal, estava na presença de pessoas de confiança. Já fora de si, foi mandada embora completamente bêbada, dentro do carro de um motorista de aplicativo desconhecido, que a deixou largada na calçada porque demoraram demais para atender a porta. Negligenciada, sem consciência, foi levada por um criminoso qualquer que passava na rua e achou por bem aproveitar a situação para abusá-la.
De modo semelhante, mas em outra situação, o final da história foi diferente. Dentro do ônibus lotado, junto de desconhecidos, sentiu alguém passar-lhe a mão. Ao perceber o assédio, se manifestou. A comoção popular foi tamanha que pararam o ônibus, revidaram a agressão e ainda arrastaram o delinquente até uma delegacia, onde foi entregue às autoridades responsáveis.
Os dois episódios são reais, foram vividos por duas mulheres reais em dias comuns, em situações cotidianas, que todas nós já vivemos algum dia. A diferença entre o primeiro e o segundo relato é o gênero de quem socorreu, agiu no ato, defendeu e cuidou.
No primeiro, em que a mulher estava na presença de amigos, deveria ter sido recebida em casa por alguém de confiança, mas foi abandonada desacordada na rua para ser abusada. Todos os envolvidos eram homens, que nunca vão entender o que ser mulher no Brasil representa. Já no segundo, todas eram mulheres, agiram em conjunto para se defenderem mutuamente, apesar de serem totalmente desconhecidas.
Ser mulher nos une. Só as próprias mulheres conhecem as dores, as angústias e os medos que cercam o universo feminino. Não é a hora, o lugar, o momento, ou o estado de espírito, capacidade de defesa e discernimento, os fatores preponderantes para cada episódio, mas sim, os envolvidos. A diferença é perceptível. Quem deveria cuidar e proteger nem sequer se preocupou, pois jamais saberá o peso de ser mulher.
A mulher não se sente segura em lugar algum, porque de fato, não está. Não está isenta de ser agredida, assediada, tocada, violada, perturbada ou o que quer que seja, nem mesmo dentro da própria casa, junto dos seus. Basta caminhar na rua, mesmo que vestida dos pés a cabeça, para que essa sensação venha. Ser mulher é ter que andar sempre alerta, não poder baixar a guarda, nunca confiar demais em ninguém. Ser mulher pesa!
Situações como essas são alarde para que nós, cada dia mais, sejamos atentas a nossa auto-proteção. Quantas vezes já fui salva por um alerta feminino, um toque de quem enxerga além, e assim como eu, foi treinada para perceber sinais desde pequena. Mulher já nasce diferente, a gente aprende a se proteger e a olhar ao redor para socorrer quem precisar também.
Não é questão de força, é que mulher tem empatia, sabe, melhor do que ninguém, de todos os extras que a gente carrega como adicional de fábrica para sobreviver nesse mundo machista e doente. São esses extras da sobrevivência que nos pesam, não o corpo, mas a alma. É cansativo estar atenta. É doloroso não poder confiar. Mas o errado mesmo, ao contrário dos crimes que cometem conosco, é ter nascido mulher, e esse peso nós somos obrigadas a carregar, pelo resto dos nossos dias. Não é uma escolha. Ser mulher é uma sentença.