Governo é uma soma de esforços. Cada pasta e cada secretário representam partes de um todo. O governador é o coordenador-geral, aquele que apresenta as tarefas, estabelece metas, cobra resultados e acompanha par e passo o desenvolvimento das ações.
Nestes primeiros 100 dias de gestão o governo de Goiás dá a impressão de que o chefe faz o trabalho da equipe inteira. Se fosse no futebol valeria a expressão de que o governador Caiado bate o escanteio e corre para cabeçar e tentar fazer o gol.Na maioria quase absoluta das vezes o governador tem exercido o papel de porta-voz, respondendo a problemas de todas as pastas. Problema com a folha de pagamento? Quem responde é o governador. Buraco nas estradas? Governador. Falta médico no Materno Infantil? Governador. Problemas na UEG, Educação, Meio Ambiente?…
Há exceções.
O secretário de Segurança Pública, por exemplo, tem se colocado à disposição da imprensa para esclarecer problemas e para apresentar soluções. Na ABC (Agência Brasil Central), dirigida pelo jornalista Vassil Oliveira, a iniciativa de fazer um pool de rádios para veiculação de notícias também merece destaque. Mas é pouco. Tão pouco que só nesta semana, perto de completar os cem dias de governo, é que se pode ouvir “um tostão” da voz de outros secretários de Fazenda e da Educação.
A secretaria da Educação, que convive com a greve dos professores por conta do parcelamento do salário de dezembro, divulgou a meta de fechar 46 escolas. Muitas já estão sendo fechadas, como a Escola Estadual Professora Naly Deusdará, no Parque das Laranjeiras, em Goiânia. Esta unidade, que foi pintada e teve reparos na fiação elétrica e banheiros custeada pela comunidade, prestou durante anos serviços relevantes à comunidade, principalmente a jovens em situação de risco dos bairros vizinhos, como o Santa Cruz, Chácara do Governador, Bela Vista, Alto da Glória.
A escola desenvolvia aulas de violão, dança, capoeira, artesanato, ioga e outras práticas para juventude e terceira idade. Seu fechamento, sem uma negociação prévia ou apresentação de uma alternativa, constituem prejuízo à estas comunidades.
O governador Ronaldo Caiado (DEM) tem se esforçado para apresentar resultados e para responder as demandas nestes primeiros meses de governo. A aproximação com a China e com o agronegócio são pontos positivos. Caiado incentiva missões de empresários chineses no Estado, de olho em empresas de tecnologia e em investimentos.
O que é correto, considerando que 30% de nossas exportações tem como destino o país asiático. Mas a impressão que se tem é que há um esforço muito grande do inquilino da Casa Verde para dar conta de todas as demandas de sua gestão, e que toda esta energia gasta poderia ser melhor administrada.
Tocando a mesma nota
Falta uma estrategia clara de comunicação do governo com a sociedade. Reforçando o que dissemos acima, nas últimas coletivas, Caiado tem respondido a assuntos dos mais diversos, que vão da situação das barragens das mineradoras que operam em Goiás, ao pagamento da folha do mês de dezembro, a crise na UEG (Universidade Estadual de Goiás), até a questão do transporte coletivo na capital.
Ontem o próprio governador foi ao TCE (Tribunal de Contas do Estado de Goiás) entregar o balanço geral do Estado, referente ao terceiro trimestre. Aproveitou para pontuar novamente sobre o déficit nas contas públicas, estimado por ele em R$ 3,6 bilhões. Na coletiva disse à imprensa que espera que nos próximos 60 dias o TCE possa esclarecer aos goianos a real situação do Estado.
“Só de cancelamento de empenhos foram mais de R$ 1,3 bilhão, na soma de valores não empenhados e folha de pagamento, mais R$ 1,6 bilhão. Se você recebe um Estado com aproximadamente R$ 3,6 bilhões (de déficit) é lógico que a lei de responsabilidade fiscal não foi cumprida. É óbvio, senão eu não receberia o Estado nas condições que eu recebi. E quem não cumpre lei de responsabilidade fiscal, tem que responder por crime de responsabilidade. Quem vai deixar tudo claro será o TCE, analisando gastos, empenhos, não empenhos, dívidas e a partir daí, chegar à conclusão que eles adotarem”, pontua.
Que há déficit, pouca gente duvida. Mas foi tão mal debatido, tão mal colocado para população, que ao invés de ser um assunto que cause indignação na população, passou a ser entendido como uma desculpa do governo para não apresentar resultados à sociedade.
Motivo: falta de estratégia para colocar o assunto em debate. Toda vez que o governador toca no déficit, o eco de sua entrevista causa irritação aos ouvidos do funcionalismo. Ouvi isto de servidores e de sindicalistas, que reclamam do “samba de uma nota só”. Houvesse tido um trabalho de equipe para mostrar pormenorizadamente os esqueletos no armário – e menos afoiteza em desgastar o governo anterior, provavelmente, o déficit e o atraso na folha teriam sido melhor compreendidos pelos colaboradores diretos da administração.
Morreu gordoEsta superexposição do governador pode acarretar o desgaste da sua imagem. Nos 20 anos de marconismo também ocorreu uma exacerbada exploração da imagem do governante, feita principalmente com doses cavalares de propaganda na mídia e nas redes sociais. A onipresença de Marconi Perillo (PSDB) alavancou o seu sucesso, mas também foi a causa do seu fracasso. Marconi foi eleito governador quatro vezes e teve um mandato de senador, mas ao final deste processo amargou índices gigantescos de impopularidade que o levaram para o quinto lugar na disputa pelo senado. Numa eleição onde haviam duas vagas e ele sequer beliscou um “meio empate”, como ocorreu em 2002, com Lúcia Vânia (PSDB) e Iris Rezende (PMDB), separados por menos de 10 mil votos no resultado final do pleito.
Marconi “morreu” como um boi gordo, no auge de sua força. Foi derrotado quando seu governo chegou a cerca de 200 prefeitos, 36 deputados estaduais na base de apoio, 13 deputados federais e dois senadores.
É importante que aja por parte do governador o hábito de dialogar com a imprensa e se colocar à disposição, para os esclarecimentos necessários. Vale ressaltar que no passado recente jornalistas foram alvo de perseguições judiciais e econômicas, sendo que houve um tempo em Goiás que sequer era admissível escrever o nome do governador Marconi Perillo em artigos ou análises de opinião que não fossem do agrado de sua Excelência.
Com a cabeça cortada do jornal O Popular a pedido do “coroné”, o jornalista Eduardo Horácio cunhou no seu site, o Jornal X, a expressão “aquele cujo nome não pode ser mencionado”, para designar o dito cujo nas matérias que publicava. Acabou reduzindo tudo isto à sigla AQNPSM.
As lições estão aí. O governo atual pode repetir erros do passado ou avançar. Basta escolher.
Altair Tavares
Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: [email protected] .