Entre duas avenidas movimentadas, onde os carros vêm e vão, no canteiro central um homenzinho observa a vida passar. Quase camuflado em meio às árvores, as costas nuas se apoiam em um tronco frondoso entre as demais plantas. Sentado em um banquinho, o olhar fixo contempla o horizonte, seguindo tão longe, que mal nota quem passa na via. Mas quem passa, por mais discreto que ele pareça, sempre o nota, repleto de sua calmaria.
Em dias de sol, ele usa apenas uma bermuda, no peito nu, o brilho da pele morena reluz. Em dias frios, é possível ver apenas seus olhos em uma fresta do cobertor que lhe protege do vento. Nesses dias, quem passa pela via a caminho de algum compromisso desejoso de estar em casa, se questiona mais ainda dos porquês do homenzinho desconhecido.
Já perdi as contas de quanto tempo o observo quase que cotidianamente. A pelo menos dez anos, ele segue sentado no mesmo lugar, dia após dia, faça chuva ou faça sol. Mesmo passando rápido, e mesmo que ele esteja em silêncio, estático e com o olhar vazio e pensativo, não há como não notá-lo. O diferente chama a atenção.
Das primeiras vezes que o reparei, eram dias corridos, quase sempre estava atrasada a caminho da faculdade. Depois disso, todos os dias de meu trajeto, nos quatro anos rumo a universidade, ele continuava lá, sem falta. Me formei, voltei a frequentar a faculdade para um novo curso, com uma nova vida, uma nova rotina, e ele permanecia lá, com a aparência mais magra, mas exatamente igual.
Não há como não pensar em quem seja, como é sua vida, o que passou nesse meu tempo de idas e vindas e retornos. Não há como não me questionar sobre o que o motiva a estar ali. Será que gosta de olhar a vista? Qual será sua idade? Como funciona sua mente? Com quem vive? O que ele tem?
Penso logo que deve ter alguma coisa. É sempre isso que nos vem à mente quando enxergamos alguém que vive de uma forma completamente diferente. “Não pode ser normal” olhar a vida passar assim, por dez anos, e permanecer no mesmo lugar.
Se é feliz não sei. Só sei que me deu vontade de descobrir. Mas às vezes, o silêncio é fuga e não ousarei perturbar a calma de quem vive a contemplar a vida que passa em meio ao caos da correria alheia. Talvez ele nem tenha noção de que essa correria externa existe. A única certeza é que não importa se amanhã ou daqui um ano, quando eu passar na avenida, o homenzinho estará lá a me olhar de volta. Temo pelo dia que a árvore frondosa não tiver companhia, a ausência será a resposta.