26 de agosto de 2024
Publicado em • atualizado em 03/04/2019 às 22:50

O grito do agronegócio

Deputado Alceu Moreira levanta voz em defesa da agricultura e pecuária (foto Luis Fernando, Ag. Câmara)
Deputado Alceu Moreira levanta voz em defesa da agricultura e pecuária (foto Luis Fernando, Ag. Câmara)

“Chega dos Meninos do Bolsonaro”, bradou na noite de terça-feira,  o líder da bancada ruralista sobre as críticas do senador Bolsonaro aos palestinos. O deputado Alceu Moreira (MDB-RS) explodiu na noite de ontem em reação às críticas feitas pelo  senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) que postou ontem na sua conta do twitter, uma dura declaração contra ao Hamas, organização Palestina, de caráter religioso e paramilitar, que atua no Líbano e na Faixa de Gaza, em Israel, contra a ocupação de territórios palestinos pelo governo de Tel Aviv.

O senador, que também é filho do presidente Jair Bolsonaro, Flávio escreveu em seu Twitter um comentário onde rebate o Hamas que condenou em nota a imprensa as declarações Jair Bolsonaro em relação aos palestinos. Reagindo, Flavio postou: “quero que vocês se EXPLODAM”. Diante da repercussão negativa, apagou a postagem.

Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), ou Bancada Ruralista, que reúne 257 membros na Câmara Federal  o deputado Alceu Moreira bradou: “Chega dos meninos do Bolsonaro, não dá mais”. Seu desabafo foi feito quando deixava o plenário gritando  “acabou a paciência”. O grito, registrado nas colunas dos principais jornais brasileiros, foi ouvido pelo líder do governo na Casa, o deputado goiano Major Vitor Hugo (PSL) e pela líder do governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP).  A deputada disse que não tinha acessado as redes sociais e não sabia a que se referia o emedebista. “Não viu o Flávio falando do Hamas?”, respondeu Moreira.

As atividades do Hamas são apoiadas por várias nações árabes, que se solidarizam com a demanda do povo palestino por um acordo de paz com o Estado de Israel que leve à recomposição das fronteiras entre os dois países  que havia em 1967. A avaliação do líder ruralista é de que a provocação de Flavio Bolsonaro pode causar imensos estragos ao agronegócio, que fatura nada menos do que 11,7 bilhões de dólares com vendas de proteína animal (carne bovina, de aves e caprinos) e grãos (soja, milho, arroz) aos países árabes, ao passo que comercializa US$ 280 milhões com Israel.

Zé Mario defende diálogo

Ex-secretário da Agricultura de Goiás, presidente da FAEG (Federação da Agricultura de Goiás) e vice-presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), o deputado federal José Mario Schereiner (DEM) defende o diálogo. Segundo ele, há um respeito enorme da bancada ruralista e do agronegócio brasileiro pelo mundo árabe. “São povos que também fazem parte da formação do Brasil com os quais temos laços profundos de amizade e de um comércio vantajoso para ambas as partes”, pondera.

Para Zé Mario o anuncio feito pelo presidente Jair Bolsonaro de abertura de um escritório de representação do Brasil em Jerusalém “não agradou  a gregos e troianos, mas representou um importante recuo na ideia de instalar a embaixada”. 

Nascido em Porto União (SC), mas radicado em Goiás há várias décadas no município de Mineiros (GO), onde exerce atividade como produtor de grãos, Zé Mário já fala como um “comedor de pequi”, e diz  que “cliente a gente não critica, a gente cuida”. Ele enfatiza que é preciso exercitar o diálogo permanente com todos os parceiros comerciais do país, lembrando que “todos os mercados dos quais o Brasil participa foram conquistados com muito trabalho, muito diálogo e muita responsabilidade”, e que as entidades representativas do setor agropecuário, como a FAEG e a CNA estão acompanhando atentamente esta polêmica. “Estive nesta manhã no Ministério da Agricultura conversando com os assessores da área de Comércio Exterior, e não foi relatado nenhum tipo de retaliação, mas estamos atentos, observando e em contato com as entidades”, resume.

Demissão no grito

Desde o início do ano este articulista vem escrevendo aqui no Diário de Goiás e também em publicações no jornal Onze de Maio e no Diário da Manhã sobre os riscos do alinhamento automático do Brasil a Israel e aos Estados Unidos, defendido pelo presidente e do seu chanceler, Ernesto Araújo. Os EUA são concorrentes diretos com o Brasil no agronegócio, e Israel, vive em estado de guerra permanente com vários países com o mundo árabe.  Historicamente o Brasil sempre defendeu a paz no Oriente Médio, tendo como bases o direito tanto de Israel, quanto da Palestina a se constituirem como nações livres e soberanas. A optar por uma linha ideológica no Comércio Exterior o governo Bolsonaro dá um tiro no próprio pé e outro na cabeça do agronegócio.

A reação do líder da bancada ruralista demonstra que esta postura temerária chegou ao seu limite. Flávio Bolsonaro, o “filho número um”, se comporta como Chanceler de fato. Em Washington participou da audiência do pai com o presidente Donald Trump e saiu do salão oval defendendo que o Brasil liderasse a invasão da Venezuela. Nesta viagem a Israel novamente ficou ao lado do pai-presidente com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e saiu do encontro para postar críticas aos palestinos.

Na noite de terça-feira o líder da FPA demitiu Flávio no grito. Talvez o deputado  Alceu Moreira tenha incorporado ali o espírito de Dom Pedro I, que também no grito defendeu a independência do Brasil. No caso do parlamentar, foi a defensa da politica externa independente. O que não é pouca coisa. São bilhões de dólares e milhares de empregos em jogo, só em Goiás, são dezenas de milhares de famílias que dependem do comércio do Estado com o mundo árabe.

Espera-se que o governo federal não se faça de surdo diante do brado ruralista.

Altair Tavares

Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: [email protected] .