27 de agosto de 2024
Publicado em • atualizado em 07/08/2019 às 23:04

O dia que o Congresso rejeitou os excessos de Moro e da Lava Jato

(Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)
(Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

Marcus Vinícius

O dia de hoje foi sintomático para demonstrar a mudança de humores no Congresso Nacional em relação ao cerco ao qual foi submetido nos últimos anos pela Operação Lava Jato e pelo ex-juiz Sérgio Moro. As revelações da Vaza Jato,  série de matérias que mostram desvios éticos e corrupção de membros da Lava Jato, que estão sendo publicadas pelo site The Intecept, conjuntamente com os jornais Folha de S.Paulo e El País, mudou o humor de deputados e senadores em relação às propostas da “República de Curitiba. O resultado, é que congressistas da situação e da oposição reagiram aos excessos lavajatistas e moristas em dois momentos nesta quarta-feira. A primeira, quando parlamentares das duas Casas (Câmara e Senado) formaram composição com 70 membros de 12 partidos diferentes para uma audiência com o ministro Dias Tóffoli,  presidente do Supremo Tribunal Federal, com pedido de rejeição da transferência do ex-presidente Lula da sede da Polícia Federal em Curitiba para o presídio de Tremendé, São Paulo. A outra, reação foi a rejeição do pacote anti-crime proposto pelo ministro da Justiça Sérgio Moro.

Contra o estado policial lavajatista

 A manhã quarta-feira ganhou ares dramáticos com a decisão da juíza de Execuções Penais Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, de acatar pedido da Superintendência Polícia Federal do Paraná de transferir o ex-presidente Lula para o presídio federal de Tremenbé, São Paulo, onde seria colocado numa cela comum.

A notícia foi veiculada primeiramente pelo portal R-7, da Rede Record e provocou rebuliço no Congresso Nacional. A reportagem da Folha de S. Paulo registrou algumas destas manifestações, entre elas, a feita no twitter, pelo presidente da Câmara Federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), que questionou a decisão:

“Não entro no mérito do julgamento do ex-presidente Lula, mas, na execução da pena, ignorar o direito à progressão de pena e transferir um ex-presidente que, por decisão judicial deveria ser cumprida em Sala de Estado Maior, para o Presídio de Tremembé é uma decisão fora da lei”, escreveu Maia.. “Uma das marcas da evolução civilizatória é a substituição do critério passional de vingança por um critério racional de Justiça. A vingança ignora a lei. A Justiça submete-se a lei”, salienta o presidente da Câmara.

Outros deputados da base governista também condenaram a decisão da juíza Lebbos. Sobrinho ex-coronel e ex-ministro da Educação Jarbas Passarinho, um dos signatários do AI-5, o deputado federal Joaquim Passarinho (PSD-PA), que disse que “apesar de nunca ter votado nele, acho que Lula é um ex-chefe de Estado e merecia um outro tratamento”, disse. Para ele, tocar no assunto mais de um ano depois parece “perseguição à toa”, enfatiza.

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O goiano José Nelto, líder do Podemos, também qualificou a decisão da juíza de perseguição “O que a Justiça fez hoje, eu quero aqui condenar publicamente. Não se justifica retirar o ex-presidente Lula de Curitiba e levar para Tremembé. Isso é humilhação, esta juíza deveria repensar os seus atos. Perseguição eu não aceito com ninguém, seja de direita ou de esquerda”, disse.

Ligado ao ex-presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG), o deputado  federal Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) –  filho de Ibraim Abi-Ackel,  ex-ministro da Justiça do governo Figueiredo -, qualificou a decisão judicial como “verdadeiro absurdo”. Segundo ele, é algo que “coloca em risco o respeito que o Brasil conquistou como país garantidor dos direitos.”

Citando a palavra vingança, o vice-líder da bancada do PR na Câmara dos Deputados, deputado federal Marcelo Ramos (AM), se referiu ao absoluto limite da lei e da Constituição para manifestar-se sobre o caso.

 

Reação no STF

Deputado federal Fábio Trad (PSD/MS) liderou, a  frente de parlamentares de diversos partidos que entrou no STF com pedido para impedir a transferência do ex-presidente Lula, de Curitiba (PR) para presídio em São Paulo.

À imprensa, na porta do STF, Fábio explicou que o caso não se trata da defesa do ex-presidente e sim a defesa do estado democrático de direito. Trad disse que a decisão judicial de transferência foi descabida e inconstitucional, além de botar a vida do ex-presidente em risco, caso se concretizasse.  Ele lembrou que o ex-presidente Lula já teria direito à progressão para o regime semiaberto e este pedido ainda não teria sido julgado pela Justiça Federal no Paraná.

”Ainda que o réu fosse o presidente Bolsonaro, eu estaria aqui para defender”, justificou Trad, minutos antes da Corte Suprema aceitar o pedido dos deputados e negar a transferência de Lula. Ou nós damos um basta à escalada do viés autoritário, inclusive ameaçando a imprensa, ou nós vamos sucumbir”, afirmou. “Foi um momento único porque uniu todos aqueles que defendem o estado democrático de direito”, completa.

Líder do PT na Câmara Federal, deputado Paulo Pimenta também foi incisivo: “Nós não temos na história recente do País uma manifestação tão clara de diferentes partidos políticos em defesa do estado democrático de direito. A  solicitação da Polícia Federal ocorreu há um ano, o Ministério Público se manifestou contra. Não há nenhum fato novo que justifique a decisão da juíza”, salientou.

Para o vice-líder do PCdoB, deputado federal Márcio Jerry (MA), trata-se de um claro “abuso de autoridade” e demonstração de uma “clara perseguição política”. “Ministro Sérgio Moro é o regente dessa absurda decisão da juíza Carolina Lebbos em mais uma perseguição ao ex-presidente Lula. Escalada autoritária inaceitável”, afirma.

Presidente do PSOL, Juliano Medeiros comemorou a decisão do Supremo no twiiter. “Maioria do STF derruba transferência de Lula. Ex-presidente seguirá no Paraná, na sede da Superintendência da PF. Derrota acachapante da Lava Jato e vitória da democracia”, frisa.

“Mais uma vez Lula é vítima de Sérgio Moro. Foi a Polícia Federal que pediu a transferência de Lula. A PF é subordinada a Moro e fez isso numa velocidade inacreditável.  O Departamento de Execuções Penais de São Paulo (coordenado pelo juiz Paulo Sorci) deferiu o pedido na mesma data em que se determinou a transferência. O juiz que deferiu o pedido foi indicado por Moro. Então não temos dúvida de que se trata mais uma vez da atuação política do atual ministro da Justiça”, detalha Gleisi em pronunciamento feito antes da reunião com o presidente do STF.

Projeto de Moro é rejeitado

O grupo de trabalho na Câmara dos Deputados que estuda o pacote anticrime rejeitou, por 8 votos a 3,  a inclusão no texto final do chamado “plea bargain”, uma das inovações propostas pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.

Por meio do plea bargain, o investigado se declara culpado de um crime diante do Ministério Público e, com isso, não precisa se submeter ao processo. O acordo precisa ser aprovado por um juiz. Críticos alegam que a proposta aumenta o risco de condenação de inocentes, que poderiam confessar crimes para reduzir pena. Para a oposição, a proposta lotaria cadeias e penitenciárias.

No lugar da proposta de Moro foi aprovada outra, feita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre Moraes, que estabelece a não percussão penal. A grande diferença entre o plea bargain e não percussão penal é que no caso da medida proposta por Moro há a necessidade de oferecimento de denúncia pelo Ministério Público e não há  limite de pena. Na proposta aprovada, elaborada pelo ministro do Alexandre de Moraes a punição é substituída ainda na fase de inquérito, sem abertura de ação A não percussão penalsó serve para crimes não violentos, com pena máxima inferior a quatro anos de prisão.

Segunda instância

O grupo de trabalho criado para analisar o pacote anticrime também decidiu, por 7 votos a 6, retirar do texto a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

A votação na Câmara ocorre no momento em que o próprio Supremo não descarta a possibilidade de um recuo. O presidente da Corte, Dias Toffoli, já sinalizou que a decisão de três anos atrás pode ser rediscutida no segundo semestre deste ano.

A maioria dos deputados justificou o voto com um argumento técnico. A avaliação é de que a mudança apresentada por Moro deve ser tratada no Congresso por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – que exige os votos, em dois turnos, de 60% dos deputados e dos senadores –, e não por projeto de lei, que precisa de maioria simples, como foi enviado por Moro aos parlamentares.

O pacote anticrime de Moro acrescentava um artigo ao Código de Processo Penal para estabelecer que um tribunal, ao proferir acórdão condenatório, “determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade”. “Se quiser modificar esse ponto, o ministro e sua bancada deverão fazer através de PEC”, afirmou o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), contrário à proposta.

Além de Freixo, rejeitaram a medida os deputados Lafayette de Andrada (PRB-MG), Paulo Teixeira (PT-SP), Margarete Coelho (PP-PI), Orlando Silva (PCdoB-SP), Fábio Trad (PSD-MS) e Paulo Abi Ackel (PSDB-MG). A favor, além do relator, votaram os deputados Coronel Chrisóstemo (PSL-RO), Adriana Ventura (Novo-SP), Subtenente Gonzaga (PDT-MG), Carla Zambelli (PSL-SP) e João Campos (PRB-GO).