Antes da gravação de Joesley com Temer, o País era simples: havia uma direita e uma esquerda, o bem e o mal.
A crise? Culpa da esquerda. A saída? Pela direita.
No centro, a questão moral, que cada um puxava para o seu lado, empurrando para o outro o que não admitia em si próprio: deste lado os humanamente falidos; daquele, os purificados pela ética divina.
No jogo de forças nacional, a esquerda estava caída, era terra arrasada. Joesley derrubou a direita, jogou por terra corpos inchados de soberba e consciências seletivas.
Depois disso o mundo deixou de ser simples.
Está complicado argumentar em defesa de qualquer das margens. Ficou complexo analisar tudo.
Ficou? Já estava. Agora ficou claro para quem estava de olhos embaçados. (Ou será que ainda não?)
Não há referência no horizonte que inspire, a não ser negativa.
Todos atordoados, eis que nesta altura do campeonato os argumentos de ataque e defesa se igualam.
Complexo entender, não menos complexo aceitar essa realidade. É a vida, cidadão.
Chegamos ao tempo em que não dá mais pra viver de manchetes.
Quem sabe assim o Brasil deixe de ser refém das soluções de estádio de futebol.
Repare que Michel Temer não explica as principais denúncias contra ele.
Não explica:
– R$ 3 milhões em propina na eleição de 2010, pagos em parte como doação oficial e outra parte como caixa dois à empresa de seu marqueteiro.
– R$ 15 milhões em pagamentos de vantagens na campanha de 2014;
– interferência de um aliado em decisões no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o principal órgão brasileiro de defesa da concorrência;
– compra do silêncio de Eduardo Cunha;
– aval para ‘segurar’ juízes;
– 40 milhões de dólares da Petrobrás/Odebrecht para o PMDB;
– compra de apoio, voto a voto, no Congresso, para aprovar reformas e para poder ficar no cargo.
Tem mais.
Em vez de respostas, Temer busca socorro, em tom de ameaça, numa possível derrocada da economia caso ele saia.
Tese sob medida para justificar sua permanência no Palácio (do Planalto), em vez de sua ida para o presídio.
(Como se a economia não tivesse sobrevivido a ele, ao seu partido, a todos os partidos, e a todos os grupos de achaque, todo esse tempo.)
Em vez de apresentar respostas, Temer lança perguntas sobre a qualidade técnica da gravação de Joesley.
Busca inocência pela degradação do áudio, mas não cuida da negação de seus atos.
Em vez de clarear sua honra, o presidente ataca com verve afiada a de Joesley.
Chega a registrar, de tão indignado, que atentam tanto contra ele que chegam a atenar contra o seu vocabulário. O seu vocabulário!
“Fui vítima de bandidos que saquearam o Brasil”, diz, sem explicar suas relações cordiais e de financiamento eleitoral com os tais bandidos, que lhe eram tão próximos na cumplicidade eleitoral.
Joesley ser condenado pela opinião pública é compreensível, e positivo para quem não aprova a forma como ele agiu para se safar.
Ser condenado por práticas irregulares, como a espertíssima compra de dólares na véspera da divulgação da gravação com Temer, também. Cumpra-se.
Porém, inquestionável: Joesley fez o que fez dentro da lei; Temer agiu como agiu fora da lei.
Joesley negociou com a PGR. É feio? É um disparate que, depois de lucrar tanto com recursos públicos e trair quem o alimentava de benefícios, saia impune? Mas tá valendo.
Um presidente não deveria ser gravado por alguém no Palácio? É constrangedor, e uma vergonha para a segurança nacional? Mas tá valendo.
Regras do jogo. Jogo sujo, que seja. Mas jogo sujo de um não limpa o de outro.
Em nome da economia ou da indecência alheia, um líder – seja de direita, seja de esquerda – não pode levantar a bandeira do ‘rouba, mas faz’.
Nem a gente – seja direita, seja esquerda – pode ser avalista de sofisma.
Torcida é louvável.
Nada justifica, entretanto, uma conquista a qualquer preço, para que os fins não justifiquem os meios.
A vitória sobre o adversário não pode ser a derrota das virtudes.
Os políticos estão sujos, dizem os moralistas. Mas os moralistas são os eleitores dos eleitos.
Os moralistas são os que pedem emprego no gabinete para não trabalhar. Os que querem uma telha, um desconto na multa, um benefício fiscal de um centavo a um milhão de reais.
Os moralistas são os que condenam os falsos moralistas da política, mas que compartilham almoços, jantares e até churrascos com eles, sem aquela resoluta indignação que surge de repente quando algo escandaloso vem à tona.
Os moralistas são os que vão para as ruas cobrar moralidade, mas contribuem com o caixa 2 das campanha ganhando por fora (para trabalhar ou para não atrapalhar), e que também se declaram pela metade ao imposto de renda.
A vida não é simples. A política não é simples. A solução para os males do Brasil não será simples.
Há que se aprovar a Lava Jato. Mas há que se questionar seus métodos e as intenções de seus idealizadores.
Delatar é a nova onda da modernidade? A nova régua social? O novo parágrafo matador da lei do mais forte, do salve-se quem puder?
Há que se cobrar mudanças. Mas há acima de tudo que se entender que a mudança necessária não é a de lado, na forma, e sim a de conteúdo, na essência.
É preciso entender que o voto não é culpado de nada, mas quem vota e quem é votado tem que cumprir as promessas de comportamento exemplar.
O direito é de todos; os deveres, também.
Aceitar isso é o primeiro passo de uma longa caminhada de complexa compreensão e não menos complexa realização.
Eleição indireta, ou eleição direta, já? Eleição com eles elegendo eles lá no Congresso, ou com o povo nas urnas?
Simples. E complexo.
Nada fácil. Mas difícil já está.