As pessoas não me entendem. Que tristeza. Tá bom, dramático demais. As pessoas não entendem e não acreditam quando digo que não gosto de festa, ainda mais surpresa, no meu aniversário. Meus amigos já sabem. Mandam mensagem, um ou outro liga, e só. Festa, não. Não desce redondo. Por que? Sei lá. E não é falta de terapia. Só não gosto. E tá bom assim.
Na infância, tive festa. Nem lembro. Mas sei que nada de ruim aconteceu. Já perguntei pra meio mundo. Se aconteceu algo traumático, alguém vai se ver com Nossa Senhora d’Abadia do Muquém, na hora certa. Ela cuida de mim. Me protege e me incentiva. Já fui em muitas festas também. Nenhuma que minha performance me envergonhe. Bom menino, bom rapaz. (Quando não era, tratava de esconder, não sou bobo).
Tem gente que é o contrário de mim: ama festa. Adora comemorar o aniversário. Tenho uma tia que comemora por um mês todo ano. Um mês inteiro sorrindo, contando pra todo mundo que é seu aniversário e dizendo que aceita presente. Amo minha tia e essa alegria dela. Mas não me contamina. Ganho poucos presentes, por conta desse meu jeito taioba, que é como me definem meus parentes. Taioba, sem graça, com uma bobeira que não tem explicação. É isso. Eles têm razão. Mas vai ficar assim mesmo.
Não desgosto do meu aniversário. Pelo contrário. Gosto muito de saber que estou ficando mais velho. Se pudesse, já teria nascido velho. Ser velho é a melhor estação do mundo, depois de ser criança. Ser criança com alma de velho, olha que perfeição. Talvez eu seja um velho resultado da história da humanidade, o que deu pra ser depois de tantos milênios. Talvez, todos sejamos. Só não nos lembramos. Queria lembrar. Taí um presente de aniversário que eu iria adorar. Ter hoje impregnadas no espírito todas as lembranças da vida, seja que tamanho ela tenha. Sabemos, né: Deus não dá asas a cobras.
Brincadeira. Coitadas das cobras. É um ditado apenas, vamos deixar acertados. Deus dá coisas demais. Não tenho do que reclamar. Só porque não veio junto como original de fábrica o gosto pelos parabéns pra você pra mim, não quer dizer que está faltando algo. É o modelo. Sou desse modelinho, chato com festa pra mim, enjoado com cumprimentos e comemorações que me coloquem em protagonismo. Eita. Ato falho? Meu problema é o protagonismo? Que nada. Protagonizo muita coisa, sem problema. Põe na conta das manias que encaixa melhor.
Mas quem os dois cidadãos que mais ficam invocados com minha recusa em fazer festa, reunir a família em pizzaria e coisa e tal, são meus pais. Minha mãe, então, nunca vai achar isso normal. Vai bradar comigo sempre. E tome paciência, porque eu sei que ela tá certa. E certa não só por ser mãe, não. Certa porque tem razão. Nem argumento. Nem me defendo. Tenho muita fé que todos entendam que é só meu jeito mesmo. Meu desajuste de personalidade, se tanto. Minha falta de respeito com os que querem me desejar bênçãos, segundo minha mãe. Certo. Rezem por mim. Melhor. Rezem como se apagassem velinhas e comecem todos os bolos do mundo.
Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).