28 de agosto de 2024
Publicado em • atualizado em 04/07/2023 às 10:41

Meu rezar incessante

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Imagem: Inteligência Artificial
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Imagem: Inteligência Artificial

A última coisa que faço todo dia é rezar; a primeira, também. Não é muita coisa. Um Pai Nosso, algumas Ave Marias e as orações que aprendi no catecismo com as irmãs Lídia e Verônica. Mas vou lá. Registro minha presença. Do jeitinho que fazia quando dona Lourdinha chamava meu nome e me reparava com seus olhinhos miúdos. Ela me ensinou a ler e escrever. A fé me encaminhou na vida. Deus sabe.

Confesso, joelho no chão, que está cada dia mais difícil não digo me desconectar do mundo, mas me conectar com além. Fico no meio do caminho, na maioria das vezes. Me esforço, acelero as frases para ver se termino antes de me perder nas coisas do mundo sem chegar ao reino do céu. E é isso, fico aquém. Minha bênção é saber que não volto atrás. Sigo em frente, sempre, na incessante busca da minha santidade. Sim. Não ria, respeita minha fé, uai.

Falo para mim mesmo, sempre, que até não rezar mais o que eu rezo é meu propósito para aproveitar um pouco das orações da minha mãe, que acorda e dorme rezando de forma literal: é o dia inteiro em contrição e conexão com o além e pós-além, se é que isso tem. Ninguém reza mais que ela. Em segundo lugar vem meu pai, que é rezador, porém com intervalos para ser também escritor de causos e outras muitas coisas mais.

Minha mãe reza para tudo e para todo mundo. Cozinha com a TV ligada nos programas religiosos. E agora arrumou de acordar às três da manhã para rezar no WhatsApp com gente que nunca viu, dos mais variados pontos da Terra. Essa a diferença dela paro meu pai. Ela acorda essa hora para rezar. Meu pai acorda um pouquinho depois, reza um pouco e vai fazer o café para levar a ela. E ri quando conta a travessura dele, que é não acompanhar minha mãe às três da manhã porque amanhece tarde, ali pelas quatro e meia da madrugada. Anda preguiçoso, logo se vê.

Eu rezo guiado pelos meus desejos, pela vontade divina e guiado pelas minhas culpas. Sim. Católico é um povo cevado na culpa. Rezo pelos meus afilhados, que pouco vejo, desnaturado que sou, e as mães deles, principalmente, que depositou toda sua fé em que eu seria um padrinho perfeito, inclusive mais presente, mais constante. Que pecado, o meu. Rezo, rezo e parece que minha culpa aumenta. Fico até sem desculpa para pedir perdão pessoalmente. Que cruz!

Rezo, claro, pela minha família, pelos meus pais, embora em evidente desvantagem, meus irmãos e os seus, que são meus do mesmo tanto. Rezo pelos amigos, aprendi a rezar pelos inimigos, e rezo por uma porção de coisas que vão se juntando na minha cabeça e no meu coração a cada passo que dou. Falando nisso, tenho comigo que minha cabeça reza desse jeito desrezante, tentando se equilibrar na concentração e na perdição, mas não tem problema porque eu sei que o coração é sincero. Por Deus, ele bate.

Eu rezo querendo rezar mais e melhor. Rezo e faço minha parte, mais que imperfeito duas vezes. Rezo rezando. E nisso me supero. Eu me elevo na fé em minha fé. Eu creio. O interstício entre o mundo é o além é meu estar no mundo, logo vejo, e não o meu labirinto nesta vida tão crescente em mortes ou na iminência delas a todo instante: morte da política, morte da democracia, morte do ser humano cotidiano, morte da paz de espírito em nome de depressivas incertezas da alma e possessivas certezas da razão. Morte de um presente que deixa o futuro sem vida própria.

Rezo porque não rezar não salva, e eu quero salvar a humanidade. Quero o bem de todos. Quero uma vida eterna de ressurreições para os condenados e os seus algozes, pois somos todos filhos. Quero realidades para os sonhadores, e milagres, incandescentes milagres como o sol das manhãs. Há muito deixei de temer perder a vida, porque me levanto na fé. Já imaginei-me em desespero, por tanto, mas em verdade, em verdade eu vos digo: cola ni mim que o santo ajuda quem cedo madruga e à noite tem sono. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Vassil Oliveira

Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).