22 de novembro de 2024
Publicado em • atualizado em 01/08/2023 às 07:20

Meu novo dia

Vassil Oliveira, jornalista e escritor
Vassil Oliveira, jornalista e escritor

A primeira coisa que fiz hoje não foi abrir os olhos. Meu cérebro chegou primeiro ao novo dia. Muito depois pensei: isso não está certo. Quando olhei a manhã, eu já tinha desejado voltar a dormir duas vezes. A primeira combati com a voz da razão: tenho compromissos. A segunda, ouvindo a voz exterior: dormir para quê, se a vida não para? Acordei errado, logo eu que sempre me achei errado na vida.

Sem drama. A vida não é mais a mesma quando acordamos um segundo fora do tempo. Até o almoço, fui bem. Não tive dor de cabeça, não tropecei no sono e consegui concatenar duas ou três ideias, o que me deixou bastante animado. Comi bem, desfrutando de minha humilde companhia, apenas, como gosto de vez em quando, para colocar o papo em dia, atualizar as fofocas sobre minha risível pessoa.

Foi à tarde que aconteceu o que não sei dizer ao certo, a não ser que me tirou toda a energia. Ou será que não vi o ponteiro baixando pouco a pouco? Outro dia meu celular começou a esquentar e descarregar a bateria, e nada do que fazia resolvia o problema. Até que percebi, horas e horas depois, que o problema era a permissão que eu dera, e nem me lembrava, para ele fazer backup com dados da operadora. Tive que comprar dados. A vida se diverte com a gente.

Meu organismo pifou também. Uma parte dele. Uma parte que faz a gente correr para casa. Nunca acontece isso. A engrenagem funciona muito bem, me orgulho disso. A exceção me faz baixar mais ainda a cabeça, que passou a doer levemente. Essa dorzinha vem e vai. Não sei o que é enxaqueca, e queira Deus nunca saber. Mas é um saco. Tudo fica embaçado. O lanche fica embaçado, a soneca, o sol poente, a leitura, a série, o jantar, tudo. O sono fica indecente: vem mas não vem direito. Vem já indo.

Carrego um saco de cimento na cabeça em dias normais. Ele ajuda a me equilibrar os passos. Mas hoje ele desceu paro coração. E parece que o sangue jorrou e o balanço das horas sem sentido funcionou como betoneira. E está lá a coisa, bem no fundo, não sei que forma tem. Sei que pesa um bocado e em desequilíbrio. Estou pendendo para um lado, bem na beira do precipício. Para que lado está o passo em falso. Nem vou olhar pra baixo. Aliás, fecho os olhos e vou no fio da história.

Escrevo meio que dormindo. Significa que não sei se estou acordado na dobra daquele segundo ou sonhando com o dia seguinte. Se pudesse escolher, estaria em tempo algum. Algum momento entre uma coisa e outra, entre ser e não ser, entre acordar e dormir que não fosse esta realidade diária, repetitiva, que ao menor sinal de um sopro se desmancha e se despedaça engolida pelo próprio caos. Custa, meu Deus, me deixar em paz com meu caos nem que seja por um milésimo de nada?

Vassil Oliveira

Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).