Engato a marcha e vou dando ré no carro aos poucos, enquanto o portão eletrônico se arrasta preguiçoso lá atrás. Assim que ele se abre por completo e acelero um pouquinho para ganhar velocidade, um susto. Um vulto rechonchudo segurando as calças passa correndo de relance atrás de mim. Paro assustada. É quando percebo que, ao invés de somente passar pela calçada, ele está acenando logo atrás.
Não entendo ao certo o que ele está querendo me comunicar. Ele usa uma máscara frouxa no meio do rosto, tampando só a boca. Considerando todas as histórias que escutamos todos os dias por aí, a primeira sensação é sempre a de medo. Presto atenção no gesto, já pensando no esquema para entrar de novo com o carro e bater o portão o mais rápido que posso. “Antes que ele entre comigo”, penso acelerada.
Em um átimo de segundo, percebo que, na verdade, o senhor rechonchudo e estranho está tentando me ajudar a manobrar o carro para sair. “Logo hoje, meu Deus”. Já estou atrasada, e agora, bloqueada na minha própria garagem.
O problema é que ele não entende, mas não tenho como mover um centímetro sem atropelá-lo, já que está exatamente atrás do carro. Gesticulo impaciente para que ele entenda que a sua tentativa de auxílio está me atrapalhando. “Estou atrasada, moço! Saia de trás, por favor!” Nada! Ele insiste em mover as mãos me mandando continuar dando ré. Mas como? É uma tentativa de suicídio? Logo hoje, moço?!
Tento jogar com a simpatia para ver se ele entende. Baixo o vidro, sorrio e já agradeço, para que ele entenda que seu trabalho está feito. “Pronto, pode ir!”, penso. E nada… Vou dando ré devagarinho, o portão automático aberto já há muito tempo ameaça fechar. Meu Jesus, que caos! O portão se arrastando para fechar, eu no meio do caminho e o rechonchudo atrás.
Entre prestar atenção no senhor, no portão e na ré, consigo dar o comando no controle remoto para que volte a abrir. Nessa, tenho que gritar de dentro do carro para que ele saia um pouco para a direita, mais dois passos e eu consigo manobrar. Na realidade eu é que estou manobrando ele para que consiga sair. Vê se pode.
Pronto! Ele se move, eu checo a rua para ver se está livre e rapidamente deixo todo o carro do lado de fora da garagem. Fecho o portão e, ao olhar pelo retrovisor, vejo que ele sorri para mim, aparentemente satisfeito por ter me ajudado a sair em segurança.
Ao vê-lo mais de perto, noto que é o senhor que mora sozinho numa casa escura no final da rua. O mesmo que, dias atrás, quando eu atravessava a rua da avenida central, que por sinal estava livrinha e sem carro algum vindo, me disse para tomar cuidado. “Toma cuidado, hein!”. Não entendi se era uma ameaça ou um alerta.
Agora, percebo que ele é do tipo prestativo, que assusta, mas tenta ajudar. Mando uma buzinadinha, aceno com a mão dando um tchauzinho e um ok, e vou embora. Ele continua seu andar arrastado de ombros caídos, rente ao meio-fio, contando com a sorte, levantando as calças que estão sempre caindo. A máscara frouxa segue no rosto, tampando somente a boca. Comunicação não é sua preocupação maior, mas a segurança dos outros, aparentemente, sim.