07 de agosto de 2024
Publicado em • atualizado em 03/04/2013 às 23:01

Lembranças de Mauro Borges em dois tempos

Os textos abaixo foram publicados no Jornal da Segunda, que depois virou Tribuna do Planalto. Narram dois encontros que tive com o ex-governador Mauro Borges, que morreu há cerca de uma semana.

 

O primeiro está dividido em duas partes, como foram publicadas no jornal (em duas semanas). São o resultado de uma longa entrevista com Mauro, então com 78 anos (ele morreu com 93) e em um momento significativo: ele vivia a perspectiva de concluir um livro de memórias e de ter um filho eleito deputado estadual, em 2002.

No segundo caso, seria, pois, a possibilidade de Pedro Ludovico Teixeira, o criador de Goiânia, ter um neto na Assembleia e, quem sabe, como ocorrera com o filho, comandando o governo de Goiás. Bem. O livro de memórias foi concluído e lançado logo depois. Já o filho… Não foi eleito.

A segunda parte fala da volta de Mauro ao Idago 37 anos depois, isso em outubro de 1999. A importância disso? Espero ter registrado devidamente – aliás, melhor dizer merecidamente.

Creio que a dimensão de Mauro Borges para a política goiana será ainda tema de estudos por anos e anos. O seu legado é sólido. O meu registro, que vai abaixo, é fruto do encontro de um jovem repórter (com pouco mais de 20 anos) e um grande homem. É um recorte no tempo de um Estado que tem de quem se orgulhar e em quem se inspirar.

 

PERFIL – 1a PARTE

O irmão de Goiânia

A porta do elevador se abre devagar. A voz animada que se ouve é a dele, reconheço logo. Aguardo sem ansiedade que ele surja, mas na expectativa de quem vai conversar com um dos principais protagonistas da história de Goiás. Junto com ele está um casal de amigos, que ele convidou para conhecer o novo apartamento. Eu acabara de chegar para a conversa, combinada dois dias antes por telefone. Não sabia ainda se seria uma entrevista, já que no nosso curto diálogo inicial, ele ponderara que preferia o sossego depois de décadas dedicadas à política.

Mauro Borges Teixeira, aos 78 anos, surge sorrindo à minha frente, e confesso que o sorriso seria uma constante ao longo das mais de três horas do nosso encontro. Cumprimenta-me alegremente com um aperto de mão, mas segue dedicando atenção total às visitas. Leva-as por todo o apartamento, entusiasmado com a nova moradia. Mudou-se há pouco mais de dois meses e ainda se delicia com o tamanho do imóvel – 350 m2, mais do dobro do que tinha em Brasília, cuja venda deu para comprar o atual e ainda reformá-lo – e a vista privilegiada de parte de Goiânia.

Quando as visitas vão embora, ele então se aproxima com uma expressão de contentamento que contagia. As primeiras palavras são de mais elogios ao apartamento e à cidade. Leva-me para ver a sacada e o horizonte que se descortina a partir dali. O Setor Oeste e a capital goiana nunca estiveram tão bonitas. “Goiânia é minha irmã”, fala, com orgulho. Tinha 13 anos quando a cidade foi concebida pelo governador Pedro Ludovico Teixeira, seu pai, e integrou a comissão que escolheu o local onde ela seria implantada.

Mauro Borges caminha lentamente, como quem entra no quarto cheio de cuidados para não acordar a criança que está dormindo. O corpo não tem mais a agilidade dos 30 anos, mas a alegria que expressa tem a idade da transparência. A alma é juvenil. Ele só aceitou receber-me depois de ponderar que tratava-se de uma concessão não ao desejo de remoer as glórias passadas, que não alimentava mais, mas de contribuir com a campanha do filho Rodrigo Borges.

Rodrigo, filiado ao PSDB, é candidato a deputado estadual. Sem dinheiro para comprar mandato, conta com o apoio do pai e a lembrança do avô pioneiro, Pedro Ludovico. Rodrigo está agitado no dia da minha visita. Depois de receber-me e conversarmos por alguns minutos, enquanto o pai não chegava, pediu licença para cumprir compromisso inadiável: mais uma reunião com correligionários.

Reforma agrária e defesa nacional

Mauro Borges, assim que ficamos a sós e depois de passear comigo pela sala cheia de fotos e móveis antigos, volta a dizer que não gostaria de dar entrevista. Entendo: nada de gravador. Também diz que não gostaria de falar sobre fatos do passado – porque tudo que tem a dizer estará em seu livro de memórias -, nem de outros do presente. Ele confessa: o que gostaria mesmo era de participar de encontros com jovens para conversas informais, diálogos abertos, debates. “A contestação é bom para as idéias”, ensina.

Mauro sugere inclusive que essas conversas sejam frequentes, com um grupo de interessados que se reuniria periodicamente. Depois da eleição, claro. Dois temas que o fascinam estariam com certeza na pauta das conversações: reforma agrária e defesa nacional e Amazônia – este último, assunto de seu último discurso como deputado federal, há quatro anos. Ele critica com veemência o processo de reforma agrária do governo federal e a ação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Diz que tem alternativas para propor. “A coisa está mal conduzida e pode resultar em fracasso”, avisa. “Modéstia à parte, de reforma agrária eu entendo.”

Para a Amazônia, a solução que propõe é a ocupação. “Agora que somos a 8ª maior potência econômica do mundo, não tem cabimento perdermos a Amazônia”, diz, preocupado com o avanço dos países do primeiro mundo sobre a riqueza amazônica. Para o ex-governador, não há mais razão militar para se concentrar a defesa do País no Sul, como antes, depois do advento do Mercosul (Mercado Comum do Sul, que reúne Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina). Com o fim dos conflitos com nossos vizinhos, “é hora de ir para o Norte”, defender a Amazônia. “É preciso coragem política para isso”.

Ele discorre com prazer sobre a história do Brasil. Revela profunda admiração pelo Marquês de Pombal e diz que a ação colonizadora dos padres jesuítas foi socialista antes de Marx surgir com o Manifesta Comunista. Mauro fala com a autoridade de quem viajou pela Rússia, China, Israel e vários outros países antes de assumir o governo do Estado, aos 40 anos. Foi estudar para governar.

Da sala passamos para o escritório. Uma mesa de vidro com alguns papéis em cima e estantes cheias de livros sobre história, biografias e memórias, seus assuntos preferidos. Em destaque, Chatô, o Rei do Brasil, de Fernando Morais, sobre a vida de Assis Chateaubriant; Navegação de Cabotagem, memórias de Jorge Amado; Diário do Entardecer, também memórias, de Josué Montello; Criação, de Gore Vidal; e o livro de entrevistas do ex-presidente Ernesto Geisel à Fundação Getúlio Vargas. Há ainda livros sobre literatura árabe e um deslocado Inteligência Emocional.

Questiono a presença deste último livro na estante e ele dá uma risada. “Leio tudo”, diz, faceiro. Também ali, fazendo sombra aos outros, sete volumes com as histórias do conquistador Casanova. “Já li três livros; depois eu leio o resto”, fala, revelando-se admirador do enamorado Don Juan. Mauro conta que há outros dois mil livros em sua fazenda, no município de Formosa. Mas, em meio a tantos livros, a confissão: “Não dá muito tempo para ler nada”, lamenta, com o pensamento voltado, por enquanto, apenas para a eleição do filho.

Livro de memórias está pronto

Já são quase oito horas da noite e Mauro me convida para ir à cozinha. Ele está com fome, e o jantar está servido. Também para comer não há pressa. Fala de sua determinação – “Em todas as coisas em que me meti, nunca falhei” – e confessa-se decepcionado com Napoleão Bonaparte: “Ele traiu a Revolução Francesa”. A partir daí, inicia uma longa viagem pela história do mundo a partir do relato da vida de conquistadores como Alexandre, o Grande, Aníbal e Júlio César, sobre os quais fala com intimidade.

Há um mapa do mundo antigo na sua cabeça e ele o vai destrinchando como se contasse casos ocorridos no quintal de sua casa. Por sua conta, teríamos assunto para toda a madrugada. O primeiro bocejo dele só veio perto da meia noite, ainda assim ele não parava de contar histórias. Percebo que é hora de ir embora. Há tempo, porém, para ele dizer que não sente saudades da política, e que está feliz por voltar para Goiânia.

A dedicação, por enquanto, é total para eleger Rodrigo deputado estadual. Ele passa boa parte do dia fazendo ligações para velhos amigos pedindo apoio e votos para o filho. “O Rodrigo é inteligente, firme, enérgico, está preparado para a política”, garante. Entre as lições dadas ao filho, uma pode ser definida como especial, porque dada com um aperto no coração de quem viveu o que está falando: “O casamento com a política é muito obsessivo. A gente se envolve completamente. Não tem tempo para ler ou para fazer qualquer outra coisa.”

Ainda bem que chega um tempo em que não se diz mais “Meu Deus, quanta obsessão”, à maneira do poeta Carlos Drummond. Para Mauro Borges, este é o tempo das memórias. Serão cerca de 300 páginas, calcula, deixando antever que muita coisa vai ficar para outros contarem – ou para um segundo volume. “O esboço (do livro) já está pronto. Agora, tem que escoimar”, diz, preocupado em passar a limpo o que vem anotando à mão. Sim, à mão. É que ele não se acostuma mesmo com o computador (“Tenho medo de tomar choque”). Mas, antes, não custa insistir, é preciso eleger Rodrigo.

 

PERFIL – 2ª PARTE

“Fui um reformador”

Uma campanha para deputado estadual hoje não sai por menos de 800 mil reais. É o que calculam especialistas na área. Mauro Borges Teixeira sabe muito bem disso. E como não tem dinheiro para bancar a eleição do filho Rodrigo, resolveu ir à luta – ou melhor, vir à luta. Apressou a mudança de Brasília para Goiânia – sonho antigo – há pouco mais de dois meses e passa boa parte do dia hoje ao telefone, conversando com amigos em busca de votos e ajuda para o filho.

“A minha campanha para deputado federal (há oito anos) foi pobre, não tinha nem out-door. A do Rodrigo também será assim. Vai ser uma campanha de pé de ouvido”, garante, animado. “Por isso temos de redobrar o trabalho, gastando o mínimo possível com propaganda.” Aqui duas observações são feitas em tom de lamento. “Engraçado, o Brasil fica cada vez mais parecido com os Estados Unidos. Lá, pobre não é eleito”, diz, com pesar. Sobre o eleitor: “Coitado, a única coisa que ele tem é o voto.”

Mas nada de angústia ou tristeza. O assunto resvala para Goiânia e seus olhos se iluminam. “Eu sabia que meu pai faria (a cidade)”, diz, orgulhoso, lembrando as dúvidas que pairavam sobre o Estado quando o então governador Pedro Ludovico Teixeira concebeu, na década de 30, a idéia de uma nova capital brotando no meio do cerrado. Ainda assim, admite que foi uma aventura. A relação com outra capital, a do País, Brasília, onde morou por 12 anos, também é motivo de orgulho. Conta feliz que participou da comissão que escolheu o sítio onde a cidade foi edificada.

Aos 78 anos, Mauro se define como um homem religioso, daqueles de ir à missa de vez em quando e fazer orações todo dia. É um admirador confesso de Jesus Cristo e de Buda. Sobre este último, diz ter estudado muito, e que foi o primeiro grande profeta da humanidade. “Sou, sinseramente, um grande admirador de Jesus, mas também de Buda, um profeta extraordinário, que não era amargo, estava sempre rindo”, fala. E faz uma revelação: gostaria de ter estudado latim – para ler direto na fonte os feitos de grandes conquistadores, como Júlio César.

Rodrigo busca manter tradição da família

A entrada do filho na política, coincidentemente com os mesmos 40 anos que tinha quando assumiu o governo do Estado, em 1960, é vista por Mauro Borges com animação. “O Rodrigo é inteligente, firme, enérgico, morou um ano nos Estados Unidos, está preparado”, garante. Rodrigo Borges, um administrador de empresas formado pela Universidade de Brasília, especialista em turismo (as terras onde fica o Salto de Corumbá são dele), conta por que decidiu, aos 40 anos, enfrentar as urnas.

A possibilidade de participar da vida política de Goiás passou a povoar seus pensamentos com mais intensidade há cerca de um ano. Num primeiro momento, ele sentiu que estava preparado para o desafio. Depois, viu-se compelido a encará-lo, ao constatar que não havia mais nenhum membro da família trilhando os caminhos da política, o que significava uma ruptura na tradição de 100 anos dos Borges Teixeira. Foi a senha. “Achei que tinha chegado a minha hora.”

Rodrigo reconhece que os nomes do pai e do avô facilitam na hora de buscar apoios. Os amigos e simpatizantes acabam ajudando de graça, alguns até contribuindo com camisetas e santinhos. Mas, pondera, tão importante quanto a lembrança de Mauro Borges e Pedro Ludovido em sua campanha, é a presença do Zé da Silva, ou seja, o cidadão da periferia, que precisa mais do que nunca de ajuda e representação. “Tudo tem que ser dirigido às pessoas pobres de governo”, observa.

Como bom pai, Mauro não deixa de dar conselhos – ou dicas, em se tratando de velho militante na política. E o faz, muitas vezes, segundo Rodrigo, até de madrugada. Diz, por exemplo, que é preciso saber ouvir; que é preciso cuidar da saúde; e ainda, que não há segredo em política, daí a sentença: ou anda direito ou será cobrado por seus atos. Mauro cobra muito, também, coerência do filho com o caminho que está escolhendo. Afinal, a vida política é pública, sobrando muito pouco tempo para a família. “Ou entra sabendo disso ou desiste”, recomenda o pai.

Rodrigo é o filho caçula de Mauro. Tem três irmãos: Mauro Júnior e Ubiratan, fazendeiros em Anápolis, e Yara, uma jornalista que hoje está morando na Bahia. Na lembrança, o irmão Pedro, morto quando vice-prefeito de Goiânia (na administração de Daniel Antônio), e a mãe, Lourdes Stivalet Teixeira, que também faleceu há cerca de dez anos.

Sem saudades da política

Mauro confessa que sempre teve a impressão de que entraria para a política. Um dia chegou para o pai e disse que iria se candidatar. Virou governador em 1960, pelo PSD. Pedro Ludovico era referência para sua atuação não pelas palavras, mas pelos atos. “Era um homem extremamente idealista, corajoso, bravo”, diz, com “admiração profunda”. E é com orgulho que conta ter feito uma revolução em seu governo (veja matéria nesta página), contrariando os amigos do pai, sem que este tenha tentado qualquer tipo de interferência nos seus atos. Rindo, admite até que, não fosse a mão forte do velho cacique segurando os companheiros descontentes com o que o filho fazia no comando do Estado, teria sido “impeachado” – ou, sofrido impeachment. “Fui um reformador, e reformador sofre”, desabafa.

Hoje, garante não ter saudades da política. “Nunca fui apaixonado pelo poder pelo poder, mas pelo que podia fazer por meio da política”, define. Saudade mesmo apenas dos trabalhos nas comissões da Câmara Federal. Ele, que aos 30 anos já tinha concluído o curso do Estado Maior das Forças Armadas, fazia parte da Comissão de Defesa Nacional. Como fruto de seu trabalho, foi o único político a receber o diploma Álvaro Alberto, criado em homenagem ao precursor do desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. Da tribuna, nenhuma ponta de saudosismo. “Não vai ninguém lá. Vale pelo que fica escrito, e não pela platéia.”

Enquanto aguarda o momento de votar no filho, Mauro dorme uma média de sete horas por dia. Levanta normalmente às 4h, lê, escreve, toma café da manhã vendo os telejornais e vai para o escritório retomar as ligações para os amigos. Depois do almoço costuma deitar-se por cerca de uma hora. À noite, antes de dormir, lê jornais e revistas especializadas. Ainda assim, reclama, falta tempo para tudo que gostaria de fazer. “Sempre tive carência de tempo”, diz, em tom suave de lamento.

 

O que a história registra

… “Mauro Borges elegeu-se pelo PSD, partido comprometido com os grandes proprietários de terras. (…) Mauro Borges buscou apoio e aliança principalmente com as classes subalternas do campo, fundamentando a proposta de reforma agrária controlada a partir do sistema de colonização combinado agro-urbano.”

… “O governo Mauro Borges inspirou-se no Plano de Metas do Governo JK (de Juscelino Kubitschek), procurando atingir os seguintes objetivos: aceleração do processo de acumulação e criação de novas empresas, com o intuito de elevar o nível de vida da população para reduzir os conflitos sociais da década de 1960.”

… “O governo estadual (de Mauro) terminou a construção do Aeroporto de Goiânia, sendo que, no setor agrícola, foram fundadas duas colônias, os combinados agro-urbanos (…) ao longo da rodovia Belém-Brasília, amenizando o êxodo rural, beneficiando o homem do campo e servindo como suporte comercial à futura capital, fornecendo-lhe gêneros alimentícios.”

… “O governo Mauro Borges foi o primeiro a desenvolver um plano global que contemplou todas as áreas de desenvolvimento econômico do Estado de Goiás. (…) Como expressão do Plano de Desenvolvimento Econômico de Goiás, foi realizada um reforma administrativa, que criou as estatais autônomas (autarquias, como o Cerne, Osego Caixego, Ipasgo, Esefego, Cepaigo, Idago e Dergo) e as paraestatais (companhias de economia mista, como Metago, Casego e Iquego).”

… “No governo Mauro Borges, tentou-se colocar o Estado a serviço do interesse comum, o que conflitava com os interesses dominantes, na medida em que estes impediam sua orientação progressista.”

… “As reformas empreendidas no governo Mauro Borges, sejam no setor agrário, sejam no urbano, levaram a sua deposição, no golpe de 1964, pois, no embate das forças políticas, os trabalhadores tiveram de recuar. A reforma agrária e a democracia constituíram-se em bandeiras derrotadas.”

* Os trechos acima foram extraídos do livro Retrospectiva histórica de Goiás – da Colônia à atualidade, das professoras Cibeli de Souza e Maria Esperança F. Carneiro. Edição da Livraria Cultura Goiana.

 

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37 anos depois

Ele estava em casa, e sentiu-se inteiramente à vontade reencontrando companheiros e uma proposta inovadora ainda hoje. Trinta e sete anos depois, Mauro Borges Teixeira voltou ao Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás, o Idago, primeiro instituto de terra do Brasil, que criou no período em que governou o Estado (de 1961 a 1965). E ele foi para ser homenageado. “O criador visitou a criatura”, brincou o presidente do PCdoB, Adalberto Monteiro, que fez um discurso carregado de elogios a Mauro Borges. “Com Mauro Borges a questão agrária deixou de ser um caso de polícia para ser uma questão de governo, com a criação do Idago”, ressaltou Monteiro.

O auditório do instituto estava cheio de autoridades do governo e representantes de organismos governamentais e não-governamentais ligados à questão da terra, além de lideranças políticas e agricultores. Seis destes últimos, por sinal, tinham o que comemorar. Estavam recebendo das mãos do diretor-geral do Idago, Jorge Antonini, títulos de definitivos de posse de terra. E foi este público, mais o filho caçula, Rodrigo Borges – presidente da Agência de Turismo do Estado de Goiás, Agetur – que ouviu com atenção e sorriso nos lábios o discurso emocionado de Mauro Borges.

Adiantado no tempo

“Financeiramente, não tínhamos como fazer uma efetiva reforma agrária. Entretanto, sabíamos que não bastava apenas comprar terra e entregar a quem queria trabalhar. Era preciso respaldar suas atividades”, contou Mauro. “Aí é que reside a verdadeira reforma agrária. Em meio a isso surgiu, primeiro, o Idago, e posteriormente o Combinado de Arraias, que apesar de ter sido preservado pelos governos da revolução, foi, mais tarde, desmantelado pelo primeiro governador eleito após o período discricionário, que prefiro não dizer o nome. Mas como Deus é pai, ainda estou vivo para poder presenciar a retomada daquela proposta, cujas idéias estão contidas no Programa Agrovilas.”

O nome do governador omitido por Mauro é o do hoje senador Iris Rezende. “O Combinado Arraias foi violentamente freado por ciúme ou não sei por que”, insistiu ainda. O Programa Agrovilas, citado por ele, estava, naquele momento, se tornando realidade, com o anúncio oficial de seu início, já que foi confirmado o empenho orçamentário de R$ 5 milhões, pelo Conselho Curador do Banco da Terra, para sua implantação.

Adalberto Monteiro também destacou, em seu discurso, que antes de Mauro Borges, a questão da terra era um caso de polícia, e que após Mauro Borges, passou a ser tratada como assunto de política social. Jorge Antonini, anfitrião, ressaltou o caráter visionário do ex-governador. “Mauro Borges sempre esteve à frente de seu tempo. Exemplo disso é que há quase quatro décadas arregimentou esforços para que fossem implementados núcleos rurais, onde a força de trabalho familiar fosse multiplicado pelo conceito do associativismo, atualmente catalisado pelo Programa Agrovilas.”

Defesa aberta

Da emoção, Mauro Borges passou à defesa da permanência do Idago apesar da anunciada reforma do Estado, na qual está prevista a fusão de alguns órgãos públicos, entre os quais o Idago. “O Idago às vezes soluciona grandes problemas que não chegam ao governador”, disse. “Se dependesse de mim, se eu fosse consultado, o Idago ficava.”

O coro foi engrossado por Adalberto Monteiro. “O PCdoB vai se encontrar com o governador Marconi Perillo antes do anúncio da reforma e vai falar da importância da manutenção do Idago”, anunciou, revelando que Marconi Perillo teria feito um compromisso com o PCdoB, ainda na campanha do ano passado, de fotalecer a atuação do Idago. 

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Sobre o Idago: Foi criado pela Lei 4.039, de 6 de julho de 1962. É o maior cartório de registro de terras de Goiás e tem a responsabilidade de guardar e gerir toda a história da política fundiária do Estado. Atualmente o instituto mantém 19 equipes tratalhando em 17 municípios da região nordeste de Goiás, onde objetiva legalizar dois milhões de hectares de terras. “As ações do Idago, no que se refere a regularização fundiária, estão centradas no nordeste de Goiás, pois aquela região se caracteriza por um número elevado de propriedades rurais em terras devolutas, tornando-a um verdadeiro condomínio do poder público”, explica Jorge Antonini, presidente do instituto. “Há mais de 10 anos o processo de regularização estava em compasso de espera. Esta situação causou impacto sócio-econômico negativo no campo, impedindo o desenvolvimento de pequenos, médios e grandes produtores rurais. Com a retomada dos trabalhos na região e posterior titulação, os trabalhadores rurais terão garantido acesso ao crescimento econômico mediante incentivos fiscais e financeiros à assistência técnica, aos projetos agropecuários, bem como às melhorias previstas no Programa Nordeste Novo para a área de saneamento, habitação e promoção social.” Este ano, o Idago já emitiu 70 títulos, por meio dos quais regularizou 16.575,5 hectares de terras. E está trabalhando para regularizar outros 130 mil hectares até o próximo dia 31 de dezembro, o que tornará possível a emissão de 380 novos títulos.