Começou em algum desses feriados de início de ano, quando geral sai para viajar e a gente acha que terá somente paz e dias tranquilos na vizinhança. Como de costume, nos dias de folga o acordar é preguiçoso, mas já no café da manhã notei um ruído diferente que perturbava o espírito. Daqueles insistentes, rudes, que vão fino no cérebro e com persistência, acabam por causar até uma leve dor de cabeça. “Logo passa”, pensei.
Das 8h da manhã se estendeu para às 10h, mas a pausa só veio mesmo ao meio-dia. “Acho que agora não volta”, me coloquei positiva. Que nada! Às 13h o tal barulho estridente retornou, ainda mais incômodo e persistiu até às 21h. Já me faltava a paciência. Quem ousava perturbar meu dia tranquilo? Mas, consciente, entendi que certamente era algum vizinho se aproveitando também do dia de folga para fazer alguma faxina, botar a casa em ordem, sei lá. Compreendi, afinal de contas, só um dia de barulho chato é totalmente tolerável.
Até que o barulho fino nos miolos se tornou algo frequente. Do dia solitário do feriado, que imaginei que seria único, se fez presença marcante em todos os finais de semana. Sim, eu disse todos. Todo e qualquer dia livre de trabalho, fosse sábado, domingo ou qualquer feriado no meio da semana, estava lá o vizinho, inimigo do silêncio, armado de seu aspirador de pó potente ou de qualquer outra máquina elétrica.
A ira se instaurou em mim. Não houve mais sequer um dia de silêncio naquela vizinhança. Logo eu, que prezo tanto pelo som da paz. Mas junto da raiva, me vinha também a curiosidade: “O que tanto será que essa pessoa aspira, meu Deus? Haja pó para isso tudo”.
Também instigado pela curiosidade, meu pai decidiu espiar pelo muro, pois já se arrastavam uns três ou quatro finais de semana sob a mesma sinfonia chata do barulho insistente, agora, da serra elétrica, lixa elétrica, ou seja lá o que for, que se usa para polir ou cortar algo. “Ele está construindo uma plataforma de ferro para colocar o carro e conseguir limpar por baixo”, constatou meu pai.
Compreendemos que o vício era ainda pior do que imaginávamos. Ele havia montado um arsenal, com aspirador, polidor, jato d’água, serra e máquina de solda. O inimigo do silêncio exterminava nossa paz e também qualquer sujeira que ousasse entrar em seu precioso carro, que era aspirado, polido e lavado todo final de semana.
Respeitando o espaço do outro, como ditam as leis, já que ele só fazia os tais barulhos durante o dia, não nos restava muita coisa além de reclamar do lado de cá e torcer para que em algum momento ele se cansasse. O tal dia chegou junto da conta de energia. De casa ouvi o alvoroço quando o vizinho constatou que o valor estava pesado demais para o orçamento, mas insistiu em culpar a esposa pelo gasto excessivo com ar condicionado nos dias de calor. Pobre da mulher, pensei aos risos. Depois disso, a frequência dos ruídos estrépitos diminuiu drasticamente. O inimigo do silêncio foi vencido pelo bolso vazio, e assim, a nossa paz voltou.