Já disse em minhas colunas que a mistura de familia e poder nunca dá certo. Que o digam os ex-presidentes Getulio Vargas (PTB) e Fernando Collor de Mello (PRN), arrastados para crises que lhes tiraram o poder, devido a trapalhadas de brigas familiares.
O atentado contra o deputado federal Carlos Lacerda, na Rua Toneleiros, no Rio, atribuído ao irmão de Getúlio, Benjamin Vargas, e a seu filho, Lutero Vargas, levaria o presidente ao suicídio no fatídico 24 de agosto de 1954. A disputa por interesses não-republicanos levou a briga entre Fernando Collor e seu irmão Pedro Collor, e à manchete da Veja: “Pedro conta tudo”, que seria o começo do fim, abrindo o caminho para o impeachment em 29 de setembro de 1992.
A conturbada relação do presidente com seus filhos Carlos, Flávio e Eduardo levou à paralisia do governo. Seus rebentos se imiscuem em na gestão do governo, causando danos à imagem do país no cenário interno e externo. Mais para além disto, as investigações do Ministério Publico do Rio de Janeiro reforçam cada vez mais a relação da família Bolsonaro com as milícias criminosas que atormentam os cidadãos com chantagem, tráfico de armas, coação e assassinatos.
Cada vez que se aprofundam as investigações sobre a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), mais evidências aproximam a sua execução de interesses ligados aos Bolsonaros. A quebra de sigilo do senador Flávio Bolsonaro, à pedido do MP-RJ, revela a profunda relação deste, desde os tempos de deputado estadual com as milícias.
E justamente esta relação com as milícias leva gera desconfiança sobre as medidas do presidente, como o decreto de liberação de armas de grosso calibre para colecionadores e “cidadãos de bem”, como o seu vizinho no Condomínio na Barra da Tijuca, o miliciano Ronnie Lessa, em cuja casa foram encontratos 117 fuzis M-16. Sargento reformado PM, ele foi preso como suspeito de ter sido o autor dos disparos que vitimaram Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes.
Os desatinos familiares, a estagnação da economia, a incapacidade do presidente de lidar com o Congresso Nacional, e uma agenda anti-povo, estão erodindo o apoio ao presidente e fazem crescem no Parlamento, no Judiciário, nas entidades empresariais e na imprensa movimentos pela sua destituição.
Globo e Folha
Hoje editorial de Editorial do jornal O Globo afirma que “estilo de governar pelo confronto” de Bolsonaro “não dará certo na democracia”. “Casos como este das universidades, o da atuação de milícias digitais contra supostos adversários de Bolsonaro, além de outros exemplos, apontam para um perigoso estilo de governar pelo confronto, em meio a bate-bocas e xingamentos. Por óbvio, não dará certo na democracia. Não é possível governar assim”, diz o texto, que relata as “trapalhadas” do governo em relação ao bloqueio de recursos no Ministério da Educação.
Um dos principais articulistas de O Globo, Bernardo Mello Franco arremata: “Ao atacar os manifestantes, Bolsonaro dobrou a aposta na polarização política. É uma estratégia arriscada, porque a eleição acabou”. “Ao contrário do que ele disse, a educação não é bandeira de uma “minoria espertalhona”. Pode unir adversários e inflamar as ruas contra o governo. Chamados de “idiotas”, os estudantes ganharam um incentivo para dar o troco”, completou.
Na Coluna Painel da Folha de S. Paulo nota ressalta que “o cenário de fraqueza econômica, instabilidade política e aprofundamento das apurações contra Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) fez a palavra impeachment voltar a circular nos Poderes. Não com ares de conspiração. O tom é de resignação pela incapacidade do governo de dar vazão uma pauta efetiva”.
Cheiro de Collor
Para o experiente jornalista Fernando Brito, que foi assessor de imprensa do líder trabalhista Leonel Brizola, e hoje edita o site Tijolaço, “Começa-se a sentir um cheiro de Collor no ar, como alguns percebem o cheiro da chuva antes que ela caia das nuvens. E, desta vez, sem o relâmpago e o trovão que foram, para aquele presidente, o confisco da poupança”. “Um presidente eleito apenas contra a esquerda e – com um discurso antipolítica e contra “corruptos” e privilegiados, sem um partido, sem maioria própria no Congresso, acossado por manifestações crescentes da juventude e por escândalos de corrupção envolvendo seu círculo íntimo, inclusive com um personagem sombrio, como PC Farias (o motorista Queiroz)”.
Porões da ditadura
Luis Nassif, jornalista com olhar crítico para política e economia, cita o escritor francês Emile Zola, para analisar o momento atual da política nacional: “A verdade iniciou sua marcha, e nada poderá detê-la”. No artigo “há três hipóteses para a morte de Marielle: uma implica diretamente Jair Bolsonaro” Luis Nassif observa que a primeira hipótese levantada pela polícia civil é que a vereadora do PSOL teria sido morta a mando das milícias por denúncias feitas por ela contra a grilagem de terras no Rio. A segunda hipótese, que é do PSOL, aponta execução por milicianos a mando de políticos do MDB, e finalmente, a terceira hipótese, na qual Nassif vê semelhanças entre o assassinato de Marielle e os métodos dos porões da ditadura, aos quais Bolsonaro já fez parte:
“Como se recorda, quando os porões da ditadura se sentiram alijados do processo político, com a derrota de Silvio Frota, seguiu-se uma série de atentados, visando reverter o processo democrático que se aproximava. No caso de Marielle, a intenção foi reagir contra a intervenção militar no Rio de Janeiro.”
“Um mês antes da morte de Marielle, os matadores Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz pesquisaram vários nomes no Google, dentre eles todos de parlamentares que votaram contra a intervenção. Ou seja, a intenção explicita de Lessa era jogar a morte de Marielle na conta da intervenção. Marielle era relatora da comissão instalada na Câmara dos Vereadores justamente para fiscalizar a intervenção militar. Nas primeiras investigações, procuradores aventaram a possibilidade da morte ter sido um recado para os militares.”
“A direita, a voz mais enfática contra a intervenção era a de Jair Bolsonaro, que reclamava que os militares não tinham sido ouvidos. Bolsonaro defendia uma intercvençao militar pura. Aquela intervenção militar, decretada por Michel Temer, parecia a ele uma jogada de gabinete”.
“O principal suspeito da morte de Marielle, Ronnie Lessa, é vizinho de Jair Bolsonaro no condomínio. Apanhado de surpresa pela notícia, Bolsonaro afirmou a jornalistas não se lembrar do vizinho.”.
MP-RJ, Veja, Folha e Época denunciam organização criminosa
“Pelos elementos de provas colhidos já é possível vislumbrar indícios da existência de uma organização criminosa com alto grau de permanência e estabilidade, formada desde o ano de 2007 por dezenas de integrantes do gabinete do ex-deputado Flávio Bolsonaro com clara divisão de tarefas entre núcleos hierarquicamente compartimentados”, destaca documento do Ministério Público Federal do Rio, no pedido de quebra de sigilos bancário e fiscal de 86 pessoas e nove empresas, entre eles o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e cinco ex-assessoras dele e do pai, o presidente Jair Bolsonaro. As informações são da Folha de S.Paulo, que teve acesso ao material do MPF.
A Veja, em reportagem de Fernando Molica também trouxe revelações sobre a quebra de siigilo do senador Flávio Bolsonaro: a suspeita de lavagem de dinheiro via quase duas dezenas de operações de compra e venda de imóveis:
“Os promotores citam casos em que teria havido uma valorização excessiva de imóveis comprados pelo filho Zero Um do presidente Jair Bolsonaro. Em 27 de novembro de 2012, por exemplo, ele adquiriu, por 140 000 reais, um apartamento na Avenida Prado Junior, em Copacabana, Zona Sul carioca. Quinze meses depois, em fevereiro de 2014, vendeu o imóvel por 550 000 reais. Lucro: 292%.
Segundo o MP, de acordo com o índice Fipezap, utilizado no mercado imobiliário, a valorização de imóveis no bairro ficou em 11% neste período. Também em novembro de 2012, Flávio arrematou outro imóvel em Copacabana, na Rua Barata Ribeiro, desta vez por 170 000 reais. Um ano mais tarde, vendeu por 573 000 reais. Lucro: 237% – nesses doze meses que separam compra e venda, o índice de valorização na área não passou de 9%.
Já a Revista Época diz que a primeira-dama Michelle Bolsonaro também faz parte do laranjal:
“Os dez cheques que Fabrício Queiroz afirmou ter pagado à primeira-dama Michelle Bolsonaro, na devolução de um suposto empréstimo de R$ 40 mil que o presidente Jair Bolsonaro teria feito ao assessor do filho, estão no radar nos promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro encarregados da investigação sobre a suspeita de que Flávio Bolsonaro ficava com parte do salário dos funcionários.(…)Existe a suspeita de que seja falsa versão apresentada por Bolsonaro, de que os cheques seriam o pagamento de um empréstimo. Na avaliação dos investigadores, a quebra do sigilo de Flávio, de Queiroz e dos demais assessores e familiares mostrará se a suspeita é verdadeira”.
Reação
Assim como Collor de Mello, o presidente Jair Bolsonaro reagiu com bravatas às investigações que podem antecipar o fim do seu governo. Os Estados Unidos, ele bradou: “Venham pra cima, não vão me pegar”, disse, sobre as apurações que envolvem seu filho Flávio Bolsonaro. Segundo Bolsonaro, “fazendo um esculacho” para o atingir. “Façam justiça! Querem me atingir? Venham pra cima de mim! Querem quebrar meu sigilo, eu sei que tem que ter um fato, mas eu abro o meu sigilo. Não vão me pegar”, esbravejou em Dallas, no Texas, nesta quinta-feira (16). Só faltou Bolsonaro repetir Collor e dizer: “não me deixem só”!
El Loco
Transcrevi nesta coluna ótimo artigo de Fernando Brito sobre “El Loco” Abdalá Bucaram, presidente do Equador eleito em 1996 e deposto em 6 de fevereiro de 1997 sob o argumento de incapacidade mental. Além de birutices como se apresentar em bandas de rock, El Loco brigou com empresários, com o Congresso Equatoriano e as forças armadas do país. Seus filhos também eram acusados em rumurosos casos de corrupção. Alguma semelhança?
Dois milhões de brasileiros foram às ruas no último dia 15 protestar não somente contra os cortes na Educação e a Reforma da Previdência. O movimento foi além. Levou às ruas milhões de pessoas, das mais variadas ideologias, crenças e credos que estão insatisfeitas com os rumos do país, onde o desemprego formal atinge 13,7 milhões de brasileiros e a informalidade cresce, precarizando a vida dos trabalhadores.
A agenda belicista de Bolsonaro e sua família conseguiu desagradar a ampla maioria da população, que já percebeu que não é com arminha na mão que o Brasil vai sair do fundo do poço.
Às graves denúncias de corrupção envolvendo sua família, o presidente tem contra si incapacidade de fazer o país retomar o desenvolvimento, a geração de empregos e a estabilidade econômica, que estão a decretar prematuramente a abreviação de seu governo.
Altair Tavares
Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: [email protected] .