Não tem crônica hoje, apenas o registro da falta de crônica por elementar falta de assunto, pois o assunto está na Faixa de Gaza, o assunto está no fundo do coração humano, que não tem uma pátria, tem todas as pátrias, e uma coisa que anda em extinção – uma coisinha, umazinha só – que é empatia, é o joelho na terra, essa terra que cada um quer para si mas que não é de ninguém, é o berço do plantio e o túmulo das causas, a razão de muitos irracionais e também a outra razão, a que empunha armas contra sua irmã, as outras razões, porque várias, porque auto-suficientes e auto eliminatórias, razões que sonham por si próprias, que não sonham realidade coletiva, que sonham contra o próximo, com a destruição alheia em nome de sua frente ostensiva em busca daquela felicidade que exclui, egoísta, egocêntrica e mundial, em busca de uma vitória que alimente a discórdia, a rebelião, o labor dos infernos, que explique e principalmente justifique tiros sem dó nem piedade em crianças, famílias, estrangulamentos, vergonha, humilhação e o que mais for impensável na hora inglória do desagravo da raiva, do uivo, da vingança sobre a vítima que nem vítima é, tão protagonista e merecedor que é das dádivas e bênçãos divinas, ainda que com outras preces e símbolos e referências bíblicas que sejam, mortos vivos de uma pandemia que pica corações e transforma em balas cada maço, cada nuance, cada interpretação sanguínea despedaçada, enquanto em todo canto o que se vê e o que se ouve são opiniões, palpites, torcidas desorganizadas e alimentadas pelo mais forte alimento do universo em nossos dias, o ódio, o ódio, o ódio, ele se imiscuindo em tudo, em gestos, tuítes, artigos, reportagens, em aceleradores de desordem, em gente lamentavelmente desalmada, em vez de simplesmente desarmada, em gente que fora do dicionário de gente, e é por isso que não tem crônica hoje, estou sem imaginação para salvar a humanidade, não sei nem por onde começar, não sei mais onde começo, onde estou, o que estou fazendo aqui, não sei mais de que matéria sou formado, de que substância vim ou para onde vou, não sei como me comportar diante destes tempos que nos derrotam ao nascer, que nos levam mais a contar os dias que faltam do que os novos, os vindouros, os que carecem de ser vistos, vividos, esperançados, não estou onde está o fato, o espírito do acontecimento, embora carregue em mim o espírito, o desespero, o desespírito dos dias atuais, embora a vida agora seja uma live sem desconexão, a amostra constante da ingênua porção do corpo e suas entranhas sem salvação, e estou assim, aqui, neste instante, sem crônica, porque incapaz de compreender os homens, e sem inspiração suficiente para ultrapassar a realidade em pauta de destruição, só me apegando a Deus, ainda que Deus seja causa, efeito e consequência dessa praga de mundo, mas o deus desses deuses, ídolos insensatos, mitos estúpidos, convenhamos, a fé me condena mas seu eu não sou desumano, Deus é que é o terrorista?
Porra, Deus!
Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).