Tenho um amor de verdade que toda vez que me ouve declamar com pompa e circunstância a mais solene e icônica das pérolas filosóficas de O Pequeno Príncipe, “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, já vem na bronca: “Aaaahh, não!” A reação é sincera, não é de brincadeira. Mais uma razão pra eu repetir sempre. Irritar quem te ama não tem preço!
A frase cabe em todos os momentos da vida. Só ter criatividade e espírito de porco. Pera. Eu quis dizer humor no espírito. Cabe, sem dúvida, no momento vivido pelo prefeito Rogério Cruz (Republicanos), de Goiânia. Ele está em mais uma ‘hora da virada’. A primeira ocorreu quando o MDB do titular eleito e morto, ainda em janeiro de 2021, Maguito Vilela, tirou da administração o seu corpo partidário. Ou será que a primeira foi antes, quando, eleito vice, teve de assumir o cargo em definitivo, logo no início do mandato? Cada um que faça suas contas.
Rogério tem a reeleição na mira. Natural. Prefeito, tem a máquina da prefeitura na mão. Fora isso, perspectiva de poder e de renovação do poder (reeleição, no caso) é algo essencial para o mínimo controle da administração. Ninguém respeita ou segue quem está derrotado por antecipação. Rogério, portanto, joga com o futuro mas também com o presente. E joga ouvindo a voz da consciência, a voz dos palpiteiros de ocasião e a voz do grupo que elegeu para aconselhamento: o marqueteiro Jorcelino Braga, o presidente da Câmara, Romário Policarpo, e o seu Chefe de Gabinete, José Firmino.
Nesta sexta, esse grupo se reuniu mais uma vez no Paço. Conversou a tarde inteira. Presente também estava o empresário Malkon Merzian. No final, a notícia para a imprensa, à espera atrás da porta: 1) o secretário da Saúde vai ser trocado; 2) mais informações só na terça-feira, quando será anunciada a reforma do secretariado. As especulações, teorias da conspiração e apostas, que já iam altas, subiram mais. Braga vai sair, Policarpo vai romper, vereadores estão descontentes… daí por diante. Tudo em compasso de espera agora.
Para quem quer ver o circo pegar fogo, o que importa é o espetáculo. A confusão armada. A fartura de disse-me-disse. A fratura exposta dos adversários. A barca furada. Para o prefeito, o destino bate à porta. Salvação ou fim de linha? E para os goianienses? Um pouco de luz no fim do túnel. Uma administração com foco na qualidade de vida da população e rumo certo é tudo que espera e precisa. Não há lucro coletivo nas relias particulares.
Em pesquisas aprofundadas, o sentimento popular é cristalino: a cidade funcionar é tudo que se quer neste momento; depois é depois, como ensina o velho marqueteiro. O fato que mais importa aos goianienses não é esse da disputa por espaços e nacos de poder na prefeitura. Isso tem a ver com o andar de cima da política, outros interesses, outras vibes. O fato que resolve tudo para as pessoas das ruas e praças e periferias é um só: a perspectiva de uma gestão para chamar de sua. Que recolha o lixo, tape os rombos no asfalto, que tenha remédio e atendimento digno nos postos, vaga nas escolas. Sem invencionite e rompantes faraônicos.
Sem o básico no seu bairro, como os moradores vão acreditar que aquela obra maravilhosa de tijolo e cimento vai sair do papel e ser concluída a tempo? Por extensão: sem o básico, como os goianienses vão achar graça e ver importância na notícia do acordo do prefeito com este ou aquele grupo, ou na coletiva que apontará o caminho da salvação ou da danosa perdição? A diferença entre o que se vai dizer ao mundo político que torce pelo quanto pior, melhor, tem léguas de distância do que querem ouvir aqueles que realmente votam.
Resolver a vida dos jogadores partidários e eleitorais não é resolver a vida do povo (e muito menos o prefeito resolver a sua) nesta altura do campeonato. É só mais dos mesmos meios e fins: cavar mais fundo a (própria) sorte de todos. Assim é que “tu te tornas” eternamente (ir)responsável. O que fazer? Um olho no jogo de interesses contra a cidade e outro nos interesses da cidade em jogo. Outubro do ano que vem a reunião a portas fechadas será nossa com a urna. Aí a gente vê.
Mas é só um palpite. Reflexões de um observador equidistante dos fatos decisórios. Um cidadão no olho do furacão das ruas. Que ama Goiânia com o coração. Porque o essencial é invisível aos olhos. E o que é o amor de verdade senão mais Exupery e menos Maquiavel?
Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).