Ufa! Ainda bem que a CPI do Cachoeira versão Assembleia Legislativa de Goiás acabou. É o que devem estar dizendo muitos dos envolvidos direta ou indiretamente nas histórias levantadas ou plantadas lá pelos deputados ligados ao governador Marconi Perillo (PSDB)
Todo mundo sabe que essa CPI foi criada para funcionar como contraponto à outra, a CPMI do Cachoeira, que corre em Brasília. Na de lá, Marconi é alvo e posa de vítima; aqui, é atirador de elite e posa de… desentendido.
Um dos alvos do governador no Estado, por exemplo, é a deputada federal Iris Araujo e família, o que inclui Iris Rezende, ex-governador e ex-prefeito de Goiânia.
Dona Iris de Araújo (PMDB) que, por sua vez, é titular da outra. Iris que, também por sua vez, é hoje antítese do tucano no Estado – inclusive para 2014.
Nessa história toda, um fato chama a atenção.
Ele envolve um personagem chamado Fábio Passaglia. Envolve também o secretário de Educação do Estado, Thiago Peixoto. Aliás, envolve muita coisa; principalmente, dá a medida de como as coisas são distorcidas pelo marconismo, marco da prática política goiana que levou a séria o lema ‘os fins justificam os meios’. Os fins: o Poder. Com P maiúsculo. Os meios…
Sobre o caso Fábio Passaglia, escrevi uma vez no Goiás247, quando ainda era editor do site. A reportagem ia na contramão do que os governistas teimavam em tentar fazer parecer: que tudo se tratava de uma denúncia do tipo ‘batom na cueca’ contra Iris.
Não era, claro. O caso estava mais para ‘batom na cueca’ contra outro personagem, ex-irista e hoje marconista de carteirinha.
E o que há de novo agora?
Documento da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal (Relatório de Análise de Material Apreendido – IPL n.89/2011 SR/DF), obtido pelo Diário de Goiás, reforça exatamente o que já estava pontuado no material do Goiás 247: Fabinho não era e nunca foi operador de Iris Rezende. É um amigo do secretário da Educação, Thiago Peixoto.
Aliás: amigo?
Outro documento, também obtido pelo Diário de Goiás, revela mais: a ligação de Fábio com Cachoeira. O nome dele consta na lista de telefones da agenda pessoal do contraventor.
Antes de transcrever o documento da PF, transcrevo abaixo o que está registrado em 4 de junho, no Goiás 247.
Goiás247, 4.07.2012
R$ 6 milhões da Delta. Cadê o dinheiro?
No domingo, 27 de maio, o secretário de Articulação Institucional do Governo de Goiás, Daniel Goulart, apresentou denúncia no Programa Paulo Beringhs que, confirmada, atingiria em cheio Iris Rezende.
Segundo ele, o dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, e o diretor da empresa para o Centro Oeste, Cláudio Abreu, visitaram na segunda quinzena de maio de 2009 o então prefeito Iris Rezende com duas sacolas. “O que haveria nelas”, ele mesmo perguntou, para deixar evidente que falava de dinheiro vivo.
Pelo relato do secretário, o encontro teria ocorrido no Paço Municipal, sede da prefeitura. A prova da denúncia? “O Thiago (Peixoto) contou isso, e não pediu reserva”, falou. Thiago Peixoto é deputado federal licenciado, secretário estadual da Educação, está no PSD, mas foi eleito pelo PMDB e até sua aproximação com o governador Marconi Perillo, era visto como seu possível adversário em 2014.
Daniel tentava, na hora, mostrar que nem Leonardo Vilela (tucano que confirmou conversa com Cachoeira, inclusive para articular politicamente sua candidatura a prefeito da capital goiana) nem o governador Marconi Perillo tinha o que temer nas apurações do caso Cachoeira, mas que o PMDB e Iris tinham muito o que explicar. “Marconi é vítima de Cachoeira e do lulismo”, afirmou.
Thiago Peixoto, testemunha ocular do relato, está em silêncio sobre os fatos. Não disse nem mesmo como foi parar no encontro para ser isso, testemunha ocular. A não ser que…
O outro fato é deste final de semana. Segundo reportagem da revista Veja, dados do Coaf, o órgão do governo federal que identifica transações suspeitas de lavagem de dinheiro, mostram que a Delta Construções, considerada braço empresarial de Cachoeira, repassou R$ 6 milhões a uma empresa cujo proprietário trabalhou para a prefeitura durante a gestão de Iris.
Informa a revista que a GM Comércio de Pneus e Peças Ltda. recebeu dinheiro da Delta entre novembro de 2009 e maio de 2010, por meio de depósitos bancários. O dono da empresa seria Alcino de Souza, nomeado para cargo comissionado no município. À Veja, Alcino contou que recebeu R$ 1,5 mil por mês para emprestar o nome à empresa e sacar o dinheiro na conta.
E para quem ia o dinheiro? Para Fábio Passaglia, ex-diretor de Compras e Licitações da prefeitura e presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Aparecia (Ippua), que cuida de obras na administração de outro peemedebista, Maguito Vilela, em Aparecida.
É a partir daqui que a história ganha ares de suspense.
A declaração de Daniel Goulart tinha endereço certo: sugerir que Iris, ou sua administração, teria ligações com Cachoeira. A reportagem de Veja também aponta para um caso de difícil explicação para o ex-prefeito. Ocorre, porém, que em histórias de suspense nem tudo é o que parece.
Ao jornal O Popular, neste domingo, Iris contou que Fábio foi nomeado diretor de Compras em Goiânia em 2005 e que ficou no cargo menos de um ano, quando o teria demitido por conta de uma denúncia. O relato de Iris, segundo o jornal:
“Ele Iris) conta que, durante a licitação para compra de 50 caminhões para limpeza urbana, em abril de 2006, um empresário que participava da concorrência chegou até seu gabinete com a informação de que Fábio e outro auxiliar, o ex-secretário de Comunicação Luiz Antônio Ludovico, lhe pediram dinheiro. ’E você deu?’ perguntei a ele (Fábio)”, conta Iris. Ele disse ‘não’. O crime de corrupção não se concluiu, então eu não tinha porque levar essa denúncia às autoridades. Mas demiti os dois em questão de minutos.”
Iris falou outra coisa. Disse que Fábio Passaglia foi indicação de Thiago Peixoto, seu ex-aliado. E garantiu que não conhece Alcido de Souza. Thiago, por meio de sua assessoria, também falou, tornando a história mais curiosa. Confirmou que é amigo de Fábio e afirmou que ele, Fábio, teria sido indicação da filha de Iris, Ana Paula, com Iris, a deputada federal Iris Araújo, que é um calo no sapato de Marconi na CPI do Cachoeira, que integra como titular.
Tem mais. Informa a reportagem de O Popular que Fábio é empresário e tem participado de concorrências públicas da atual gestão do prefeito Paulo Garcia (PT), que assumiu com a renúncia de Iris no início de 2010 para se candidatar ao governo e é candidato à reeleição. O nome de Fábio surge em uma ata de fevereiro de 2011, como representante da Terra Pneus e Lubrificantes Ltda, interessada na locação de máquinas à prefeitura.
Resumindo: Thiago e Iris, tidos e havidos até 2009 como filho e pai políticos, romperam porque Thiago se aproximou de Marconi, que é acusado no caso Cachoeira e que, como tal, foi defendido em um programa de TV por Daniel Goulart, que quis colocar na fogueira também Iris, usando o nome de Thiago, que já foi citado em gravações do caso Cachoeira, como ‘prova’ testemunhal, mas Thiago, em vez de passar recibo de tudo, calou-se em um caso e, no outro, devolveu a bola para Iris & Iris, colocando na história a filha deles, Ana Paula, que cresceu amiga de Thiago e Daniel Vilela, o primeiro filho de um velho aliado do pai, Flávio Peixoto, que hoje presta serviços ao PSDB do Tocantins, e o segundo, deputado estadual pelo PMDB e filho de Maguito, que já admitiu que até jogava bola com Cachoeira e que, vejam só, contratou Fábio, o amigo de Thiago que liga tudo e todos.
A pergunta é: para quem foi o dinheiro recolhido por Fábio Passaglia? Para Iris? Para Thiago? Para ninguém?
Enfim: cadê os R$ 6 milhões?
Não é uma boa história para ser esclarecida na CPI do Cachoeira, em Brasília?
Esta foi a reportagem.
Eis, pois, a transcrição do Item 7 do material da Política Federal:
“Durante o período de investigações da Operação Monte Carlo, foram interceptados 17 (dezessete) áudios contendo diálogos entre CARLINHOS CACHOEIRA e uma pessoa denominada “FABINHO”, que, possivelmente, trabalharia na SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE GOIÁS, sendo ligado ao secretario THIAGO (TIAGO) PEIXOTO, conforme está demonstrado na transcriçãoo que se segue:
CARLINHOS / FABILHO (PLX)
(03.06.2011, 4:14:31 PM 00:01:26)
FABINHO – fala CARLINHOS
CARLINHOS – FABINHO, você ta na Secretaria, Fabinho?
FABINHO – como é que é?
CARLINHOS – você ta aí na secretaria?
FABINHO – que secretaria rapaz
CARLINHOS – você não ta aí com o Tiago não?
FABINHO – to não, to não, o TIAGO foi pra São Paulo
CARLINHOS – to aqui como GIL o nosso grande prefeito de NERÓPOLIS ele e o vice dele, o tem uma escola lá que vai receber um curso profissionalizante do GOVERNO FEDERAL pô e ela ta precisando da reforma urgente, você pedir pra fazer essa reforma lá urgente, senão não recebe o curso pô, inicia o curso paralisou pô senão vão acabar tirando esse curso de lá
FABINHO – pede pro Vladimir passar o endereço do da escola pra gente com o nome direitinho, eu olho pra ele segunda-feira
CARLINHOS – o problema é o seguinte que iniciou a reforma e paralisou é anota o nome da escola aí rapaz, já olhei esse trem urgente, esse negócio de olhar segunda-feira ninguém olha segunda-feira ainda mais se se, se FELIPE BRISOLA jogar bem nos vamos na Espanha vendê-lo viu
FABINHO – ta bom pera aí, deixa eu parar o carro aqui que eu anoto.
(ligação encerrada)
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Detalhe.
Dia 1o de agosto, Passaglia deveria depor na CPI da Assembleia, mas apresentou habeas corpus e ficou em silêncio.
Ele foi à CPI como vilão. Um vilão que agiu em nome de Iris. Um vilão que agiu em nome de Iris na CPI controlada pelos novos amigos de Thiago Peixoto. Precisa dizer mais?
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O caso Fabinho fica mais curioso por duas razões:
1 – além de tudo que pode envolver (irregularidades no trato do dinheiro público, algo que fica subentendido, e não esclarecido), mostra como um “amigo” pode ser usado e até queimado para se cumprir o objetivo maior, neste caso criar um constrangimento para Iris Rezende. Em resumo: perde-se o amigo mas não se perde o tiro ao inimigo. Ou não se perde o amigo, já que Fábio pode ter aceitado tudo, ou pode ter sido convencido a isso.
2 – escancara como o governo pega um fato que naturalmente seria negativo para ele e inverte a lógica, transformando-o em bala para atingir um alvo. É o governo agindo no vácuo de uma oposição perdida – perdoem, mas o trocadilho é inevitável – igual cego em tiroteio… político.
Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).