19 de novembro de 2024
Publicado em • atualizado em 14/07/2023 às 14:34

Enfeitar é preciso

Dez cartelas de adesivos nunca usadas esperando a hora certa de serem destacadas, e vinte anos se passaram. Abri a gaveta de papéis e estavam lá, intactos, aguardando a velha criança que nunca achava a hora certa para usar os adesivos bonitos. Alguns deles, até meio desbotados. De tanto esperar a melhor superfície para serem colados, desistiram de enfeitar. 

A menina que tinha dó de usar os adesivos é o adulto que sempre acha que não é a hora certa de colorir a vida. A cartela de adesivos guardada é uma bela analogia dos momentos certos que passam. “Hoje não, mas na próxima”…

Amanhã eu tomo aquele vinho bom, o perfume importado caro eu uso no momento especial, a louça de porcelana eu deixo para a visita, o chocolate suíço eu degusto em uma hora mais propícia. E o dia especial nunca chega, a gente aprende a viver com o básico, sem nunca se agradar ou tentar enfeitar as paredes brancas da vida. 

E assim, o tempo passa e esquecemos de colorir, dar cara nova aos nossos dias, romper com o cotidiano, pelo simples receio de usar o adesivo na superfície errada. Enquanto as cartelas se acumulam na gaveta, dezenas de paredes esperam para serem alegradas. 

Na infância, eu fui a criança que guardava os adesivos esperando a hora certa de usá-los. A que olhava de esgueira o coleguinha que colava os enfeites até na testa, mas jamais guardava pra outra hora. Tudo dele era colorido, mais bonito, parecia mais feliz. 

Hoje eu decidi, vou abrir o melhor vinho, comer o chocolate suíço, sentindo o cheiro do meu perfume importado enquanto aproveito a minha própria companhia especial, colando adesivos no mural de afazeres. Romantizar o básico, o rotineiro. Essa é a graça da coisa. Quem não se agrada acaba por se esquecer, enquanto poderia ter marcado com alegria o bege dos dias iguais. Hoje, nada ficará guardado na gaveta. 

Luana Cardoso Mendonça

Jornalista em formação pela FIC/UFG, Bióloga graduada pelo ICB/UFG, escritora e eterna curiosa. Compartilho um pouco do mundo que eu vejo, ouço e vivo, em forma de palavras, afinal, boas histórias merecem ser contadas