Enquanto o tempo passava acelerado em meio ao ar caótico que ocupa todo mercado em início de mês, ele mirava seu panfleto promocional por trás dos óculos fundo de garrafa. Ao redor, carrinhos abarrotados, crianças de colo embaladas aos prantos, fardos de produtos e filas quilométricas se estendiam, completamente ignorados por quem via a vida passar em câmera lenta.
Em meio a pressa que assola o semblante de quem espera sua vez, o olhar calmo e plácido de quem já esperou muito na vida, e agora, tem o prazer de desacelerar, chama a atenção. Sentado no banco ao fundo dos caixas, mantém o olhar focado no panfleto de promoções, apesar de, aparentemente, não ter intenção nenhuma de comprar nada.
Ninguém mais segura o panfleto. Nem sequer vi onde estava sendo distribuído. Provavelmente não aproveitei nenhuma das promoções. A pressa, a mesma que me fez percorrer o mercado em tempo recorde para ter que gastá-lo depois na fila do caixa, me impediu de, quem sabe, economizar. No entanto, me obrigou a observar o senhorzinho, enquanto entediada, aguardava a esteira rolar.
O senhor de boina e calça social, ar estiloso de quem não abre mão da elegância mesmo nos dias quentes, me fez repensar o tempo e a pressa que carrego sem perceber, em segundos apenas. Sem dizer uma palavra e nem trocar nenhum olhar, ele me passou o recado.
Em alguns minutos, o meu mundo mental que gira a 500 km/seg entre um pensamento e outro se encontrou com o slow motion do senhor do panfleto. Por instantes, fomos sincronizados. Não havia pressa, nem fila, nem caos, só o momento presente da curiosidade latente de saber o que ele tanto olhava no panfleto.
Próxima! Me distraí, voltei para o aqui. Produtos na esteira, ouvidos atentos, olhos nem tanto. Quando retorno na direção do banco, cadê?! O tempo voltou ao seu ritmo, o senhor da boina se foi, afinal de contas, a vida também passa depressa. Ainda mais quando os olhos estão tão apressados a ponto de nada ver.
Luana Cardoso Mendonça
Jornalista em formação pela FIC/UFG, Bióloga graduada pelo ICB/UFG, escritora e eterna curiosa. Compartilho um pouco do mundo que eu vejo, ouço e vivo, em forma de palavras, afinal, boas histórias merecem ser contadas