A Assembleia Legislativa de Goiás iniciou sua 18ª Legislatura tendo na pauta várias preocupações de ordem econômica e fiscal. O déficit deixado pelo governo anterior, de Marconi Perillo (PSDB) e José Eliton (PSDB) estimulou a criação da CPI dos Incentivos Fiscais, e o caos na rede de distribuição de energia a CPI da Enel. Ambas são válidas e espera-se que os deputados vão à fundo, e descubram onde foi investido o dinheiro da privatização da antiga Celg (Central Energética de Goiás), e também que desvendem como funciona o mercado que comercializa créditos do ICMS no Estado.
Mas é preciso que Legislativo Goiano, que foi renovado em 60% de suas 41 cadeiras, seja contemporâneo com os novos tempos. Além dos desajustes na máquina estatal, outro fator ameaça paralisar Goiás: a politica de comércio exterior do governo federal.
No último domingo o presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ) empreendeu visita a Israel, onde o premiê Benjamin Netanyahu é candidato à reeleição e se vê envolvido em denúncias de corrupção no seu gabinete. Na bagagem sua Excelência levou um presente que agrada ao estado judaico, mas desagrada de sobremaneira comunidade árabe em geral: o anúncio de instalação de um escritório de representação brasileira em Jerusalém. Esta decisão fere profundamente os países árabes, que entendem que Jerusalém não é a capital dos judeus, mas uma cidade sagrada para vários povos.
O gesto do presidente de afronta ao povo árabe ameaça a economia brasileira e goiana.
Balança comercial
Goiás é um dos maiores produtores de aves e bovinos do Brasil. São 378,6 milhões de cabeças de aves (6,5% da produção nacional) e 3,179 milhões de bois (10,3%). Boa parte da produção de proteína animal do Estado é exportada para os povos árabes. As unidades da BRF de Jataí,e Verde destinam a maior parte destas aves para a produção Halal, que é a maneira como o mundo islâmico consome carne. Somando-se à unidade de Buriti Alegre, a BRF emprega 10 mil trabalhadores no Estado que produzem 860 mil toneladas de alimentos por ano.
Em janeiro deste ano, a Árabia Saudita descredenciou frigoríficos da BRF/JBS, após as declarações do presidente Bolsonaro de mudar de Tel Aviv para Jerusalém a embaixada do Brasil. E não custa reforçar: o mercado mundial de carne Halal representa um comércio de 2,1 trilhões de dólares, e ele só tende a crescer nos próximos anos.
A balança comercial goiana registrou exportações de 2,124 bilhões para a China (30,6%), o Irã ocupou o terceiro lugar, adquirindo 5,36% dos produtos exportados por Goiás, seguido pelos Estados Unidos, Hong Kong, Egito, Reino Unido, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Itália. Além de aves e bovinos, o mundo árabe também consome açúcar , soja e milho produzidos no Estado.
Comissão
Na última terça-feira, 26, a Comissão de Agricultura da Alego criou o GTTA – Grupo Técnico do Trabalho do Agronegócio . Segundo o presidente da Comissão, o deputado estadual Zé Carapô (DC), o objetivo do GTTA é a realização de audiências e discussão de projetos de leis que promovam o agronegócio no Estado.
Talvez a primeira missão deste grupo seja chamar à Alego representantes do Itamaray e do mundo árabe para um debate sobre o que pensam os produtores goianos da relação de Goiás com os países muçulmanos.
Débito com o árabes e judeus
Goiás tem uma dívida de gratidão com o povo árabe e judeu. Nos dois últimos séculos de nossa história várias famílias de origem síria, libanesa, judia, palestina, iraniana e iraquiana assentaram raízes em varias cidades do Estado, contribuindo para o nosso desenvolvimento em muitas áreas. Em Catalão os dois últimos prefeitos, que também foram deputados estaduais, tem origem árabe, seja o atual, Adib Elias (MDB) ou o anterior, Jardel Sebba (PSDB).
Na medicina é impossível não se registrar a contribuição do médico judeu, Eduardo Jacobson, um dos fundadores do Hospital Santa Luzia, ou de médicos de origem libanesa como Alberto Rassi, fundador da Associação Médica de Goiás e Luis Rassi, um dos fundadores do curso de medicina na UFG (Universidade Federal de Goiás). Na família Auad, o grande mérito é do médico e dermatologista Anuar Auad, descobridor da cura do vitiligo e fundador do Hospital de Doenças Tropicais (HDT). Há ainda os Fuad, no ramo da engenharia, os Nasser, com a jornalista Consuelo Nasser, fundadora do Cevam (Centro de Valorização da Mulher), uma das Ongs (Organização não governamental) que atuou para aprovação da Lei Maria da Penha, e ainda o ex-ministro, ex-senador, ex-deputado federal e ex-deputado Alfredo Nasser, cujo nome denomina a sede do Poder Legislativo de Goiás.
Cidade sagrada para três religiões
Jerusalém é berço de duas das maiores religiões do mundo: o cristianismo, com 2,16 bilhões de adeptos, o islamismo, com 1,6 billhões e o judaísmo, que conta com 15 milhões de praticantes e é uma das religiões mais antigas da humanidade.
A Mesquita de Al Aqsa, ou Domo da Rocha, junto com o Muro das Lamentações e a Igreja do Santo Sepulcro é um lugar de peregrinação. A mesquita é sagrada para os muçulmanos. Disse o profeta Mohammad: “uma oração na mesquita de Al Aqsa equivale a 500 orações em qualquer outro lugar”.
Segundo a tradição islâmica foi no Domo da Rocha, que o profeta Mohammad subiu ao céu. Acredita-se que sob a mesquita está a pedra onde Abraão teria se preparado para sacrificar Isaac a mando de Jeová. E Abraão é considerado o patriarca dos judeus e também dos muçulmanos, pois além de Isaac teve Ismael, seu primogênito nascido de Agar escrava egípcia de sua esposa Sara.
O Brasil, através do diplomata Osvaldo Aranha prestou grande serviço ao povo judeu, tendo sido o seu trabalho fundamental para a criação em 1948 do Estado de Israel.
Os deputados goianos têm que ter a dimensão do que está em jogo nas decisões presidenciais. A ideologia ou a simpatia do presidente Bolsonaro para com o Estado de Israel, não podem estar acima da tradição de respeito do povo brasileiro em relação ao povo judeu e ao povo árabe.
Ambos os povos tem raízes profundas nos alicerces da nossa nação. Preferir um preterir outro, como advoga o presidente, depõe contra os interesses econômicos, sociais e culturais de Goiás e do Brasil.
Altair Tavares
Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: [email protected] .