Uma antiga terapeuta me disse certa vez que eu deveria baixar um pouco a minha régua de medir pessoas. “De perto ninguém é normal”, ela dizia. É que todas as vezes que eu tentava me relacionar com alguém novo, achava alguma peculiaridade que empacava a fluidez das coisas e me fazia repensar a relação. Acabava por me esquecer que é justamente de perto que começamos a enxergar as imperfeições alheias, inclusive as nossas.
Ciclaninho faz sons estranhos com a boca, beltrano mastiga de um jeito esquisito, e eu falo sozinha. Realmente, basta se aproximar de quem de longe te desperta interesse para perceber que ninguém sai ileso de ter alguma esquisitice, ainda que pequena. Assim como um míope, que de longe não consegue distinguir o que se aproxima, mas de perto vê até o último poro aberto no rosto, vamos descobrindo conforme os outros se achegam.
De perto ninguém é normal, porque as estranhezas só vêm com o tempo, com a intimidade, com a queda das armaduras, e lógico, com a convivência cotidiana. Se acha alguém bom demais, perfeito demais, certo demais, pode ter certeza, você ainda não conviveu o suficiente com essa pessoa, te falta proximidade para perceber o estranho que habita nela.
Relacionamentos, quaisquer que sejam, funcionam como espelhos, que refletem a nós mesmos e a nossa capacidade ou incapacidade de trocar com o outro, de aceitar as imperfeições, os tiques, os cacoetes, as velhas manias. Somos seres sociais, e é por isso que aprendemos mais assim do que quando estamos isolados, solitários. É de perto que o amor nasce.
Apesar da análise inicial, perceber as estranhezas alheias é coisa linda. É entender que não há perfeição que dure a vida toda. É conhecer verdadeiramente o que o outro é além do que ele escolhe mostrar. É enxergar o que ninguém está vendo. É como botar um óculos com o grau certo depois de muito tempo sem a nitidez da lente adequada.
É mais divertido observar as diferenças das anormalidades do que tentar encaixar o outro na régua da perfeição. A beleza está nos detalhes, em como aquela pessoa joga o cabelo, como o outro sorri ou conta uma história, o jeito que esfria o café e toma o sorvete. Aprendi, convivendo com as estranhezas ao meu redor, que as esquisitices são essenciais. Depois que entendi que a gente se apaixona de verdade pelos detalhes e imperfeições, deixei a velha régua de lado.