A fala do presidente Jair Bolsonaro sobre o desaparecimento do estudante de Direito e militante do movimento estudantil Fernando Santa Cruz – pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz – e suas consequências devem ser analisadas sob duas perspectivas: a do processo penal, mais evidente, e a da estratégia política, menos óbvia, mas que produz efeitos talvez mais rápidos do que a do âmbito jurídico. A análise é do advogado criminalista Rodrigo Lustosa, conselheiro da OAB-GO. Para ele, que também é professor de Processo Penal, tem havido um aproveitamento, por parte de agentes políticos, em torno da fala do presidente, especialmente em relação a valores fixados no senso comum.
“Acho que não há propriamente um embate. Existe, evidentemente, uma estratégia de comunicação por trás disso”, avalia Lustosa. “É muito arraigada, por exemplo, a visão, equivocada, de que advogados se prestam à defesa de bandidos, de que advogados de alguma forma emperrariam, atravancariam o sistema de justiça, quando o que acontece é o inverso disso, por disposição constitucional”, diz, lembrando que a Constituição Federal prevê a imprescindibilidade do advogado para a própria administração da justiça no País. “Mas como há a percepção de que, para determinado público a profissão do advogado não é bem compreendida ou de que ela guarda sintonia com o senso comum de justiça em que direitos e defesa são malvistos ou não são aceitos, então penso que há aí o aproveitamento disso com estratégia política para reforçar determinados convencimentos”, pondera.
Já na perspectiva do processo penal, Lustosa explica que houve o deferimento de uma interpelação para que Bolsonaro responda pela fala em que disse saber o que aconteceu com o pai de Felipe Santa Cruz. “Por que a interpelação? Porque isso, em tese, pode constituir crime”, observa Lustosa, esclarecendo que a ilação de que alguém possa ter cometido crime, fato determinado, corresponde a crime de calúnia; a imputação de fatos ofensivos à reputação de quem quer que seja corresponde ao crime de difamação; e, por fim, o emprego de vocativos inadequados, pejorativos, constitui crime de injúria.
“Nosso Código de Processo Penal prevê uma medida preparatória para futuras ações penais, que é a interpelação, de forma que aquele que se sente ofendido pode cobrar explicações em juízo”, informa, acrescentando que foi exatamente isso que aconteceu com a interpelação de Santa Cruz ao presidente, deferida pelo Supremo Tribunal Federal. “Houve a cobrança dessas explicações em juízo e o STF deferiu esse pleito para que, caso o presidente entenda que deva fazer, preste os esclarecimentos devidos”.
Altair Tavares
Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: [email protected] .