22 de dezembro de 2024
Publicado em • atualizado em 04/04/2019 às 18:30

Caiado deveria ouvir a entrevista do governador

O governador Ronaldo Caiado (DEM) concedeu entrevista coletiva, minutos antes de participar de almoço de seu partido, o Democratas, com o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Na conversa com os jornalistas, o governador de Goiás disse que o fundamental para a aprovação das reformas e a boa condução das pautas de interesse do governo federal é que o presidente siga a liturgia da relação entre os poderes e entre os partidos políticos. Por liturgia, Caiado define a necessidade do presidente Bolsonaro conversar com os presidentes dos partidos e estabelecer com eles o entendimento para formação da base de governo.

A repórter perguntou ao governador: “O que impede a votação da reforma da previdência, se os senhores, dizem que estão de acordo? O que dificulta? São as questões do ´modus operandis´ antigo, ou tem haver com o ´modus operandis´ que o presidente quer imprimir com o Congresso?”

Sua resposta foi que “toda política guarda uma liturgia, e a liturgia é falar com os presidentes dos partidos, não é esse fato que tentam denegrir o processo político. É falar com o presidente do partido, com os líderes partidários, e as coisas assim acontecem”, resumiu.

A resposta de Caiado repõe a politica no seu devido lugar. Política é a arte do diálogo, da argumentação e do convencimento. No fundo a assertiva do governador demole o discurso palaciano da “nova politica”, ou a odiosa criminalização da politica posta em prática no país nos últimos cinco anos por procuradores lavajateiros e por setores politizados da magistratura.

O próprio governador deveria ouvir atentamente o que disse aos repórteres em Brasília, pois em alguns momentos de seu governo deixou de lado esta liturgia, causando ressentimentos em lideranças partidárias, que nos bastidores confessam que falta também diálogo entre o inquilino da Casa Verde e aqueles que deram sustentação à sua vitoriosa campanha em 2018.

Outro ponto abordado pelos jornalistas foi sobre o perfil estritamente técnico do governo, reforçado pelo decreto presidencial que praticamente impede a posse em cargos de decisão da República as lideranças politicas.

Sobre isto o governador disse que não vem problema. “Como governador de Estado eu tenho usado esta mesma regra e não tive nenhuma dificuldade de compor o meu secretariado, como também acho que o Brasil não suporta mais a tese de que ministério eram indicados única e exclusivamente para representar um partido e não para representar o ministério em si, e não ter condições ou competência para gerí-lo. Acho que esta é a mudança substantiva que o pode deixou muito claro”.

Não é bem assim. Um dos maiores problemas do governo Bolsonaro é exatamente a falta de ministros com perfil politico que tenham diálogo e bom trânsito com o Parlamento e com amplos setores sociais. A falta de noção de ministros como Damares Alves (Mulher e Direitos Humanos), Ernesto Araújo (Chanceler), Sérgio Moro (Justiça) e do próprio Paulo Guedes (Economia) tem colocado o governo em apuros no Congresso Nacional. Mais de uma vez Moro e Damares causaram prejuízos à relação do governo com deputados, aja visto a rusga entre o ex-chefe supremo da Lava Jato e o presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM), que “presenteou” o presidente Bolsonaro com a pauta-bomba que lacrou o orçamento da União , ou ainda, as entrevistas abiloladas do chanceler que desagradaram profundamente os maiores parceiros comerciais do Brasil – China e países árabes -, com declarações pelo alinhamento radical aos interesses dos EUA e de Israel.

Na coletiva, Caiado fez o seu papel como governador de Estado e blindou o ministro Paulo Guedes das críticas que recebeu de deputados governistas e de oposição depois de bater boca com parlamentares durante a sua sabatina de seis horas na Comissão de Constituição de Justiça da Câmara Federal (CCJ).

Sobre a participação de Guedes, Caiado disse que “ele passou a ser hoje a maior referência nacional. Eu tenho recebido mensagens de apoio a ele de todos os estados do Brasil. Eu que conheço aquela Casa, que por lá vivi por muitos anos, pelo menos ele mostrou que estava alí para fazer um debate de conteúdo, mas mostrou também que não é possível uma pessoa aceitar aquele nível de provocação sem dar uma resposta à altura. Eu nunca fui daquela tese de que: “olha isto não é de bom tom”. Não existe isto. A pessoa tem que saber se comportar, tem que saber o que é decoro parlamentar pelos dois lados, não é apenas de uma maneira ousada querer atingir a honra de um ministro que tanto tem feito pelo país, e que com tanta independência tem colocado suas posições”.

O governador sabe que tanto o presidente Jair Bolsonaro, quando o seu partido, o DEM, estão numa sinuca de bico. O presidente não sabe governar, o DEM sabe que mesmo não sendo do partido do presidente, não pode negar apoio ao presidente. O DEM controla o Congresso Nacional, uma vez que tem o presidente da Câmara Federal (Rodrigo Maia) e do Senado (Davi Alcolumbre). Se negar apoio a Bolsonaro o governo fracassa, e este insucesso pode ser debitado na conta do partido. É por isto que o governador propõe a distensão e o entendimento entre governo e Congresso Nacional via presidentes de partido e lideranças partidárias.

Subliminarmente a fala de Caiado é um pedido de que Bolsonaro e os filhos deponham as armas, se abstenham de tentar governar pelo twitter e conversem com o Brasil real: “É possível continuar do jeito que está, fazendo uma queda de braço em detrimento do cidadão, onde os Estados não tem R#$ 1,00 para investir? Nem para atender as condições mais necessárias de saúde e de educação e de segurança pública e obras sociais? Este é o país que queremos? Então a interrogação não é mais se passa ou se não passa (a reforma), mas se o país tem como, ou qual é a fórmula mágica para viabilizar outro caminho”, questiona.

O governador indica para o presidente o caminho que também pode ser seguido por ele próprio: politica é coisa de politico. Os técnicos executam a pauta definida pelos políticos, o contrário disso é que é o caos, onde pessoas sem sensibilidade política ou com o pé fora da realidade, lançam teses absurdas de romper relações com a China, tirar o Brasil da OMC, abaixar imposto para cigarros ou ofender judeus e alemães dizendo que o nazismo originou-se de um partido de esquerda.

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ENTREVISTA – RONALDO CAIADO, EM BRASÍILIA (04/04/19)

REPÓRTER – O que será tratado hoje?

Caiado – Vamos estar reunidos, vamos ter uma conversa com o presidente, e a pauta hoje é com o presidente do nosso partido. 

Qual expectartiva com o presidente e os presidentes dos partidos?

Caiado – Para que possa fluir rapidamente o entendimento e a consolidação da base, que você sabe da luta minha para ver o nosso partido cada vez mais engajado para reforçar a vitória das reformas que nós precisamos.

O sr. defende a participação do DEM na base aliada?

Caiado – Claro que sim, defendo.

E por que isto não aconteceu ainda?

Caiado – Estamos conversando hoje. A conversa com o presidente do partido, é exatamente o primeiro passo.

O que impede a votação da reforma da previdência, se os srs. dizem que estão de acordo?O que dificulta? São as questões do modo operandis antigo, ou tem haver com o modo operandis que o presidente quer imprimir com o Congresso?

Caiado –  Toda política guarda uma liturgia, e a liturgia é falar com os presidentes dos partidos, não é esse fato que tentam denegrir o processo político. É falar com o presidente do partido, com os líderes partidários, e as coisas assim acontecem.

O que falta para o DEM entrar na base aliada, para anunciar esta entrada?

Caiado –  Estamos tendo esta primeira reunião com o presidente do partido.

 Quem participa da reunião pelo DEM?

Caiado – Estará o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzzoni, o presidente do partido, ACM Neto e eu.

O presidente estabeleceu um decreto para ocupação de cargos na participação dos politicos, dos partidos e da base aliada para ajudar a governar. Esta nova regra estabelece critérios técnicos e não politicos como era antes, atrapalha?

Caiado – Para mim de maneira nenhuma. Como governador de Estado eu tenho usado esta mesma regra e não tive nenhuma dificuldade de compor o meu secretariado, como também acho que o Brasil não suporta mais a tese de que ministério eram indicados única e exclusivamente para representar um partido e não para representar o ministério em si, e não ter condições ou competência para gerí-lo. Acho que esta é a mudança substantiva que o pode deixou muito claro.

E qual é ainda o obstáculo para que aja este fechamento de questão, esta entrada definitiva (do DEM) na base aliada do governo?

Caiado – Repito: não é nenhum obstáculo, o que digo é que para tudo tem-se uma regra, uma norma, uma liturgia própria. O que está se iniciando hoje é uma  conversação com os presidentes dos partidos, e a partir daí os presidentes dos partidos vão consultar as suas executivas e vão deliberar sobre esta matéria e vão se posicionar. Acho que estamos agora começando aquilo que se faz em qualquer Parlamento do mundo.

Em reunião passada com o PSD, o senador Oto Alencar reclamou  ao presidente Bolsonaro que as questões ideológicas estão atrapalhando um pouco o governo na tramitação das pautas econômicas, como a questão se o nazismo é de direita ou de esquerda, a questão se foi ditadura, golpe ou não. O sr. acha que estas questões ideológicas estão criando crises e atrapalhando o governo?

Caiado – Esta é uma discussão paralela, não se pode transformar o paralelo, o acessório em principal. O principal são as reformas. A  Reforma da Previdência está hoje na Câmara dos deputados, se é uma emenda Constitucional não cabe mais ao presidente deliberar sobre ela. É uma matéria que será votada na Câmara, votada no Senado e será promulgada pelo Congresso Nacional. A partir daí, o que é importante é que não um assunto de governo, é um assunto de Estado. Não é um governo A ou B. Todos os governadores estão em situação de total insolvência. Dois e quinhentos municípios estão totalmente inviabilizados, independente da cor partidária. Este assunto é de interesse nacional,  não é assunto de base de governo. Nós precisamos saber identificar as coisas, principalmente nós que temos conhecimento (do funcionamento) do Congresso Nacional. O governo fez a sua parte, mandou a proposta.  Cabe ao Congresso Nacional votar sim ou não.

O sr. diria que o ministro Paulo Guedes saiu-se bem ontem na CCJ?

Caiado – Ele passou a ser hoje a maior referência nacional. Eu tenho recebido mensagens de apoio a ele de todos os estados do Brasil. Eu que conheço aquela Casa, que por lá vivi por muitos anos, pelo menos ele mostrou que estava alí para fazer um debate de conteúdo, mas mostrou também que não é possível uma pessoa aceitar aquele nível de provocação sem dar uma resposta à altura. Eu nunca fui daquela tese de que: “olha isto não é de bom tom”. Não existe isto. A pessoa tem que saber se comportar, tem que saber o que é decoro parlamentar pelos dois lados, não é apenas de uma maneira ousada querer atingir a honra de um ministro que tanto tem feito pelo país, e que com tanta independência tem colocado suas posições.

O sr não acha que como ministro ele deveria ter controlado os brios e não ter falado “a mãe é a tchutchuka”…

Caiado – Estas coisas você tem que entender que você não vai querer limitar as pessoas quando elas são desencabrestradas e independentes do ponto de vista moral.  Ninguém está para aceitar desaforo de quem não tem credibilidade moral para dizer aquilo.

Ainda sobre a questão das reformas, governador, muitos deputados – como o sr. foi até a pouco tempo – inclusive do DEM e de partidos que apoiaram Bolsonaro, contam que se recententiram pela forma de tratamento da nova política e do que se estabeleceu com o Legislativo do “nós contra eles”. Os deputados reclamam que não estão pedindo nada, além de negociações republicanas, mas as relação com o governo está muito dificil. Há como melhorar? E como melhorar?

Caiado – Primeiro passo está sendo dado agora, neste momento. Daqui a pouco vocês vão ver que vamos avançar e muito e a partir deste momento vamos ter o Democratas cada vez mais com a responsabilidade que tem, como presidente da Câmara, presidente do Senado Federal, Chefe da Casa Civil da Presidência da República, sabendo que esta matéria, a reforma da previdência, não tem nada haver com governo da União. Eles estão no terceiro escalão, a insulvência será primeiro dos municípios, a insolvência no segundo degraus será dos estados, e só aí que chegar à União. Então nós hoje estamos inviabilizados se não houver avanço nas negociações, como pautas que estão na Câmara, como sessão onerosa, como securitização da dívida ativa dos Estados, como Lei Kandir e outras tantas. Aí sim, serão matérias que vão depender de base de governo, mas emenda constitucional ela depende do Congresso Nacional. Você já imaginou se a cada capítulo da Constituição Brasileira o Ulysses Guimarães tivesse que saber qual era a base do governo para aprová-la? O Congresso Nacional está vestido de suas prerrogativas. Não tem que construir base para aprovar PEC, que é uma emenda constitucional que é promulgada e de iniciativa e encaminhada pelo Executivo, e transformada em lei, a partir de norma constitucional do Congresso Nacional.

No ritmo que vai passa, do jeito que precisa passar?

Caiado – Quem faz esta pergunta são as pessoas que dependem dos municípios, dos estados na área da saúde,  da educação e da segurança pública. São eles que é vão responder esta pergunta. É possível continuar do jeito que está, fazendo uma queda de braço em detrimento do cidadão onde os Estados não tem R#$ 1,00 para investir? Nem para atender as condições mais necessárias de saúde e de educação e de segurança pública e obras sociais? Este é o país que queremos? Então a interrogação não é mais se passa ou se não passa (a reforma), mas se o país tem como, ou qual é a fórmula mágina para viabilizar outro caminho. Por que os partidos que não comungam com a tese estão bem em seus municípios e nos seus estados? Eles estão com superávit, em condições de fazerem investimentos? Acho que é questão de responsabilidade neste momento.

Quando será o encontro entre o presidente Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia? Hoje o almoço é com o DEM, porque Maia não foi convidado?

Caiado – Por que ele é presidente de um Poder, como é o Davi Alcolumbre. Aí vai ter a segunda etapa da reunião. Tudo segue a liturgia.

Domingos Ketelbey

Jornalista e editor do Diário de Goiás. Escreve sobre tudo e também sobre mobilidade urbana, cultura e política. Apaixonado por jornalismo literário, cafés e conversas de botequim.