O governador Marconi Perillo (PSDB) bem que tem tentado sair das cordas, desde que seu nome surgiu com força nas gravações da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, que entre outras coisas resultou na prisão do contraventor Carlinhos Cachoeira. Marconi faz o que pode, mas cada vez que parece reagir, surge um novo fato e ele tem que recuar.
E é essa soma de resultados negativos que tem deixado aliados desassossegados, com receio da bomba eleitoral que isso pode significar em outubro, e medo de que ou Marconi caia com revelações que poderão surgir na CPMI.
E surgiram. E agora o clima é de apreensão, para uns, e de desespero, para outros. Tudo por conta do depoimento do delegado Matheus Mella Rodrigues, ontem. Ele reforçou as suspeitas de que a casa onde Cachoeira acabou preso foi mesmo vendida a ele pelo governador. Isso comprovado, o governador terá então mentido, já que afirmou em várias ocasiões que vendeu a casa para o empresário Walter Paulo e que nada tem a ver com o fato de Cachoeira ter ido parar lá.
“Durante depoimento à CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do Cachoeira, o delegado Matheus Mella Rodrigues afirmou aos parlamentares que o governador Marconi Perillo (PSDB-GO) vendeu uma casa para o contraventor Carlinhos Cachoeira por R$ 1,4 milhão. O pagamento foi feito em três cheques, dois de R$ 400 mil e um de R$ 600 mil, entregues por um sobrinho do bicheiro”, informa o portal R7. “Além disso, segundo relato do delegado, Carlinhos Cachoeira teria entregado uma caixa ao palácio do Governo de Goiás com R$ 500 mil. O dinheiro foi recebido pelo assessor especial Lúcio Fiúza.” (leia mais aqui)
Entre os marconistas, o assunto da casa é visto como o mais preocupante. É comparado ao caso Fiat Elba, cujo cheque de compra que funcionou como prova material da ligação do então presidente Fernando Collor de Mello com o sistema de corrupção personificado pelo seu antigo tesoureiro Pauto César Farias. A comparação fica mais forte porque Marconi disse que recebeu de Walter Paulo, pela venda da casa, três cheques. Seriam os cheques citados pelo delegado ontem? Se forem, a ligação estará confirmada, e a versão do govermador, desmentida.
Fora isso, há a todo momento alguém com uma ‘nova’ informação bombástica que, avisa em alto e bom som, “vai sair!”. Histórias de mensagens trocadas com Wladimir Garcês, tucano e braço direito de Cachoeira; ‘revelações’ de momentos de intimidade em restaurantes; detalhes de transações no governo, que se teme que venham à tona (embora ainda sem comprovação documental). Tudo isso, mais o fantasma da venda da casa, a pesquisa Serpes que mostra que metade dos goianienses reprovam a administração estadual, e o #ForaMarconi, movimento saído do Facebook para as ruas da capital goiana, têm alimentado o imaginário e produzido efeito devastador na imagem e na até então inabalável fortaleza do nome Marconi Perillo.
Se o tucano não cair, eis uma visão cada vez mais frequente, o que se prevê é um governo daqui em diante existindo como um paciente em estado terminal, na melhor das hipóteses sobrevivendo em coma profundo, inerte, levando mais tempo a responder acusações do que criando agenda positiva. Existindo, mas torcendo para acabar logo.
Temendo um fim melancólico para o governador, cresce o número dos que começam inclusive a fazer uma retirada estratégica das cercanias do Palácio das Esmeraldas. Não tem ânimo para negar as relações perigosas de Cachoeira com o governador e seu governo, nem disposição de fazer uma defesa incondicional, moral e cívica do governador. Preferem o distanciamento gradual, a descontaminação.
Uma das principais referências para aqueles que vivem no e do poder em Goiás é o comportamento do PSDB nacional. Por enquanto, os sinais são dúbios: ora parece que os tucanos nacionais vão abandonar o goiano à própria sorte, ora dão a entender que estão lutando por sua cabeça – e curiosamente isso tem ajudado Marconi. Ajudado porque a dúvida lhe dá ainda um tênue apoio, mantém viva a esperança de que ele consiga virar o jogo – quer dizer, virar a mesa (em se tratando de Marconi, nesta hora, falar em jogo não é uma boa jogada, opa, boa metáfora). Mas ao menor sinal firme de abandono pelo PSDB, Marconi será imediatamente abandonado pelos que ainda resistem ao seu lado.
Também está repleta de expectativa no Estado a possível ida do governador à CPMI. Embora o discurso tenha sido o de que ele quer ir, é fato que nos bastidores os principais secretários e auxiliares temem o efeito que isso pode provocar no governo, paralisando as ações que já andam escassas e espantando aliados candidatos no interior.
É fato que candidaturas a prefeito já foram abortadas depois dos últimos acontecimentos, e uma preocupação que passou a ocupar a mente dos interessados na disputa é o que fazer com o governador: bancá-lo no palanque ou afastar-se dele de uma vez. Sobre isso, o temor é que todos os candidatos com apoio de Marconi sejam marcados como Fulano Cachoeira, Beltrano Cachoeira, Sicrano Cachoeira…
Provoca igualmente dúvida e será referência para a sobrevida política de Marconi Perillo em Goiás a propalada reforma de seu secretariado. Uma reforma que não sai, e que neste ponto cada dia que não sai é um dia a mais de desgaste. O caso tem deixado em muitos a sensação de que Marconi não manda no governo, é refém da sua fragilidade.
Há mais pontos de interrogação. Afinal, quem quer ir para o governo? Quantos estão dispostos a entrar numa canoa que parece estar afundando? Quem quer se comprometer com uma administração e correr o risco de, assim como os candidatos a prefeito, receber o carimbo com o sobrenome “Cachoeira”?
O que parece evidente é que só há disputa mesmo por cargos importantes no governo por aqueles que já estão nele. São cobiçados os cargos com caixa alto, como o Detran e a Agência de Comunicação (Agecom). Caso a reforma seja uma mexida do tipo mais do mesmo, dança das cadeiras, sem renovação, o movimento será visto como sinal de fraqueza, outro, e significará mais desgaste para o governador.
A avaliação é de uma reserva de aliados, uns poucos que o acompanham desde 1998 e por isso permanecem perto, embora contrariados desde o ano passado por terem sido preteridos na formação do governo e por terem sofrido com o fogo amigo dos escolhidos.
No fundo, Marconi não chega ainda a estar só, mas está quase só. Poucos são os que o defendem e menos ainda os que acreditam que Cachoeira, como diz o governador, nunca teve influência no governo, bancando isso em discursos e declarações. E é nesse ponto que, em vez de ter apoio incondicional, ele vira alvo de chantagem de aliados como o presidente da Assembleia, Jardel Sebba, e o seu próprio líder na Casa, Helder Valin, que lutam para manter o presidente da Agecom, José Luiz Bittencourt.
Bittencourt é marqueteiro de Jardel e comandante da comunicação do governo, justo a comunicação, a mais criticada de todas as pastas atualmente. Mas é lá que está um dos maiores caixas do governo, mais uma TV, rádios e poder de influência e pressão sobre praticamente todos os veículos do Estado. Se Marconi não consegue trocar quem cuida de sua imagem, que força tem o governador? Eis o questionamento mais ouvido pelos outros grupos que brigam por mais espaço no governo.
Pedir para ser investigado pela procuradoria-geral da República ao perceber que isso seria inevitável; instruir sua base de apoio na Assembleia Legislativa a criar a CPI do Cachoeira para fazer o discurso de que nada teme, embora todo o governo trema de medo do que pode vir pela frente; tentar durante semanas fazer uma mudança ampla em seu governo e não conseguir; tudo isso é visto como a máquina política de Marconi Perillo em ação. Mas uma máquina que, para Goiás, tem força e tamanho descomunal. Porém, levada ao plano nacional, é uma formiga chutando a canela de um rinoceronte.
Capítulo à parte, a CPI do Cachoeira em Goiás vem se mostrando muito mais uma fonte de constrangimento do que de afirmação do poder marconista. O que houve – e o que há: já prevendo que seria um dos primeiros a ser convocado pela Comissão Parlamentar Mista de Investigação de Carlos Cachoeira, por conta de suas intensas relações evidenciadas em gravações da Polícia Federal, o governador se antecipou aos fatos, declarando que pediria ao presidente da CPMI para ser ouvido. Politicamente, a estratégia de Perillo é mostrar à opinião pública que está seguro, tanto que se lança à arriscada missão de responder a tudo o que deputados e senadores quiserem perguntar.
No entanto, o discurso se perde na prática da CPI do Cachoeira. Requerimento de autoria do deputado estadual Mauro Rubem (PT) na Assembleia Legislativa que solicitou a presença do governador e demais autoridades para prestar esclarecimentos aos parlamentares sobre a possível participação de membros do Executivo em ligações com integrantes da organização de Carlinhos Cachoeira caiu no vazio. Em um movimento da base governista, pedidos apresentados em seu início foram rejeitados em Plenário.
Os documentos queriam, além de Marconi, também ouvir as versões do secretário de Indústria e Comércio, Alexandre Baldy, e do secretário de Segurança Pública, João Furtado. Curiosamente, a solicitação que convida os procuradores da República, entre os quais Daniel Rezende Salgado e Leal Batista, para prestar esclarecimentos, foi aprovada.
A alegação para a rejeição dos requerimentos dos integrantes do Executivo é que esses depoimentos seriam melhor apreciados dentro da Comissão Parlamentar Mista de Investigação. A disposição de Marconi Perillo, alardeada pela comunicação do governo, parece somente servir para atender a mais uma jogada de marketing. Uma jogada para inglês ver. Porque os goianos mesmos, estes nem CPI de verdade vão ver.
Ainda envolvendo CPI e CPMI, há algo que tem funcionado com eficiência contra o governador. Desde a campanha, ele elegeu o ex-presidente Lula como seu antagonista. Credita a ele tudo de negativo que vem lhe acontecendo desde então. Era um bom discurso quando estava forte no poder. Enfraquecido, colocar-se como vítima de Lula tem funcionado ao contrário: mostra que, se era uma guerra, ela agora está perdida. Melhor então ficar do lado do vencedor: Lula.
(Publicado no www.goias247.com.br)
Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).