Deixamos herança para nossos filhos, exemplos, mensagens, uma história, deixamos a fé e a ambição de nos perpetuar ou ao menos constar em sua alma. Deixamos muito de nós no DNA. E pra quê? Não há certeza de vida reencarnada, de vida depois da morte, de nada que não seja a morte. E o que é a morte, quem sabe? Quem sabe não é agora?
E tudo na iminência da Terra esquentar sem tanto, ou esfriar até virar uma pista de patins sem pés em patins para deslizar. Ou o que quer que seja explodir, acabar-se. Para quem vão ficar os filmes premiados, os nobéis de literatura, os feitos extraordinários como a ida à Lua ou a cura do câncer, se chegarmos a tanto.
Os carinhos, que serão deles se nenhum homem e nenhuma mulher, nenhuma criança, mãe, avó, se qualquer bondade resultar em nada além da memória de um tempo que não terá quem quer que seja para lembrar, contar, respirar dentro do peito. As metáforas do coração apaixonado e do amor saindo pela boca, que serão delas depois… depois que não restar memória de antes?
Carregamos a vida que temos e a vida de todos que conhecemos e daqueles de quem nunca ouvimos ou ouviremos falar, porque estar vivo é isto: você, eu e todos juntos vivendo, morrendo, ansiosos, desesperados, súbitos, amarrotados, angustiados e também os assassinos e ladrões e adoradores do diabo. Essa bagagem vai com a gente desde o primeiro suspiro, ou na concepção do coito. Tanta coisa e peso psicológico, psiquiátrico, filosófico, para em algum momento acabar.
Morrer é mais do que perder a vida, pois morrer é matar todas as coisas que somos ou que deixamos de ser, e que se tornará uma pequena lembrança, uma obra de arte eterna (eterna?) ou um esquecimento inevitável. E que, no fim, se o fim for o fim do mundo, do universo, da galáxia e assim até o fim, no fim será isto, nada mais que o fim. O fim da carne, do espírito, do Espírito Santo, do amém e do fim. Fim dos conceitos, da imaginação, do certo e do errado, do ponto final.
Pode ser que não. Pode ser que Deus faça sentido. Que ele fez tudo. Pode ser que não. Não é um fato que sustenta tudo, não é uma notícia que nos leva a nada, não é uma vida que seja vida. Não é o que temos, o que vemos, sentimos, pegamos, ouvimos, cheiramos, não é coisa nenhuma que nos faça ter, sentir, ver, ler. Não é sendo que seremos, no fim das contas, no fim, o que há de ser. O que somos nem há de ser mesmo. Fico daqui pensando se pensarei depois. Mas depois é uma utopia ou uma distração. Se é que é.
Quando me envolvo em tais labirintos de considerações, que podem muito bem ser tão somente descuido do sono que tarda, pouco a pouco começo a sorrir. Já tanta vida na minha vida que cuido mais de inventar outras vidas que viver a minha. Mas aí entendo: é meu jeito de viver a minha e as que nem sei. É a ida no circo deste velho homem que não saiu do jardim da infância. Que cria mundos porque viver apenas em um é pouco para a vida que não tem e a vida que vive por viver. Mas aí não me entendo. E me divirto.
Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).