21 de dezembro de 2024
Publicado em • atualizado em 05/07/2024 às 16:30

A tal da politicagem

Em ano eleitoral algumas situações pitorescas se tornam mais comuns, entre elas, as que chamam mais atenção são os tais favores velados de políticos, que minha mãe chama de “politicagem”. Como filha de servidora pública da saúde, ouço muitas histórias do tipo, a última delas descrevo como cômica, se não fosse trágica. 

Certo dia chegou ao Posto de Saúde um senhor de aparência descuidada, maltrapilho, equilibrado entre duas muletas, uma embaixo de cada braço. Disse que estava lá a mando da diretora da unidade, que sob recomendação de um vereador, havia o indicado ir naquele horário para uma consulta com a dentista. 

Até aí ok, se a unidade tivesse dentista naquele horário e insumos para realizar o atendimento, coisa que provavelmente nem a diretora e nem o vereador se atentaram na hora de “agradar” o futuro eleitor. Ao ser comunicado do infortúnio, o senhor sacou do bolso um celular velho e ligou para o político.

Do outro lado da linha o homem, aparentemente nervoso, disse que aquilo era um absurdo. Concordaram, afinal de contas, não havia muito o que ser feito, apesar da boa vontade. Que reclamasse com a prefeitura ou buscasse um vereador para denunciar.  

A partir daí um liga daqui, liga dali, se deu entre diretora e servidores. “A questão dele é simples”, tentou convencer a diretora pelo telefone. “Só preciso que ela dê uma olhada para ver o que podemos fazer por ele”, acrescentou do outro lado da linha, sem nem ter visto a  cara, muito menos a boca do cidadão. 

Conseguiram então que a técnica auxiliar de dentista, presente no local, desse uma olhadinha no senhor com problemas dentários, de modo a orientá-lo para um possível encaixe de consulta. Mas a constatação foi trágica. A tal coisa simples era a falta de quase todos os dentes da boca e inflamação nos cacos solitários que ele ainda possuía na gengiva. 

Mesmo que a dentista estivesse disponível, se houvesse insumos suficientes para o atendimento e boa vontade dos profissionais envolvidos para encaixe na agenda, não seria possível atendê-lo ali. A unidade não dispunha de estrutura para um atendimento daquele nível, com risco de contaminação, complicações e outras coisas que poderiam afetar tanto a  profissional quanto colocar em risco o próprio paciente. 

Considero cômico, pois o próprio senhor banguela não tinha noção de sua situação. Mais cômico ainda os politiqueiros quererem tirar proveito de algo do qual eles próprios garantem a falta de assistência. Trágico, porque nada foi feito, e nem será.

Esse é o retrato da “politicagem” que minha mãe descreve quase diariamente. Políticos que deveriam atuar em prol da população, mas sequer sabem as condições reais em que a saúde pública se encontra, muito menos das necessidades dos eleitores que os procuram. A tentativa foi falha, mas quem saiu mais prejudicado nessa história foi o senhor, que perdeu o dinheiro da viagem até lá, tempo e ainda foi embora sem dentes e sem perspectiva de voltar a sorrir. 

Luana Cardoso Mendonça

Jornalista em formação pela FIC/UFG, Bióloga graduada pelo ICB/UFG, escritora e eterna curiosa. Compartilho um pouco do mundo que eu vejo, ouço e vivo, em forma de palavras, afinal, boas histórias merecem ser contadas