Não me lembro quando foi a primeira vez que senti o gosto do café na língua. Na minha família de sangue mineiro, o café sempre esteve em todas as ocasiões, qualquer que fosse a reunião, familiar ou não, ele era presença ilustre. Minha avó curava crise de choro de criança com a chupeta molhada no líquido preto. Era sentir o sabor do café, e o milagre do silêncio se fazia entre recém-nascidos dos Cardoso. Imagino eu, que tenha sido aí também o meu primeiro contato.
De lá para cá, não houve sequer um dia que eu não tenha me rendido a um cafezinho. No começo, que eu chamo de iniciação da seita, era adoçado e somente pelas manhãs. Com o passar do tempo foi se tornando cada vez mais amargo e em doses mais frequentes. De levemente adoçado passou a puro. Uma xícarazinha ao dia se tornaram três, quatro ao longo da tarde. Até que eu percebi que não era mais uma vontade minha, e sim uma necessidade. Estava completamente viciada no bendito.
Relutei, não havia motivos para pensar que me faria mal, afinal de contas, era uma tradição. Apesar dos dentes levemente amarelados, marca do tempo exposto ao café cotidiano, nada mais me era razão para largar. Até que os cinco cafezinhos diários começaram a de fato atrapalhar o sono noturno. Virava, revirava, levantava e tornava a deitar e nada da cabeça desligar para dormir. Insônia. O tal líquido preto estava me tirando o sono e a paz da hora do descanso.
“Vai ter que cortar”, me disseram. Uma pena, já que minha cabeça só funcionava para escrever movida a café. “Como vou trabalhar assim?”, pensei. Substituí o cafezinho da tarde por uma caneca de chá. Insossa, sem gosto, sem aroma, sem cor, sem emoção, sem memórias. Mas algo quentinho para acalentar a alma já me trazia uma mínima sensação de aconchego para ao menos ter ânimo para a escrita. O meu lance era também o hábito de ingerir um líquido morno que me trouxesse paz.
Trago agora a palavra de uma viciada em café em processo de reabilitação: estou há uma semana sem os cafés da tarde, e venci. Já passei a dormir mais tranquila. Depois de alguns dias em abstinência com leves dores de cabeça, superei. Mas, como dizem por aí, só não posso sentir o cheiro.
Certo dia me peguei tentada a cheirar o pote de café para que a vontade passasse: “Estou completamente louca. A que ponto cheguei?” – refleti. Puro devaneio de quem se apegou física e emocionalmente a algo que lhe trazia boas sensações. Não cheguei a de fato cheirar o pó, como uma dependente química, mas entendi que teria que me virar com as armas que tinha: o chá.
Já são sete dias, quatro horas e vinte e cinco minutos firme no propósito de tomar apenas uma xícara de café ao dia, pela manhã, afinal de contas a alma precisa de um tranco forte para voltar para o corpo. Depois disso, os chás estão sendo meus melhores amigos. Devo isso a genética, e a minha avó, que fazia nossa iniciação já na infância. Eu não escolhi entrar na seita dos “cafezólatras”, eu fui escolhida, mas hoje, só por hoje, eu escolho estar limpa de cafeína. Meu nome é Luana e eu admito: sou uma viciada em café.