A assessoria do governador Marconi Perillo (PSDB) ajudou a espalhar nas redes sociais semana passada uma reportagem da revista Veja que trata da militância paga justamente nas redes.
Curiosa ironia.
“A militância política falsa (e paga) na internet”, é o título da reportagem, seguido da explicação: “Renan Calheiros, Aécio Neves e Agnelo Queiroz têm ao seu lado uma rede de militantes que só existem na internet – e na imaginação dos marqueteiros.”
(leia mais abaixo e aqui)
A ironia é um governo envolto em denúncia de espionagem nas redes, e que se vale desde seu início exatamente de furiosa estratégia na internet para se promover e rebater todo e qualquer inimigo declarado ou potencial, dar vazão ao que escancara o que ele próprio faz.
Mas o fato diz muito.
A divulgação da matéria ocorre no momento em que os governistas se esforçam para carimbar alguns assessores da Prefeitura de Goiânia, como militantes pagos para atacar Marconi em nome do prefeito Paulo Garcia.
Sim. Assessores pagos pelo governador criticam assessores pagos pelo prefeito de fazerem o que eles fazem.
(E nem entremos aqui no detalhe de quanto ganham os assessores do prefeito e os assessores do governador. Vai uma rede de distância.)
Assim é que a notícia da Veja é uma indireta do assessor marconista aos paulogarcistas. A dizer: “Aí, ó: é tudo comprado!” Sei.
O ato falho é revelador de outra coisa: a visão maniqueísta dos comunicadores marconistas, que partem do princípio de que o que eles fazem é, tipo, “jornalismo”, e que eles são “do bem”, enquanto o que aqueles de quem discordam, e que discordam deles, fazem é “maldade” e “política rasteira”.
O tom e a intensidade desse embate são igualmente eloquentes. Não há elegância, muito menos respeito. Aos aliados, tudo; aos inimigos, o chicote remunerado.
Basta ver que os mesmos marconistas que criticam duramente os paulogarcistas de atacarem Marconi, atacam Paulo Garcia, Dilma e quem surgir à frente com coice de teclado.
A internet é um reino caro aos governistas. Eles amam, mas como são odiados…
Marconi Perillo escolheu o twitter para lançar oficialmente sua candidatura ao governo. Apresentou-se então como um político moderno, antenado às novas tecologias, íntimo das redes.
Depois, eleito, ergueu um bunker respeitável para agir e reagir nesse ambiente.
Em um primeiro momento, dominou o pedaço, com gente demais, tecnologia de ponta e, como se diz, ‘força na peruca’ – a já anotada virulência das teclas.
Houve quem chamasse isso de pistolagem de aluguel, ou gang do teclado. Exagero.
O acompanhamento de imagem de uma celebridade, empresa, político etc. nas redes é uma atividade legítima, de assessoria de imprensa. Mas repare: está dito ‘acompanhamento’.
A novidade dos marconistas foi terem elevado uma ferramenta de comunicação natural – conceitualmente questionável ou não – a um pelotão de guerra.
Morte ao inimigo! Eis o pregado e o obedecido em rede.
Mais uma radiografia comportamental do marconismo ‘renovado’ em 2010.
Em vez de promover o chefe maior, os arautos da inovadora comunicação do governo foram para o ataque e, sempre que necessário, para o contra-ataque.
Mais importante que promover Marconi era destruir os contrários, críticos e inimigos, não necessariamente nessa ordem. Aliás, ordem alguma!
A comunicação ligada no negativa e não no positivo tinha então o modo de operar definido, o estilo determinado e uma vontade inominável de mostrar serviço.
Tinha isso e tinha mais: uma rede infinita para manutenção dos velhos e construção de novos inimigos que justificassem seus atos e ações.
Quando do caso Cachoeira, toda essa estrutura foi ao ápice.
E tanto fez que acabou ruindo no início deste ano, mais por conta do fogo amigo do que qualquer outra coisa. Porque os inimigos foram se ampliando tanto que, além dos de fora do governo, foram acumulados muitos mais dentro do governo. Marconi teve de agir.
Mas o bunker resiste. Está em ação desgovernada dentro e fora do governo, e a divulgação da reportagem da Veja é apenas mais um item de relevo.
Outro remonta há algumas semanas.
Quando da saída do ex-presidente da Agência de Comunicação, a Agecom, foi realizada uma reunião de jornalistas e estrategistas do governo para determinar como agir e reagir.
No texto de um e-mail de aviso interno com as coordenadas a serem seguidas (o Diário recebeu uma cópia impressa) está registrada uma tentativa de mostrar uma nova orientação, mais, digamos, propositiva.
Destoa dessa diretriz o final dela, onde consta o endereço do que era então um recém-criado site a ser usado por todos.
Um site como uma arma à mão:
“Vamos movimentá-lo. Mas, ATENÇÃO, só devemos compartilhá-lo com nossos perfis PESSOAIS.”
A recomendação anotada e, enfim, registrada, documentada.
Reproduzo parte deste comunicado:
De: (…)
Data: 26 de fevereiro de 2013
Assunto: Orientações aos setoriais de comunicação
Para:
Senhores,
A pedido do diretor (…), repassamos as seguintes anotações da reunião de hoje (26/02) com o chefe de gabinete do Governador, João Furtado.
Atenciosamente,
Equipe da Diretoria (…)
1) Continuamos com impacto menor que nossos adversários nas mídias sociais
Por que é um problema >>> sim, parece que somente uma dúzia de pessoas participam do debate político nas mídias sociais, mas quando postamos conteúdo de relevo, vemos lá 200, 300, 500 pessoas nos sites que controlamos. E é gente que leva essas impressões para suas redes e para as ruas.
2) Matérias negativas que saem nos veículos convencionais são replicados dezenas de vezes por perfis de adversários. Quando formularmos respostas, devemos avaliar como foi a repercussão na rede para que a vacina também chegue nesse público.
3) O que foi feito da orientação de recrutar pessoas das próprias autarquias com potencial para crescimento na rede? Devemos estimular nossos colegas de repartição a ajudar na defesa do governo. E sem forçar a barra: a idéia é provocar cada um a entrar nas discussões nas quais tenham alguma condição de argumentar >>> é claro que, aqui, acreditamos que cada setorial possua algum tipo de comunicação interna (mural, newsletter etc.) capaz de alimentar os colegas com dados da atuação do órgão em que trabalham. Lembrando que esses perfis de pessoas reais, que se relacionam com pessoas reais, são muito mais efetivos que fakes.
4) Precisamos aumentar o impacto de cada perfil que operamos. Uma sugestão que dei na reunião é “especializar”. Assim, quem atua na Saúde, por exemplo, precisa procurar inicialmente o público diretamente relacionado à Pasta, como médicos, enfermeiros…. Os perfis sindicais dessas categorias são uma mina de ouro para pesquisar e descobrir quem são os usuários da rede mais atuantes. Sigam essas pessoas e estabeleçam diálogos pertinentes. Elas vão acabar seguindo de volta, compartilhando posts que nos levarão a mais pessoas.
5) Ferramentas como o Klout auxiliam a descobrir qual a relevância de cada perfil do Facebook, Twitter e outras redes. Essa informação nos possibilita saber com quem interessa travar discussões.
6) É preciso ter cuidado com o volume de postagens em todas as redes. Os servidores do FB, por exemplo, “entendem” que o usuário está se tornando um spammer se ele começar a postar conteúdo muito rapidamente. E o que acontece? A postagem fica lá no seu perfil, mas passa a aparecer cada vez menos na timeline de seus seguidores e amigos (é por isso que “vemos” algumas postagens e “perdemos” outras dos mesmos usuários). Sugestão: se vc tem muitos assuntos por dia, faça as postagens, mas eleja o melhor deles e faça de tudo para que esse post seja compartilhado e comentado >>> critérios de relevância adotados pelo FB para que um post seja visualizado.
Junto com esse esclarecedor documento que chegou ao DG, havia uma anotação se quem o enviou em reserva:
“Os servidores estão sendo ‘incentivados’ a participar das redes, comentando, compartilhando e defendendo a atual gestão. Não está escrito mas o pedido foi para ‘uma defesa racional, alicerçada em argumentos, dados e números, sem ofensas pessoais ou acusações’. Isso para evitar processos ou mesmo a antipatia dos demais internautas.”
Segundo a fonte do DG, os sindicatos também seriam alvo dos governistas.
E o interior do Estado: todo dia algumas secretarias/agências recebem a visita de 2, 3 ou mais editores/donos de jornais do interior, que querem matérias e fotos. Uma demanda crescente, e com foco claro na campanha de 2014.
Não surpreende, pois, que essa mesma assessoria repercuta a reportagem da Veja.
Que aponte o dedo para o que enxerga como defeito alheio, mas que não se olha no espelho.
Como não surpreenderam as revelações de duas semanas atrás da revista Carta Capital, que escancarou o que era de largo conhecimento nos bastidores do poder goiano: a existência de uma rede paralela de espionagem com aval do governo.
Gente do governo alimentando a bisbilhotice aos inimigos do governo e, ironia das ironias – elas nunca se esgotam – e aos que em tese seriam amigos também.
Uma trapalhada marconistas por excelência.
Risível, não fosse trágico, por se tratar de um comportamento que nada tem de republicano e que é a prova cabal de uma prática sempre atribuída aos outros, os “do mal”, contra eles, os “do bem”.
Para ler a reportagem da Carta Capital, e sobre ela, vá à busca ou clique aqui, aquí e aqui.
A Carta Capital, além da denúncia da arapongagem, registra exatamente o que a Veja mostra em relação a Renan, Aécio e Agnelo: a existência de uma estrutura oficial para proteger o governador.
Só lembrar das recomendações quando da CPMI do Cachoeira, para elogiar e exaltar Marconi Perillo no momento de seu depoimento.
Dizer mais o quê?!
Inegável. Insofismável. Inacreditável. O marconismo se autodestrói no que era decantado como sua maior fortaleza: a comunicação.
Mais de 150 milhões de reais gastos em propaganda no ano passado para quê?
Para implodir o governo, está aí.
Sendo assim, quem precisa de oposição?
Só falta o último comunicado oficial:
“Este governo será extinto em 19 meses. 19, 18, 17…”
O fim do marconismo será obra de si mesmo.
Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).