O governo federal não tem uma agenda para o país. Isto está ficando cada vez mais claro à medida em que se aproximam os cem dias de governo.
A pauta internacional é um desastre. Brigar com a China, que importa 30% do que o Brasil produz, ser parceiro incondicional dos EUA, que só compram 15% dos nossos produtos, e concorrem em 100% com a nossa produção agrícola é suicídio.
Um velho dito árabe diz que mágoa é quando a pessoa toma veneno e espera que aquele que lhe ofendeu morra. E tem sido assim o comportamento do governo federal. O que dizer das bravatas de twitter do presidente e seus filhos contra o presidente da Câmara Federal Rodrigo Maia (DEM)?
E o que dizer do tal combate ao “marxismo cultural” proposto pelo astrólogo Olavo de Carvalho, guru do clã Bolsonaro, que opõe o Brasil aos seus principais parceiros comerciais (China e países árabes)? Nosso país trocou o papel de potência diplomática pelo papel de piada nos foros internacionais.
Reforma
As twittadas presidenciais provocaram estragos na base do governo. Aliás, que base? O próprio Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara Federal, verbalizou em entrevistas à imprensa goiana o descontentamento com o governo no próprio partido do presidente.
A única ponte que ligada o Palácio do Planalto ao Congresso Nacional era a Reforma da Previdência, mas mesmo esta agora está prejudicada depois das declarações do Chefe do Gabinete Civil, Onyx Lorenzzoni, que no Chile comparou a reforma brasileira aquela feita pelo governo ditadorial do General Pinochet, cujos efeitos é o alto índice de suicídio em idosos e um provento de R$ 400,00 (menos da metade do salário mínimo brasileiro). Este modelo tem poucos adeptos entre os deputados.
Onde está o projeto econômico do governo para combater o desemprego, que vitima 12 milhões de brasileiros? Qual é o projeto do governo para recuperar as rodovias federais, como a BR-158, a BR-153, a BR-070, que estão em péssimo estado e ameaçam o escoamento da produção em Goiás, Tocantins e Mato Grosso?
GDF reage
Não há vácuo em política. Se a União não tem projeto, os governadores tem.
Um sinal de que algo neste sentido pode (e deve) ser gestionado partiu do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Ibaneis é o primeiro candango a governar Brasília. Filho de piauienses, é advogado, foi presidente da Ordem no Distrito Federal e uma das novidades na politica local e nacional, tendo sido esta a primeira vez que se candidatou ao governo do GDF.
Ontem, durante o fórum de governadores, encontro que reuniu os executivos estaduais com o ministro da Economia, Paulo Guedes.
O governador de Brasília criticou a orientação do presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ) de que as Forças Armadas comemorem o Golpe de 1964, ocorrido na madrugada do dia 31 de março para o 1 de abril. Nas suas palavras, “a iniciativa não contribui para a pauta politica de estabilidade”. Disse mais: “Considero inadequado chamar esta tomada de poder pelos militares de revolução, porque partidos sofreram com esta revolução”.
Ibanês ressalta “ que está faltando ao governo federal, a partir do presidente Bolsonaro, é definir a sua pauta política. Esta é que está sendo maltratada, na visão de todos os governadores”, disse Ibaneis, que também criticou a postura do governo de chamar a atual política “de política do passado, sem dizer qual é a nova política”.
Meirelles propõe politica industrial
Em São Paulo o ex-ministro Henrique Meirelles (MDB), agora secretário de Fazenda e Planejamento no governo de João Dória Jr. (PSDB), lançou o projeto de incentivo à cadeia automotiva. Enquanto a dupla Bolsonaro-Paulo Guedes ficou silente ante o anúncio da Ford e da GM de fechar suas fábricas no território paulista, Meirelles propôs ontem, em São Berrnardo do Campo, durante o I Congresso Latino-Americano da Indústria Automotiva, o Pró-Ferramentaria, programa de incentivo ao setor de ferramentaria, que visa liberar créditos retidos do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a compra de ferramental.
“Esse programa visa dar condições de crescimento e de aumento de investimento para a indústria de ferramentaria, o que é fundamental não só para São Bernardo, mas para toda a cadeia automotiva, que tem créditos acumulados de ICMS. Essa iniciativa permitirá que essas empresas empreguem seus créditos acumulados integralmente, desde que sejam utilizados na compra de ferramentaria”, disse Meirelles em entrevista do Diário Regional do ABC.
De acordo com cálculos da Anfavea, trazidos pelo com o jornal Valor Econômico, as montadoras com fábricas em São Paulo têm cerca de US$ 7 bilhões retidos nos cofres do governo paulista em créditos de ICMS. O valor refere-se à diferença de alíquotas em compras de autopeças e créditos acumulados em veículos exportados.
O programa do governo paulista incentiva a modernização das plantas industriais das montadoras, que segundo dados da Anfavea, gastam entre US$ 100 milhões a US$ 300 milhões no desenvolvimento de um veículo novo. Pelo projeto, haverá um desconto gradual no ICMS (Imposto sobre Consumo de Mercadorias e Serviços),e para cada R$ 1 bilhão investidos pelas fábricas o governo concederá 2,7% de desconto no ICMS, até o teto de 25%, considerando investimentos de R$ 10 bilhões. O programa atende a pressões da Ford e GM, principalmente, e beneficia outras montadoras instaladas no Estado.
Governadores do Nordeste fazem consórcio
Passou despercebido da grande mídia, mas governadores da Região Nordeste, assinaram em São Luiz (MA) no dia 14 deste mês um protocolo criando o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (Consórcio Nordeste). Os governadores se manifestaram contra “reforma” da Previdência proposta pelo governo federal, e às medidas que facilitem o acesso a armas, corte de verbas nas universidades federais e retirada recursos de áreas da saúde, educação e assistência social.
O Consórcio estabelece um instrumento político e jurídico de cooperação que visa ao fortalecimento regional e à proteção e promoção dos direitos sociais. O Consórcio estabelece o diálogo permanente com os 153 deputados e 27 senadores representantes do Nordeste em defesa dos interesses regionais. Os governadores declaram que a Previdência precisa ser debatida, mas se posicionam em defesa dos mais pobres, dos trabalhadores rurais e das pessoas com deficiência, rejeitam mudanças que prejudiquem justamente os brasileiros que mais precisam de proteção do Estado.
Bom momento para repactuação da dívida dos estados
Trouxe ao conhecimento dos leitores do DG o estudo feito pela auditora fiscal Maria Lúcia Fattorelli, que defende revisão na dívida dos Estados com a União. Tendo como exemplo da dívida do Estado de Goiás, Fattorelli mostra que dos de R$1,777 bilhão reconhecidos em 1998, saltou a quase R$9 bilhões em outubro/2018, ou seja, multiplicou-se por mais de 5 vezes, conforme dados publicados pelo Banco Central, apesar de neste período o Estado de Goiás ter pago R$ 5,575 bilhões (mais de 3 vezes o valor refinanciado). A auditora ressalta que no período de 1999 a 2017 a variação da dívida foi de 1.379% (Um mil, trezentos e setenta e nove por cento), frente à inflação de 237% (duzentos e trinta e sete por cento) no mesmo período.
O governo Bolsonaro não tem votos para Reforma da Previdência ou para qualquer outra reforma. Os governadores se interessam pelo ajuste na previdência, pois o pagamento dos benefícios consome boa parte da receita em muitos estados. Este impasse – entre a necessidade do governo federal executar seu ajuste fiscal e a sangria dos Estados com o pagamento dos benefícios dos servidores aposentados, e com os juros da dívida -, pode gerar um novo pacto federativo, onde União e Estados rediscutam o perfil da dívida, e principalmente, o percentual das receitas dos Estados destinados ao pagamento desta.
Goiás, por exemplo, chegou a destinar 18% da receita líquida para os serviços da dívida. Atualmente são 15%. E se fossem apenas 5%? Sobraria muito mais recursos para o governo de Goiás e de outros estados investirem em obras e serviços nos municípios.
A bola está com os governadores.
A inépcia dos articuladores políticos do Palácio do Planalto, e do próprio presidente (e filhos), em lidarem com o Congresso Nacional, abre uma ótima oportunidade para que os governadores ajam (e que seja rápido) para tirarem o país da paralisia destes primeiros três meses.
Tudo está parado. A economia está parada, porque a União não faz investimentos, os Estados idem e os municípios ibidem, porque não há projetos, nem recursos em circulação.
Os exemplos de Brasília, São Paulo e do Nordeste podem ser o início de um movimento dos governadores que faça o Brasil entrar nos eixos. O governador Ronaldo Caiado (DEM), que tem portas abertas no Palácio do Planalto, pode assumir a liderança deste movimento no Centro-Oeste, e a exemplo dos governadores nordestinos, apresentar uma pauta para região que contemplem interesses comuns, como a recuperação das rodovias federais, o pleno funcionamento da Ferrovia Norte-Sul, recursos para investimentos em saneamento, saúde, educação e segurança.
O poeta romano Virgílio dizia que “a sorte favorece os audazes”. Está na hora de ousar, ou o país corre o risco de se lascar.
Altair Tavares
Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: [email protected] .