Após mais de três horas entre leitura e discussão, o projeto de abuso de autoridade teve a votação, prevista para esta quarta (19), mais uma vez remarcada.
Dessa vez, o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Edison Lobão (PMDB-MA), disse que não vai mais admitir “obstrução” ou “chicana regimental” e agendou a apreciação no colegiado para a próxima quarta (26). A expectativa é que o texto seja pautado no plenário em maio.
Para tentar evitar mais críticas à proposta, que tem sofrido ataques especialmente de setores ligados ao Judiciário, o relator, Roberto Requião (PMDB-PR), resolveu acatar sugestões recebidas nas últimas três semanas.
Acabou usando por base o texto entregue pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, numa manobra para dizer que acatou sugestões da PGR.
Requião, porém, alterou pontos considerados fundamentais aos que discordam do projeto, especialmente no que diz respeito à hermenêutica, a divergência de interpretação de ação ou fato.
Integrantes do Judiciário acusam Requião e seus aliados na causa de quererem ‘tolher’ investigações com a criminalização da hermenêutica. Falam que a pressa na votação deve-se especialmente aos impactos da Operação Lava Jato.
As críticas se voltam, especialmente, os artigos 1º, que define o abuso, e 3º, que permite ação penal privada. Neles, o relator abriu brechas para que, por exemplo, juízes sejam punidos por interpretações divergentes adiante, ou para que o julgado proponha ação penal contra quem o investiga, sem que isso seja autorizado pelo Ministério Público, como é hoje.
“Estamos sendo mais generosos na independência do Judiciário do que foi o procurador Janot em seu relatório”, defendeu-se Requião, que continuou: “Estamos na tentativa de pôr uma ordem nessa bagunça a favor de prerrogativas corporativas”.
Em nota enviada logo após a sessão da CCJ desta quarta (19), a Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) divulgou nota afirmando que o parecer de Requião “confirma a preocupação de promotores e procuradores de Justiça quanto aos riscos à atuação do MP frente às mudanças anunciadas pelo relator do projeto”.
Para a presidente da entidade, Norma Cavalcanti, a proposta “consolida a possibilidade de vingança privada dos investigados e possíveis criminosos contra aqueles que investigam e julgam os processos”.
“Essa medida que inclui no texto a possibilidade da ação penal privada abre margem, por exemplo, para que um investigado na operação Lava Jato ou um traficante, um estuprador, possa livremente propor uma ação criminal contra um promotor ou um magistrado que o esteja investigando o que vai julgá-lo e conseguir, assim, além da intimidação, um possível impedimento.
Ou seja, o afastamento e o livre enfraquecimento da atuação desses profissionais. Isso abre um precedente grave para que os poderosos escolham quem irá processá-los ou julgá-los.”
VISTA
Apesar dos apelos dos defensores para que a votação ocorresse ainda na sessão desta quarta, Lobão acabou cedendo ao grupo contrário à proposta devido às modificações feitas por Requião. Mas avisou que o relatório estará em pauta na próxima semana.
“A próxima sessão de quarta [26] será de discussão e votação definitiva. Não admitiremos mais obstrução e nenhuma outra chicana regimental”, afirmou o presidente da CCJ.
Autor do projeto, o ex-presidente da Casa Renan Calheiros (PMDB-AL) criticou o que chamou de “procrastinação”. “Precisamos cumprir o papel constitucional que estamos obrigados a cumprir por quem nos elegeu, independentemente de interesse de corporação, que cada vez mais é evidente aqui nesta Casa”.
Jader Barbalho (PMDB-PA) também cobrou a votação em breve. “Devemos votar de vez senão estaremos passando um atestado público para o Brasil de que estamos com medo de enfrentar essa questão”.
O senador aproveitou para alfinetar os críticos da proposta. “Eu não sei por que o medo, porque isso vai ser acompanhado pelo Ministério Público, se vai ser julgado pelo poder Judiciário, de que essa gente está com medo? Está com medo de ficar impedido de cometer violência”, finalizou.
Jader é um dos 20 senadores da CCJ -o colegiado tem 27 titulares e 27 suplentes- investigados na Lava Jato. Ao todo, são 28 senadores com inquéritos decorrentes da operação.
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