23 de dezembro de 2024
Brasil

Carlos Heitor Cony morre aos 91 anos no Rio

Cony morreu aos 91 anos. (Foto: Academia Brasileira de Letras)
Cony morreu aos 91 anos. (Foto: Academia Brasileira de Letras)

O romancista, escritor, jornalista e colunista da Folha de S.Paulo, Carlos Heitor Cony morreu por volta das 23h desta sexta-feira (5) aos 91 anos, no Rio de Janeiro. Ele estava internado no Hospital Samaritano e morreu em decorrência de falência múltipla dos órgãos. A informação foi confirmada pela ABL (Academia Brasileira de Letras), da qual ele era membro desde 2000.

O Carlos Heitor Cony que conhecemos -cronista ácido e lírico, romancista prolífico de texto ágil e conciso- forjou-se de uma brincadeira e de uma clausura. A primeira se deu aos oito anos de idade, quando o garoto, que por problemas de formação pronunciava ditongos com dificuldade e trocava letras ao falar (o “g” pelo “d”, por exemplo), foi desafiado pelo irmão mais velho e amigos, numa festinha, a dizer “Dona Jandira adora um fogão”. Ingenuamente, disse-o, e foi objeto de agressiva caçoada. Angustiado, em seguida escreveu “fogão” inúmeras vezes numa folha de papel e mostrou-a ao mesmo grupo, que nisso não viu graça alguma. Donde o menino concluiu que, se não falava direito, podia escrever corretamente e ter, na escrita, uma forma de defesa e de manifestação da qual ninguém podia caçoar.

Nascido em 14 de março de 1926, em Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio de Janeiro, Cony fora considerado “mudo” pela família até os quatro anos de idade. Só emitira o primeiro som ao levar um susto na praia de Icaraí (Niterói) ante o surgimento de um hidroavião vermelho vindo do mar em direção à areia. Em 1941, quando já estava com 15 anos, uma cirurgia poria fim ao problema.

Já a clausura -segundo pilar do Cony que conhecemos- foram os anos passados no Seminário Arquidiocesano de São José, no Rio Comprido, de 1938 a 1945, período em que estudou os clássicos gregos e romanos, praticou diversas línguas, conheceu música lírica e, principalmente, trocou muitas idéias, em especial consigo mesmo.

Do seminário, onde ingressara por vontade própria e de onde saiu aos 19 anos de idade meses antes de obter a tonsura, Cony herdou grande capacidade de concentração e o hábito de sempre se ocupar com alguma coisa, o tempo inteiro, além do gosto pela liturgia. Mas conheceu, também, o valor da dúvida, a experiência dolorida da ruptura e o alto custo a pagar pela livre expressão de pensamento e opinião.

Em “Informação ao Crucificado” (ficção com tonalidade autobiográfica em forma de diário publicada em 1961), o jovem seminarista João Falcão relata o tenso e decisivo diálogo no qual, acuado, respondendo a uma pergunta do Senhor Arcebispo (“por que você quis ser padre?”), explicava: “Porque achei bonito ser padre. Bonito e difícil”. Pouco a ver com “levar almas a Deus” ou com apego religioso, portanto. Réplica do Arcebispo: “…ou você muda radicalmente sua maneira de pensar, ou faça-me o extraordinário favor de abandonar o quanto antes o Seminário”.

Ao longo dessa experiência, solidificou-se uma personalidade marcada pelo ceticismo, alérgica a grupos -fossem ou culturais-, assumidamente individualista e, por isso mesmo, também errática, imprevisível.

Em maio de 2000, no discurso de posse da cadeira número 3 da Academia Brasileira de Letras, Cony definiu-se, citando Eça de Queiroz, como um “anarquista entristecido, humilde e inofensivo”. “Não tenho disciplina suficiente para ser de esquerda, não tenho firmeza suficiente para ser de direita e não tenho a imobilidade oportunista do centro”.

Em 1946, aos 20 anos, como quem busca um novo eixo, o ex-seminarista ingressa na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Abandona a instituição, porém, no ano seguinte. De 1948 a 1950, freqüenta o Curso de Preparação de Oficiais de Reserva (CPOR). Nesse intervalo, casa-se, em 1949. Nascem as filhas Regina Celi (1951) e Maria Verônica (1954). Ao longo da vida, Cony terá mais três casamentos formais e duas uniões informais -além de um filho, André Heitor, nascido em 1973.

Filho de Julieta de Moraes e do modesto jornalista Ernesto Cony Filho -morto em 1985 aos 91 anos de idade e celebrizado em 1995 como protagonista de “Quase Memória”-, Cony ingressa oficialmente no jornalismo aos 26 anos, em 1952, como redator na Rádio Jornal do Brasil. Antes tivera passagens como “setorista” da Gazeta de Notícias na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em substituição ao pai. Foi também no lugar do pai -vítima de uma isquemia cerebral- que Cony passou a ser credenciado pelo “Jornal do Brasil”, em 1955, na Sala de Imprensa da Prefeitura da cidade.

O primeiro romance (“O Ventre”) é escrito nesse ano. Em 1956, o autor o inscreve sob pseudônimo para o Prêmio Manuel Antonio de Almeida, concurso da Prefeitura. A comissão julgadora considera o livro “muito bom”, mas nega-lhe o prêmio por achá-lo forte demais para um certame oficial.

Em apenas nove dias, para cumprir o prazo de inscrição, o autor produz seu segundo romance, “A Verdade de Cada Dia”, e com ele vence o concurso, em 1957. Com “Tijolo de Segurança”, recebe o mesmo prêmio, em 1958.

Os três romances viriam a ser publicados respectivamente em 1958, 1959 e 1960 pela Civilização Brasileira, dirigida por Ênio Silveira, que “adota” Cony como autor de ponta da prestigiosa editora. Seguem-se “Informação ao Crucificado” (1961), “Matéria de Memória” (1962) e “Antes, o Verão” (1964).

Nessa inusitada avalanche de romances, a crítica observou a composição de um retrato impiedoso da classe média carioca, em compasso existencialista com elevada dose de autocomiseração, assim como a expressão do vazio individual, da incomunicabilidade e da ausência de perspectivas coletivas -tudo isso, na perfeita contramão da euforia da era Juscelino Kubitscheck. Voluntária ou involuntariamente, Cony já assumia, em todas essas obras, a postura muito própria de enfrentamento que marcaria toda a sua trajetória pessoal e profissional.

Ao comentar “A Verdade de Cada Dia” em 1961, o crítico Paulo Rónai classificava os romances de Cony como “chocantes e pungentes”, com um “lugar definitivo na história da ficção brasileira”. Na “História Concisa da Literatura Brasileira”, Alfredo Bosi via a obra do autor como uma “experiência cortante de neo-realismo psicológico”.

O projeto inicial do ficcionista, segundo confidenciou o próprio em diferentes ocasiões, era compor um conjunto de dez romances, uma série sobre a “condição humana”. Auto-ilusão, sem dúvida, pois Cony, desde o início, sempre foi, acima de tudo, uma máquina humana de escrever; vulcânica, acelerada, infatigável, fora de controle do próprio dono.

Não só produziu bem mais do que dez romances (foram 16 no total), como enveredaria incansavelmente pela crônica e outros vários gêneros: romance-reportagem, biografias, ficção infanto-juvenil, adaptações de clássicos nacionais e estrangeiros. No total, sua produção reúne 65 publicações, sem falar naquelas realizadas em parceria ou a participação em coletâneas.

Certamente não tinha preocupação de fazer obras-primas. Escrevia, simplesmente, de modo compulsivo, como extensão, no papel, de sua fisiologia. Muitas vezes se classificou como um autor “sem estilo” -embora, segundo diferentes críticos, isso esteja longe da realidade. Sempre auto-irônico, disse numa entrevista: “Acho que já poluí demais o mercado editorial. O Ibama deveria tomar uma providência contra mim”.

Se o reconhecimento literário veio cedo, expresso em prêmios e resenhas elogiosas, foi como cronista -cuja estréia se deu em 1962 no “Correio da Manhã” (onde fora contratado em 1960 como copidesque e depois editorialista)-que Cony surgiu para uma faixa mais ampla de leitores. A coluna, em revezamento com o escritor Otávio de Faria (1908-1980), chamava-se “Da arte de falar mal”.

Quando de sua reunião em livro, em 1963, o crítico Fausto Cunha destacou o domínio da língua e a temática individual, elogiando-lhe, entre outros aspectos, a “audácia da afirmação”, uma qualidade, segundo ele, ausente em “nossos cronistas”.

A explosão pública de Cony, porém, ocorreria no ano seguinte, logo após o Golpe de 1964. E não por acaso. Avesso a grupos, sem laços partidários nem compromissos programáticos, o cronista pôde se dar o luxo de, a partir de abril daquele ano, agir por instinto, atirar sozinho, expor-se como e quando achasse melhor em reação à implantação do regime militar.

As crônicas dos dias e semanas imediatamente posteriores ao Golpe são de uma ousadia sem igual em toda a imprensa. Cony dava nome aos bois. Chamava o Golpe de “quartelada”, ironizava a presença político-militar dos Estados Unidos no país, investia contra os altos comandantes do novo regime.

O impacto de seus textos era proporcional ao pasmo que tomara conta da maior parte dos setores atingidos pelo golpe, ainda mais por serem provenientes de um autor antes freqüentemente tachado de “alienado” e individualista -rótulos que ele próprio, diga-se, nunca rejeitou.

“Era o nosso respiradouro”, escreveu em 1996 Moacyr Scliar. Testemunha o também escritor Luiz Fernando Veríssimo: “Em pouco tempo, aquele ato, ler o Cony, se tornou um exercício vital de oxigenação para muita gente, e a sua coluna uma espécie de cidadela intelectual em que também resistíamos -mesmo que a resistência consistisse apenas em dizer “É isso mesmo!”, ou “Dá-lhe, Cony!”, a cada duas frases lidas. “Leu o Cony hoje?”, passou a ser a senha de uma conspiração tácita de inconformados passivos cujo lema silencioso seria “Pelo menos, eles não estão conseguindo engambelar todo o mundo”.

Os relatos da noite de autógrafos de “O Ato e o Fato, livro que reuniu essas crônicas poucos meses depois de publicadas em jornal, dão conta de um sucesso retumbante: mais de 1.600 exemplares vendidos na ocasião; edição esgotada em poucas semanas.

Aquilo que socialmente aparecia como protesto politizado, engajamento determinado e firme, tinha para o autor, porém, um sentido diferente, particular: mais dever de consciência do que atitude programática. Cony explicou certa vez: “(…) não tive motivação política alguma para escrever como escrevia (…) não estava em jogo o fato político: estava em jogo, em grande parte, um lado humano. Pessoas que trabalhavam comigo desapareciam, eram espancadas nas ruas, eram torturadas… Foi um espetáculo deprimente, abominável (…) Isso tudo me enojou de uma tal maneira que eu comecei a escrever sobre o assunto. E com uma violência toda pessoal”.

A ousadia valeu-lhe fama e simpatia, mas custou-lhe, também, inúmeros transtornos. As filhas foram ameaçadas por militares, que rondavam o prédio onde Cony morava, no Posto 6, em Copacabana. O então ministro da Guerra, general Costa e Silva, moveu ação com base da Lei de Segurança Nacional, considerando as crônicas ofensivas às Forças Armadas. Mais tarde, a defesa do jornalista conseguiu que o processo ocorresse sob a Lei de Imprensa (em que as penas eram menores). Cony foi condenado a três meses de prisão, com direito a sursis.

De 1964 a 1972, sofreria 12 processos, sendo detido em seis oportunidades; na mais grave delas, ao final de 1968, com a decretação do Ato Institucional No 5, chegou a ficar quase um mês na prisão. Em 1965, sob pressão, o escritor deixa o “Correio da Manhã” e começa a trabalhar nas Edições de Ouro (Ediouro) -fazendo adaptações de clássicos, traduções e prefácios-, além de colaborar com diferentes publicações. Chega a escrever uma telenovela (“Comédia Carioca”) para a TV Record, censurada.

No começo de 1966, sai o romance “Balé Branco”, dedicado a Carlos Drummond de Andrade, Austregésilo de Athayde, Alceu Amoroso Lima e Fernando de Azevedo, os quais haviam deposto em favor de Cony na Justiça durante o processo que sofrera pela ação de Costa e Silva.

Nesse período publicaria, entre outros livros, uma coletânea de contos (“Sobre Todas as Coisas”, 1968) e produziria, para a Bloch Editores, reportagens que mais tarde redundaram no livro “Quem Matou Vargas?” (1972).

A Civilização Brasileira edita em 1967 o mais polêmico dos romances do autor: “Pessach: a Travessia”, obra que tematiza o drama vivido por boa parte da esquerda e da intelectualidade em relação ao engajamento ou não na luta armada contra a ditadura. Embora com uma orelha assinada pelo filósofo Leandro Konder, um dos responsáveis então pela política cultural do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o livro é explicitamente crítico quanto ao papel desempenhado por essa organização no enfrentamento ao regime.

Primeira ficção com fundo político de Cony, “Pessach” causou debate até mesmo na sua reedição, em 1997, oportunidade em que o autor afirmou ter sido boicotado à época pelos jornalistas e intelectuais ligados ao PCB na difusão do livro -denúncia contestada por dirigentes comunistas daquele período como Ferreira Gullar e o próprio Konder.

Em circunstâncias políticas e pessoais desconfortáveis, Cony viaja ao exterior, passando por Paris, Moscou, Praga e Havana. Na capital cubana -inicialmente como jurado do concurso Casa de Las Américas-, permanece durante onze meses, entre 1967 e 1968.

Sem perspectiva profissional, na volta ao Brasil Cony aceita o convite de Adolpho Bloch para trabalhar no seu grupo editorial -cujo apoio aos governos militares era explícito-, onde permaneceria por cerca de 30 anos. No dizer do próprio jornalista, foi uma opção por ajustar-se a uma espécie de “prisão de luxo”, com bons salários e viagens constantes ao exterior.

Ali, de início, ajudou a finalizar o livro das memórias de Juscelino Kubitschek, para depois exercer sucessivamente diversos cargos executivos, dirigindo revistas de entretenimento como “Ele & Ela”, “Desfile” e “Fatos & Fotos”.

Em meados dos anos 70, passaria a escrever para a “Manchete”, carro-chefe da Bloch, datando de 1976 a entrevista que realizou com o delegado Sergio Paranhos Fleury, do Dops, então símbolo maior da aplicação da tortura no Brasil, fato que lhe rendeu ainda mais animosidade por parte da oposição ao regime.

Para a esquerda, ao integrar o grupo de Bloch Cony fizera uma espécie de pacto com o diabo. Para a geração mais nova, que começava a entender alguma coisa apenas em meados dos anos 70, seu nome já se associava, ainda que indiretamente, à zona de influência do regime -o mesmo que ele combatera anos antes de modo tão escancarado e impetuoso.

Mas o “lobo solitário de feroz individualismo” (expressão de Ênio Silveira) não estava nem um pouco incomodado com tudo isso. Arredio, reagiu de maneira bem própria, bem “conyniana”, escrevendo o romance “Pilatos” (1974).

Trata-se de um livro cáustico, com traços escatológicos e pornográficos, cujo protagonista, um sujeito que fora castrado depois de sofrer um acidente, perambula pelas ruas do Rio com seu pênis preservado num vidro de compota.

Um texto “originalíssimo (…) não tem semelhança com nenhuma outra obra da literatura brasileira”, nas palavras de Otto Maria Carpeaux. “(…) Este romance pede inteligências abertas, capazes de descobrir, em meio à falação desabrida, ao grotesco à la Goya ou à mordacidade à Daumier, o quanto há de humano, sofrido e pungente nessa parábola escrita antes com sangue e lágrimas do que com riso”, analisava Mário da Silva Brito.

Cony sempre viu em “Pilatos” o seu melhor livro. Não tanto pelas qualidades literárias, mas principalmente por ser, segundo dizia, o único que o expressava integralmente e que só ele poderia ter escrito. Com essa obra, ele “chuta o pau da barraca”, à esquerda e à direita. Lava as mãos e se despede da ficção.

Nesse período, segundo contava, vivia feliz, um “clone às avessas do seminário”. Sentia-se bem casado, passou a andar com rabo-de-cavalo, vestia calça vermelha, pintava quadros, viajava. Teve um filho e uma neta. Assessorava Bloch em assuntos pessoais e profissionais. Publicou livros-reportagem e pequenas obras infanto-juvenis. No final da década de 1980, chegou a assumir o departamento de teledramaturgia da TV Manchete e a esboçar sinopses de novelas como “Kananga do Japão” e “Dona Beja”.

Por que deixou de produzir literatura? Ele mesmo respondia: “Preferi viver. A vida estava boa, divertida, foi uma fase em que não senti necessidade de escrever”. Como o publicitário Augusto Richet de “A Casa do Poeta Trágico” (1997), porém, Cony “se recusava ao crepúsculo”.

Em março de 1993, por sugestão do colunista Janio de Freitas, ele volta a ficar sob os holofotes da mídia, assumindo a coluna “Rio de Janeiro” da página A2 da Folha de S.Paulo, antes assinada por Otto Lara Resende.

Seu público mais antigo retoma o contato diário com uma verve ímpar, independente, carregada de anedotas curiosas e vastas experiências, sem ser, no entanto, saudosista. Para os leitores mais jovens, surge uma prosa cuja contundência, vivacidade e agilidade nem de longe denunciam tratar-se, na verdade, de um retorno.

A energia produtiva de Cony, que de novo se manifestava em crônica diária, serviu-lhe, também, para retomar a ficção num momento de infelicidade, dois anos depois, quando obrigou-se a permanecer noites acordado a cuidar de sua setter Mila, gravemente adoecida.

Nesses momentos, sem premeditação, acabou por escrever, num período intensivo de três semanas, o livro “Quase Memória” (1995), misto de romance, reportagem e crônica centrado na figura de Ernesto Cony Filho, obra que marcou a sua volta ao mundo da ficção.

Mais do que elogio à personagem pitoresca do velho jornalista, trata-se de um lírico pedido de desculpas do filho pelo desprezo que sempre alimentara em relação ao pai. Mila, a cadela, morreria poucos dias antes de encerrar-se o livro, que é a ela dedicado.

O êxito de crítica e de público desse “quase romance” levou Cony a deixar para trás a promessa, feita mais de vinte anos antes, de abandonar a literatura. Aos 70 anos de idade, ele inaugura uma nova avalanche de romances: “O Piano e a Orquestra” (1996), “A Casa do Poeta Trágico” (1997), “Romance sem Palavras” (1999), “O Indigitado” (2001), “A Tarde da sua Ausência” (2003) e “O Adiantado da Hora” (2006).

Com esses livros, receberá sucessivamente oito prêmios literários, dentre eles o “Machado de Assis”, da Academia Brasileira de Letras (ABL), pelo conjunto da obra, em julho de 1996. No mesmo ano, em agosto, passa a integrar o Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e a assinar uma coluna na Ilustrada aos sábados. Retoma a rotina de conferências em universidades ou instituições culturais, passa a fazer comentários em rádio.

Em 1998, recebe do governo francês, em Paris, a comenda de Chevalier da Ordre des Arts et des Lettres. Em março de 2000, é eleito para a cadeira número 3 da ABL, com 25 dos 37 votos possíveis.

O pessimismo desabrido e incisivo, os comentários ferinos e a postura amarga de “soy contra” -em especial dirigida os governos de plantão (antes João Goulart ou os militares, depois FHC ou Lula)- certamente levou muita gente a imaginar Cony como um homem intratável e rabugento. Nada mais falso, porém.

Divertido, com um brilho quase infantil nos olhos pequeninos, fácil de fala, Cony era um sedutor de conversa rica e sempre prolongada. Um galanteador irreverente, cético e meio cínico. Brincalhão e autoirônico. Quase sempre calçava tênis, trajes descontraídos, com um discreto charme nos onipresentes suspensórios. Em palestras, era envolvente e fazia rir com facilidade.

Alimentava muitas histórias, às vezes sugestivamente fantasiosas, sobre si mesmo. Entre a memória e a invenção, seus textos -seja na crônica seja no romance-e suas entrevistas transpiram essa figura. Em 2016, em entrevista à Folha de S.Paulo, disse que havia retomado o projeto do livro “Messa pro Papa Marcello”, espécie de continuação de “Informação ao Crucificado” (1961).

Nas instituições por que passou, Cony sabia aliar o estilo informal, às vezes galhofeiro, ao rigor cerimonial das reuniões e ao cumprimento dos prazos imperativos da produção editorial. Assim nos tempos da “Manchete” e mais tarde na Folha de S.Paulo; assim nos compromissos da Academia.

Embora agnóstico, mantinha em casa uma pequena imagem de Santo Antônio. Nos últimos anos, especialmente a partir de um problema grave de saúde sofrido em 1991 que o levou à UTI de um hospital e a sofrer uma anestesia de nove horas de duração, tornou pública uma revisão interna a respeito do tema (religiosidade). Em depoimentos, manifestou apego a santos (José e Maria, além de Antônio) e uma aproximação com a idéia da existência de Deus.

Tal movimento deveria se expressar, ou melhor, deveria burilar sua própria definição na escritura do romance “Messa pro Papa Marcello”, um projeto de décadas, sintomaticamente inacabado. Nele, o ex-seminarista em crise João Falcão, de “Informação ao Crucificado”, ressurgiria muitos anos depois, buscando resolver seu “drama” religioso, o mistério íntimo que Cony -homem que sempre escreveu com rapidez e facilidade- aparentemente nunca logrou solucionar.

Em 2001, surgiu outro problema de saúde, que o acompanhou até a morte: o escritor foi diagnosticado com um câncer linfático. Com a quimioterapia, perdeu força nos braços e nas pernas. Em 2013, levou um tombo na Feira de Frankfurt. O impacto gerou um coágulo em seu cérebro.

Bernardo Ajzenberg, jornalista e escritor, é coordenador-executivo do Instituto Moreira Salles, ex-ombudsman da Folha de S.Paulo e autor de “A Gaiola de Faraday” (Rocco), entre outros.

(FOLHA PRESS)


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