Ao mesmo tempo em que o país discute a eficácia de seu sistema de inspeção sanitária, após a Operação Carne Fraca, o abate de animais realizado fora do escrutínio do Ministério da Agricultura e das vigilâncias estaduais e municipais cresce no Brasil.
A recessão impulsionou o indicador que estima a informalidade no abate, uma prática que vinha em trajetória de queda na década passada.
Dados do IBGE mostram que o número de cabeças de bovinos abatidas sob algum tipo de inspeção sanitária foi de 29,67 milhões em 2016. Já o volume de peças de couros inteiras recebida pelos curtumes ficou em 33,62 milhões, embora devesse coincidir com a quantidade de carnes oficialmente registradas.
Como tem valor agregado alto, o couro acaba sendo levado ao mercado de couro cru (o que resulta em contabilização pelo IBGE), ainda que o animal tenha sido abatido, e sua carne, consumida fora das estatísticas oficiais.
Essa diferença entre os couros e as carnes pode ser entendida como uma aproximação do tamanho do abate informal no país. O abate não fiscalizado subiu de 7,5% em 2015 para 11,7% em 2016.
São casos como o de Tonho da Faca, 59, sertanejo da zona rural no entorno do município de Irecê (BA) reconhecido pela vizinhança como “bom matador” pela habilidade ao abater animais que os moradores da região engordam em seus quintais.
Ele foi convocado pelos vizinhos para matar um porco na madrugada de sexta (24). Pelo serviço, foi recompensado levando para casa a cabeça e outras partes do animal.
Como ele, Zé do Figo, 55, também é referência na comunidade para o abate de animais em pequena escala. Em troca, aceita receber partes do animal, mas também faz de graça ou por pequenas quantias, em torno de R$ 10. Um bode vivo pode ser comprado por menos de R$ 5 por quilo para ser abatido.
“Não dá para viver disso. Eu também troco moto, jegue. Mato cobra. Faço de tudo.”
Figo é especialista na matança de caprinos e ganhou esse apelido –que é uma contração da palavra fígado– ao fazer clientela vendendo as vísceras dos bodes que abate.
A figura do “matador” é central na dinâmica do consumo de carnes em zonas rurais e pequenos municípios do país. Os Estados que concentram o maior percentual de abate não fiscalizado são Minas, Pará e Bahia, segundo estudo coordenado pelos professores Silvia Miranda e Sérgio De Zen, da Esalq, escola de agricultura da USP.
“Acontece no Norte e no Nordeste porque são lugares em que há menor desenvolvimento. No caso de Minas, se deve ao grande número de municípios muito pequenos, sem estrutura local de fiscalização e com mercados pequenos”, afirma De Zen.
Além das famílias que criam para consumo próprio, pequenos açougues se abastecem dos animais que produtores familiares abatem com a ajuda de um matador.
O abate sem fiscalização é considerado clandestino ou ilegal apenas se for usado para comercialização, segundo a Anffa (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários). Nas hipóteses de consumo próprio ou troca, não há ilegalidade.
Para a professora da Esalq Silvia Mirante, a carne abatida em baixa escala nos pequenos municípios pode até ter qualidade superior, ao aproximar o consumidor do produtor, permitindo que a ponta final conheça e avalie o produto diretamente.
Como a oferta é pequena, o consumo de um animal termina em poucos dias, enquanto o produto ainda é fresco. Não está descartado, porém, o risco de contaminação após o abate.
O Ministério da Agricultura não respondeu se há tolerância com o abate informal para comercialização feito pelo pequeno produtor. O órgão disse apenas que a competência de fiscalização é dos três entes da Federação e que ele fiscaliza “preferencialmente” os estabelecimentos submetidos ao sistema federal.
(FOLHA PRESS)
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