30 de dezembro de 2024
Brasil

Ataques de Bolsonaro à Folha geram campanha virtual de defesa do jornal

A série de ataques que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) vem fazendo contra a Folha de S.Paulo teve como um de seus efeitos colaterais uma campanha virtual incentivando a assinatura do jornal. 

Nesta segunda-feira (29), em sua primeira entrevista ao Jornal Nacional como presidente eleito, o capitão reformado voltou a atacar a Folha: “Por si só, esse jornal se acabou”.

William Bonner, apresentador e editor-chefe do noticiário, o havia questionado sobre como ele, que “sempre se declara um defensor da liberdade de imprensa”, em “determinados momentos chegou a desejar que um jornal deixasse de existir”. 

Bolsonaro se disse “totalmente favorável à liberdade de imprensa”, com um adendo: “Temos a questão da propaganda oficial de governo, que é outra coisa”. Ele vem ameaçando cortar verbas publicitárias que o governo federal destina a veículos da imprensa que fazem reportagens que lhe desagradam, sobretudo a Folha de S.Paulo e a Rede Globo. 

Bonner em seguida defendeu o jornal. “A Folha é um jornal sério, é um jornal que cumpre um papel importantíssimo na democracia brasileira, é um papel que a imprensa profissional brasileira desempenha e a Folha faz parte desse grupo da imprensa profissional brasileira”

O servidor público estadual Delmir de Andrade, 32, está entre os que resolveram assinar a publicação:  “Hoje de manhã, logo que acordei, refiz minha assinatura da Folha de S.Paulo. Seu papel em defesa da liberdade de expressão e dos valores democráticos nessas eleições foi digno de respeito e consideração. Não existe jornalismo de qualidade de graça. É preciso valorizar o trabalho realizado”.

Ele contou que havia deixado de pagar pela publicação “há um ou dois anos” por discordar da “linha editorial” que, na sua concepção, os cadernos Poder e Mercado vinham tomando. “Estava com muita opinião e diminuindo o jornalismo analítico, investigativo e plural, que sempre foram as principais marcas do jornal”.

Mudou de ideia. “Nas eleições de 2018, a Folha defendeu abertamente valores democráticos e republicanos, sem tomar partido ou lado nas disputas eleitorais. Resolvi, assim, refazer minha assinatura.”

A empresária Marina Braga, 28, nunca foi assinante. Passará a ser agora, diz. “Para contestar a opressão do governo eleito. Acredito em liberdade de imprensa, apesar de achar que precisamos melhorar muito nesta área”, afirma.

“Mas atacar meios de comunicação por fazer críticas ao governo ou ao então candidato apenas prejudica a nossa democracia. E o primeiro passo como cidadãos, para apoiar o jornalismo e a liberdade de imprensa, é assinando meios de comunicação para continuarem com seu trabalho de informar e investigar.”

Multiplicam-se, nas redes sociais, relatos afins, como o de Henrique Costa no Twitter: “Eu assinei a Folha digital nesta semana, pela primeira vez. Cancelei a Netflix para assinar a Folha, tal a importância do momento.”

“Amanhã mesmo vou assinar a Folha. Façam isso. Alguém tem que continuar fazendo jornalismo de verdade neste país”, escreveu Priscas [nome do perfil] no Twitter. Outros sugeriam uma campanha para assinar o jornal. “Eu acho que temos que fazer uma campanha para quem puder assina a Folha”, foi a mensagem de @perdyhoward.

Esse movimento está acontecendo desde o dia 18, quando o jornal publicou reportagem mostrando que empresários impulsionaram disparos por WhatsApp contra o PT.

Nesta terça (30), teve adesão do ex-prefeito do Rio Eduardo Paes, que perdeu a disputa pelo governo fluminense para o juiz Wilson Witzel, do PSC.

“Acabei de renovar assinatura da @folha. Aliás, tô sempre com o @italonogueira_no meu pé. Função dele né? Aliás, já tem umas 3 semanas que o @alvaromarechal não me detona em sua coluna! Falta eu não sinto das pancadas que ele dá, mas respeito as opiniões, por mais duras que sejam.

E adoro que a  @catia_Seabra esteja em São Paulo. Mas se voltar para o Rio para ficar no meu pé, continuarei assinando. São necessários!”, escreveu no Twitter, referindo-se aos jornalistas Italo Nogueira e Catia Seabra e ao colunista Alvaro Costa e Silva, os três a serviço do jornal.

O post teve comentário de diversas pessoas, entre eles o humorista Marcelo Adnet, que escreveu: “É isso”, seguido de símbolos de aplausos.

No mesmo dia em que o presidente eleito alvejou a Folha de S.Paulo no JN, um de seus rivais na corrida eleitoral, o ex-governador Geraldo Alckmin, descreveu sua postura como “um acinte”. “Os ataques feitos hoje pelo futuro presidente à Folha de S.Paulo representam um acinte a toda a imprensa, e a ameaça de cooptar veículos de comunicação pela oferta de dinheiro público é uma ofensa à moralidade e ao jornalismo nacional”, tuitou.

Ex-colunista do jornal, a economista Monica de Bolle foi às redes sociais declarar seu apreço pelo jornalismo que a Folha de S.Paulo faz. “Bolsonaro disse que cortará qualquer financiamento público ao jornal Folha de S.Paulo, caso eleito. Acabo de me tornar a mais nova assinante da Folha, o jornal que está dando um show de cobertura nessas eleições. Convido tod@s a considerarem fazer o mesmo.”

Outra a defender o jornal foi Míriam Leitão, colunista de O Globo: “Eu quero um Brasil com a Folha de S. Paulo. Longa vida ao jornal do grande e saudoso Otavinho Frias”, disse pelo Twitter, citando o diretor de Redação Otavio Frias Filho (1957-2018), morto em 21 de agosto.

Antes mesmo do segundo turno, o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso já havia saído em defesa do jornal, na quinta (25). “Intimidações a pessoas, jornais ou a quem seja são inadmissíveis. Repudio ameaças à Folha e a seus jornalistas, com energia. Os democratas, apoiem um candidato ou outro, votem em branco ou nulo, têm o país, o respeito à divergência e a liberdade de pensamento acima de tudo.”

Uma semana antes da eleição, Bolsonaro fez um duro discurso contra o jornal, transmitido ao vivo para seus apoiadores em telões na avenida Paulista.

“A Folha de S.Paulo é a maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo”, afirmou sob gritos empolgados da plateia. “Imprensa vendida, meus pêsames.”

Movimento similar aconteceu com o New York Times, um dos alvos prediletos do presidente dos EUA, Donald Trump, que acusa o jornal de ser um celeiro de fake news.

A receita e o número de assinaturas do jornal têm crescido na garupa do que especialistas da mídia batizaram de “Trump Bump”, uma onda de leitores dispostos a assinar publicações sob mira do presidente.


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