O número de homicídios de jovens de 15 a 29 anos no Brasil cresceu 23% de 2006 a 2016, quando atingiu o pico da série histórica, com 33.590 vítimas nesta faixa etária. No caso mais extremo, do Rio Grande do Norte, o número de jovens mortos avançou 382% no período. Em outros oito estados, o incremento foi de mais de 100%.
Com isso, em dez anos, o Brasil enterrou 324.967 jovens assassinados -quantidade equivalente à soma, por exemplo, das populações dos bairros de Copacabana, Ipanema, Leblon e Botafogo, no Rio. Os dados constam do Atlas da Violência 2018, publicação do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG que reúne especialistas no tema.
Por causa da curva crescente nos assassinatos de jovens no país, a taxa de homicídio deste grupo etário em 2016 representava mais que o dobro (65,5 mortos por 100 mil habitantes) que a taxa média da população brasileira (30,3/100 mil). Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a taxa global de homicídio de pessoas de 15 a 29 anos é de 10,4 mortos por 100 mil habitantes.
O incremento destas estatísticas segue as desigualdades regionais brasileiras e, em 2016, ao menos seis estados mantinham índices de homicídios de jovens superiores a 100 casos por 100 mil habitantes: Sergipe (142,7), Rio Grande do Norte (125,6), Alagoas (122,4), Bahia (114,3), Pernambuco (105,4) e Amapá (101,4).
Se observarmos apenas os jovens mortos do sexo masculino, que representam 94% dos casos, a taxa média nacional sobe para 122,6 jovens assassinados por 100 mil habitantes nesta faixa etária, e as taxas dos mesmos estados líderes desta tragédia quase duplicam.
De 2015 a 2016, a variação na taxa de homicídio de homens jovens foi de quase 90% de aumento no Acre. Já em São Paulo, o índice recuou 14%. Na Paraíba, estado que criou uma política pública de redução de homicídios em 2011, a taxa caiu 14,5%.
“Índices de homicídio de jovens acima de 100 por 100 mil habitantes tornam inviável qualquer projeto de futuro para o país”, afirma Renato Sérgio de Lima, diretor-executivo do fórum.
PRETOS E PARDOS
“Existe um massacre da juventude brasileira, principalmente nas regiões Nordeste e Norte. E precisamos de soluções urgentes para esse problema. Em ano eleitoral, temos de questionar: o que vamos fazer para enfrentar esses números absurdos? Que política pública está sendo proposta para isso?”, diz Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Segundo Lima, o Brasil vive um cenário de “mortalidade extremamente cruel e seletivo em termos regionais e de perfil das vítimas”. Isso porque os negros também têm sido progressivamente mais assassinados do que não-negros. De 2006 a 2016, o número de negros alvo de homicídio aumentou 23%, enquanto o de não-negros diminuiu 6,8%.
Em 2016, a taxa de homicídio de pretos e pardos (40,2/100 mil) era duas vezes e meia maior que a de não negros (16/100 mil). Já a taxa de mortes violentas intencionais de mulheres negras era 71% mais alta que a de mulheres não-negras.
O relatório do Atlas da Violência 2018 destaca um caso emblemático no recorte racial da violência letal no Brasil: Alagoas tem a terceira maior taxa de homicídios de negros (69,7%) do país e a menor taxa de morte de não-negros (4,1%). É como se os não-negros alagoanos vivessem nos EUA, que em 2016 registrou taxa de 5,3 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto os negros alagoanos morassem em El Salvador, cuja taxa bateu 60,1 mortos por 100 mil habitantes em 2017.
De acordo com o documento, os fatores que impulsionam a violência letal no Brasil são a profunda desigualdade econômica e social, a falta de articulação e de políticas do sistema de segurança pública, a forte presença de mercados ilícitos e facções criminosas, e o grande número de armas de fogo espalhadas pelo país.
As estatísticas para o total da população não são menos dramáticas e, em 2016, o país bateu novo recorde de número de homicídios, com 62.517 mortes, o que se traduz na taxa também recorde de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, o que corresponde a 30 vezes a taxa de homicídios da Europa. Em dez anos, 553 mil pessoas foram assassinadas no Brasil -o que equivale a mais que a população da cidade de Florianópolis (485.838) ou da capital de Rondônia, Porto Velho (519.436).
O Atlas da Violência usa dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, e verificou que têm aumentado muito os casos registrados como Morte Violenta por Causa Indeterminada (MVCIs), o que poderia contribuir para reduzir as taxas de homicídio oficiais.
Isso ocorreria porque uma parte dessas MVCIs seria, na verdade, composta por homicídios registrados de forma errada. Os estados com maior proporção de mortes com causa indeterminada em relação ao total de mortes violentas foram Minas Gerais (11%), Bahia (10,8%), São Paulo (10,2%), Pernambuco (9,4%) e Rio de Janeiro (9%).
ESTUPRO DE ADOLESCENTES
Pela primeira vez, o Atlas da Violência fez um estudo detalhado da violência sexual contra a mulher e aponta que quase 51% dos estupros ocorridos no Brasil em 2016 tenham vitimado meninas com menos de 13 anos de idade.
Enquanto em 30% desses casos, o agressor é amigo ou conhecido da criança, em outros 30% o agressor é um familiar próximo, como pai, padrasto, irmão ou mãe. E, quando o agressor é alguém conhecido, a violência sexual ocorre dentro da própria casa da vítima em 78% dos casos.”
Os dados mostram uma sociedade doente, que naturaliza a violência pública e aquela que ocorre num ambiente privado”, diz Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Precisamos pensar em quais as estruturas necessárias para lidar com tais crimes.”
A avaliação de microdados dos registros junto ao Sistema Único de Saúde apontaram que, entre 2011 e 2016, houve uma diminuição dos casos em que o estupro era praticado apenas por um agressor (de 81% para 77,6%) e um aumento dos casos de estupros coletivos (de 13% para 15,4%).
Os estupros coletivos vitimaram mais meninas de menos de 13 anos (em 43,7% dos casos) e mulheres maiores de 18 anos (36,2%). E, em 12% dos episódios analisados, a vítima era uma pessoa com alguma deficiência -contra 10,3% do total de registros de violência sexual.
O Atlas aponta que, enquanto as polícias registraram 49.497 estupros em 2016, o Sistema Único de Saúde contou 22.918 crimes desta natureza. O documento estima que, por conta da notória subnotificação deste tipo de crime, a cifra brasileira real tenha girado entre 300 mil e 500 mil casos de estupro naquele ano.
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