O plenário do Senado aprovou, nesta quarta-feira (10), por unanimidade, o projeto que reformula o marco legal de enfrentamento ao crime organizado no Brasil. Conhecido como PL Antifacção, o texto relatado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) altera profundamente a Lei das Organizações Criminosas, endurece penas, amplia instrumentos de investigação e cria novos mecanismos de integração institucional. A matéria retorna agora para nova análise da Câmara dos Deputados.
A proposta, enviada pelo Executivo como PL 5.582/2025, também passou, no mesmo dia, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator destacou que buscou fortalecer a capacidade do Estado de combater facções e milícias que dominam territórios, intimidam comunidades e fragilizam serviços públicos. “O lobby que não teve acesso a esta Casa foi o das vítimas, o da população que vive sob domínio armado. É em homenagem a essas pessoas que trabalhamos aqui”, afirmou Vieira durante a votação.
Disputa sobre terrorismo
Um dos pontos mais debatidos foi a tentativa da oposição de classificar ações de facções e milícias como terrorismo. Senadores como Eduardo Girão (Novo-CE), Carlos Portinho (PL-RJ) e Jorge Seif (PL-SC) defenderam o enquadramento, citando ataques com drones e restrição ao direito de ir e vir em comunidades. “Bombas lançadas por drones, granadas. Isso é terrorismo puro”, disse Portinho.
Girão reforçou: “Terrorismo a gente tem que chamar pelo nome. O que está acontecendo no Brasil é terrorismo”. O relator rejeitou a mudança. Vieira argumentou que a definição técnica de terrorismo envolve motivações políticas, ideológicas ou religiosas o que não se aplica às organizações criminosas brasileiras, cujo objetivo é proteger atividades ilícitas.
Segundo ele, classificar facções como terroristas poderia justificar sanções internacionais e até ações militares contra o Brasil.
Penas mais altas e progressão mais rígida
O texto aprovado endurece significativamente as punições:
- Homicídios cometidos por integrantes: 20 a 40 anos.
- Integrar ou financiar facções: 15 a 30 anos.
- Líderes: pena dobrada, podendo chegar a 60 anos.
- Situações agravantes podem elevar condenações a até 120 anos.
A progressão de regime também fica mais difícil:
- Condenados por crimes hediondos: mínimo de 70% da pena no fechado.
- Integrantes de facções ou milícias: 75% a 85%.
- Reincidentes: percentuais ainda maiores.
Chefes de organizações deverão cumprir pena obrigatoriamente em presídios federais de segurança máxima.
Mais ferramentas de investigação e inteligência
O projeto moderniza procedimentos investigativos, permitindo:
- escutas ambientais e uso de softwares de monitoramento, com autorização judicial;
- acesso mais rápido a dados de investigados;
- pedidos emergenciais de informações sem ordem judicial quando houver risco à vida;
- interceptações telefônicas aceleradas, autorizadas por até cinco dias, com possibilidade de renovação;
- retomada da figura do delator infiltrado.
O texto também formaliza as Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (Ficcos), envolvendo PF, polícias estaduais, Coaf, Receita, Abin, Ministério Público e Banco Central. Será criado ainda um cadastro nacional de integrantes e empresas ligadas ao crime organizado, a ser replicado por todos os estados.
Sistema prisional mais controlado
O projeto prevê:
- monitoramento de conversas e visitas a presos ligados a facções;
- fim da visita íntima para condenados pela Lei de Organizações Criminosas;
- preservação da sigilosidade entre advogado e cliente, exceto por decisão judicial específica.
Tribunais do Júri continuarão julgando homicídios relacionados ao crime organizado, com reforço na proteção de testemunhas e jurados.
Financiamento
O relator incluiu a criação de uma Cide de 15% sobre transferências feitas por pessoas físicas para plataformas de apostas (bets). A contribuição será provisória até a plena entrada em vigor do Imposto Seletivo da reforma tributária, com estimativa de arrecadação de R$ 30 bilhões anuais. Bets que operam sem licença poderão aderir a uma regularização temporária, gerando até R$ 7 bilhões extras.
Vieira também fechou brechas para sites clandestinos, prevendo responsabilidade solidária de instituições financeiras e empresas de pagamento que facilitarem esses serviços. “Uma bet ilegal só funciona porque alguém patrocina sua publicidade e porque alguma instituição permite o pagamento”, afirmou.
Combustíveis e novas regras
Por influência da senadora Tereza Cristina (PP-MS), o relator recuou de trechos que endureciam regras sobre formulação de combustíveis, afirmando que o tema deve ser debatido separadamente e já está na agenda regulatória da ANP. Ainda assim, o texto exige que empresas registrem operações de venda, transporte e armazenamento de derivados de petróleo e biocombustíveis.
Outras novidades incluídas pelo Senado
- Crime específico para recrutamento de crianças e adolescentes (penas de 5 a 30 anos).
- Possibilidade de bloqueio de energia, internet e telefonia de investigados.
- Prazo de 90 dias para conclusão de inquéritos com investigados presos (270 dias para soltos), com possibilidade de prorrogação.
- Agentes públicos condenados por integrar ou colaborar com facções ficam inelegíveis por oito anos e podem perder o cargo imediatamente.
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