Após quase três anos de espera e um recente debate nacional intenso em torno da exposição infantojuvenil inadequada ou criminosa em ambientes digitais, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei criando regras para a proteção de crianças e adolescentes quanto ao uso de aplicativos, jogos eletrônicos, redes sociais e programas de computador.
A proposta prevê obrigações para os fornecedores e controle de acesso por parte de pais e responsáveis e esperava a votação desde 2022.

O debate decisivo veio após o influenciador Felipe Bressanim Pereira, 27, mais conhecido nas redes como Felca, mostrar em um vídeo o nível permissivo de exposição de crianças e adolescentes, atraindo pedófilos que atuam na internet e gerando lucro inclusive a influenciadores inescrupulosos, e para as próprias plataformas que não assumiam suas responsabilidades.
Senado vai votar novamente o PL
De autoria do Senado, o Projeto de Lei 2628/2022 foi aprovado na noite de quarta-feira (20) com mudanças feitas pelos deputados. Por isso, o texto volta ao Senado para nova votação. Se for aprovado como está, no entanto, as normas só devem vigorar depois de um ano de publicação da futura lei.
O relator do projeto, deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), disse ter alterado a proposta para garantir que as famílias exerçam o papel de proteção de forma eficaz, sem substituí-lo pelas plataformas. “Essa solução se inspira no modelo adotado pela Constituição Federal, que, ao tratar da proteção contra conteúdos prejudiciais na comunicação social, optou por assegurar à família os meios para se defender, e não por substituir sua autonomia”, afirmou.
Segundo o relator, a proposta é mais técnica e restritiva do que o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no final de junho, que determinou a retirada de qualquer conteúdo que viole direitos de crianças e adolescentes mediante simples notificação. “O projeto inova ao estabelecer parâmetros objetivos, requisitos formais e hipóteses específicas de violação, conferindo maior segurança jurídica e eficácia prática à regra”, explicou.
“Eca Digital”
Jadyel Alencar defendeu o apelido “ECA Digital” para a proposta, por considerar que a nomenclatura relacionada ao Estatuto da Criança e do Adolescente vai ampliar a adesão social e a observância da medida.
O projeto determina aos fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação que adotem “medidas razoáveis” desde a concepção e ao longo da operação dos aplicativos para prevenir e diminuir o acesso e a exposição de crianças e adolescentes a conteúdos considerados prejudiciais a esse público.
Regulamentação posterior vai definir critérios objetivos
O texto aprovado estabelece vários procedimentos e exigências aos fornecedores dos aplicativos de internet (empresa controladora de apps, por exemplo). No entanto, um regulamento posterior definirá critérios objetivos para aferir o grau de interferência desses fornecedores sobre os conteúdos postados.
Assim, exigências previstas no projeto em relação a temas como risco de exposição a conteúdo prejudicial (pornografia, estímulo a suicídio, bullying, jogos de azar etc.), retirada de material por notificação do usuário ou comunicação a autoridades de conteúdo de crime contra crianças e adolescentes serão aplicadas de forma proporcional à capacidade do fornecedor de influenciar, moderar ou intervir na disponibilização, circulação ou alcance dos conteúdos acessíveis por esse público.
Conforme divulgou a Agência Câmara, pelo texto aprovado, provedores dos serviços com controle editorial (jornais e revistas, por exemplo) e provedores de conteúdos protegidos por direitos autorais licenciados serão dispensados do cumprimento das obrigações se seguirem um conjunto de normas do Poder Executivo.
As normas são:
- Classificação indicativa, com transparência na classificação etária dos conteúdos;
- Se oferecerem mecanismos técnicos de mediação parental; e
- Se ofertarem canais acessíveis para recebimento de denúncias.
Um regulamento do Executivo federal definirá detalhes das exigências do projeto. Todas as regras se referem tanto aos produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados a crianças e adolescentes quanto àqueles de acesso provável por esse público.
Texto define acesso provável quando houver:
- “Suficiente probabilidade” de uso e atratividade do produto ou serviço;
- “Considerável facilidade” ao acesso e utilização dele; e
- “Significativo grau” de risco à privacidade, à segurança ou ao desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes.
Por outro lado, a regulamentação não poderá impor mecanismos de vigilância massiva, genérica ou indiscriminada. Além disso, também serão vedadas práticas que comprometam os direitos fundamentais à liberdade de expressão, à privacidade, à proteção integral e ao tratamento diferenciado dos dados pessoais de crianças e adolescentes.
Durante a discussão do projeto, deputados de diferentes partidos e correntes ideológicas opostas minimizaram as diferenças para garantir a aprovação do PL. Entre as informações que embasaram a união, dados sobre crimes contra crianças e adolescentes e a atuação de algoritmos que contribuem com pedófilos a partir da monetização do corpo de crianças, na maioria expressiva das vezes sem o entendimento de seus familiares.
Leia mais sobre: Adultização / Câmara dos Deputados / Felca / Pedofilia nas redes / Proteção à criança / Política

