A relatora do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), a chilena Antonia Urrejola, vai antecipar sua visita de trabalho ao país após a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes. Eles foram assassinados na noite de quarta-feira (14) no centro do Rio de Janeiro.
“A visita de trabalho será muito importante, pois nos permitirá ver as áreas específicas que requerem nossa maior atenção. Nos preocupa especialmente a situação das defensoras e dos defensores de direitos humanos”, afirmou Urrejola, em entrevista por e-mail.
Segundo a relatora, a comissão também já enviou uma carta ao governo brasileiro solicitando informações sobre a intervenção federal na segurança pública do Rio. Em razão da atuação dos militares no estado e da morte da vereadora e do motorista, Urrejola disse que sua viagem, de Washington para o Brasil, deve ser antecipada.
A viagem oficial estava prevista para novembro. “Hoje [sexta-feira, 16], insisti para ir ao Brasil. Espero, não mais tarde, que em maio.” Para Urrejola, o assassinato de Marielle e Gomes tem características de execução sumária. “Marielle era uma mulher, era negra. Veio da comunidade da Maré. Por isso, em seu comunicado, a comissão insta o Estado para que as linhas de investigação analisem como hipóteses que este crime tenha como motivação sua atividade como mulher, afrodescendente, vereadora e defensora dos direitos humanos.”
Em relação à intervenção federal no Rio, Urrejola afirmou que tem solicitado informações às autoridades brasileiras. “A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Escritório para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos já expressaram, por meio de comunicado, profunda preocupação com o decreto presidente que autoriza a intervenção federal na segurança pública.”
Segundo Urrejola, o decreto não específica seu alcance e sua execução nem as condições que justificam sua implementação. “Sem essas salvaguardas, sua execução pode resultar em graves violações de direitos humanos. Os Estados devem limitar ao máximo o uso das Forças Armadas para o controle de distúrbios internos, dado que o treinamento que recebem está dirigido para derrotar militarmente um inimigo, não para proteger e controlar civis.”
Intervenção
A morte da vereadora ocorreu dois dias antes de a intervenção federal na segurança pública do Rio completar um mês. A medida, inédita, foi anunciada pelo presidente Michel Temer (MDB) em 16 de fevereiro, com o apoio do governador Luiz Fernando Pezão, também do MDB.
Temer nomeou como interventor o general do Exército Walter Braga Netto. Ele, na prática, é o chefe das forças de segurança do estado, como se acumulasse a Secretaria da Segurança Pública e a de Administração Penitenciária, com PM, Civil, bombeiros e agentes carcerários sob o seu comando.
O Rio de Janeiro passa por uma grave crise política e econômica, com reflexos diretos na segurança pública. Desde junho de 2016, o estado está em situação de calamidade pública e conta com o auxílio das Forças Armadas desde setembro do ano passado.
Não há recursos para pagar servidores e para contratar PMs aprovados em concurso. Policiais trabalham com armamento obsoleto e sem combustível para o carro das corporações. Faltam equipamentos como coletes e munição.
A falta de estrutura atinge em cheio o moral da tropa policial e torna os agentes vítimas da criminalidade. Somente no ano passado 134 policiais militares foram assassinados no estado.
Policiais, porém, também estão matando mais. Após uma queda de 2007 a 2013, o número de homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial está de volta a patamares anteriores à gestão de José Mariano Beltrame na Secretaria de Segurança (2007-2016). Em 2017, 1.124 pessoas foram mortas pela polícia.
Em meio à crise, a política de Unidades de Polícia Pacificadora ruiu -estudo da PM cita 13 confrontos em áreas com UPP em 2011, contra 1.555 em 2016. Nesse vácuo, o número de confrontos entre grupos criminosos aumentou.
Apesar da escalada de violência no Rio, que atingiu uma taxa de mortes violentas de 40 por 100 mil habitantes no ano passado, há outros estados com patamares ainda piores.
No Atlas da Violência 2017, com dados até 2015, Rio tinha taxa de 30,6 homicídios para cada 100 mil habitantes, contra 58,1 de Sergipe, 52,3 de Alagoas e 46,7 do Ceará, por exemplo. (Folhapress)
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