O desempenho dos alunos de ensino médio de institutos federais no Enem 2016 colocou unidades da rede no topo das escolas públicas em 14 Estados. Apesar de representarem uma elite da escola pública de ensino médio, referência em educação técnica, os institutos têm sofrido com queda de orçamento.
De 2015 a 2017, os repasses para essa rede, que conta com 644 campi e 878 mil alunos (64% de ensino médio), caíram 14%, com valores corrigidos pela inflação. No ano passado, recebeu R$ 3,1 bilhões, segundo o governo.
Representantes das instituições reclamam de impactos negativos, como cancelamentos de projetos e sucateamento de infraestrutura. Há 36 unidades fechadas por falta de dinheiro.
Recursos para investimentos (obras e compra de equipamentos) recuaram 61% de 2015 a 2017. No ano passado, foram repassados R$ 319 mil.
O governo Michel Temer estipulou um orçamento de R$ 3,37 bilhões para 2018. Se os contingenciamentos dos últimos anos se repetirem, esse valor não será alcançado.
Os institutos federais registraram média 564,93 no Exame Nacional do Ensino Médio de 2016, segundo tabulação da Folha de S.Paulo a partir de dados do MEC (Ministério da Educação), apenas 3% abaixo da rede privada (580,93).
Reportagens da Folha de S.Paulo sobre o Enem publicadas em dezembro seguiram critérios da última divulgação desse tipo realizada pelo MEC -a pasta deixou de divulgar médias por escolas no ano passado. Dessa forma, escolas com alunos do médio integrado ao ensino técnico ficaram de fora.
Agora, com a inclusão dessa modalidade (médio integrado ao técnico), a reportagem calculou a média de 188 unidades ligadas a institutos federais. Também aparecem cinco escolas de aplicação de universidades federais.
Antes de levar em conta esses alunos, o grupo de colégios do topo (as 10% com a maior nota no Enem) reunia apenas 12% de escolas públicas. Agora, esse índice sobe para 22%: 192 unidades entre as 886 melhores.
A reportagem excluiu escolas com menos de dez alunos do 3º ano no exame e/ou com menos de 50% do total desses estudantes na prova. Também levou em conta apenas escolas com pelo menos 61 estudantes no 3º ano. As médias foram calculadas a partir das quatro áreas objetivas da prova (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas), sem contar a redação.
A rede de institutos federais tem foco em educação técnica e profissional, com cursos de ensino médio e superior. Concentra 40 unidades, além do colégio Pedro II, no Rio. A formação da rede foi uma das bandeiras na área de educação dos governos Lula e Dilma, ambos do PT.
PERFIL
Os institutos fazem seleção de alunos, a maioria com vestibulinho de ingresso (embora alguns adotem análise de currículo ou sorteio). A peneira garante alunos qualificados e de maior renda, o que explica parte dos bons resultados. Mas há reserva de 50% das vagas à rede pública.
Para Wilson Conciani, do Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica), há diversidade no perfil dos alunos. E isso colabora, diz ele, para o sucesso pedagógico.
“As unidades reúnem pessoas de diversas origens,que convivem em um espaço de conhecimento coletivo”, diz. “Sai do padrão ‘professor fala e aluno escuta’.”
Conciani, que ainda é reitor do instituto de Brasília, ressalta a importância das condições de trabalho. “A nossa infraestrutura e corpo docente são muito superiores até aos da rede privada”.
Guilherme Nascimento de Oliveira, 18, é aluno do curso de técnico de Eletrotécnica no campus Vitória do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo). Filho de professores, cursou o ensino fundamental em escola particular.
“Eu senti bastante diferença quando cheguei aqui, principalmente nas áreas de exatas. A exigência é muito grande”, diz ele, que ganhou a medalha de ouro na última Olimpíada de Matemática -umas das 15 que já tem, incluindo competições de geografia, astronomia e ciências.
Como Oliveira faz o técnico integrado ao médio, mas não em tempo integral, seu curso tem quatro anos. Ele está no 4º. “Pretendo seguir para uma engenharia, mas estou vendo processos de aplicação no exterior”.
Segundo pesquisa recente do Conif, o perfil desse estudante não é a regra: 64% dos egressos iniciam carreira em área correlata ao curso.
A média do campus Vitória do Ifes, onde ele estuda, foi de 651,83 em 2016, a mais alta entre os institutos. Considerando todas as escolas do país, públicas e particulares, a de Oliveira fica em 171º lugar entre 8.857 unidades.
Neste ano, o Ifes recebeu 19.468 candidatos para 3.726 vagas. Uma média de 5,2 interessados por vaga.
“Trabalhamos a ideia de teoria e prática, e alia isso com nossos excelentes alunos”, diz o reitor do Ifes, Jadir Pela. “Com a mesma fatia de orçamento, estamos no teto das possibilidades.”
MEC
Apesar da queda de orçamento dos institutos federais, o MEC afirmou que garantiu, nos últimos dois anos, a liberação de 100% dos recursos previstos no orçamento para custeio da rede. Essa parte do orçamento é voltada para os gastos fixos.
Com relação aos valores de investimento, que tiveram queda de 61%, o MEC afirma, em nota, que não há “lógica” em falar em redução.
“É importante destacar que uma obra tem começo, meio e fim estipulado em anos determinados. Da mesma forma, os recursos são liberados no decorrer da obra até sua conclusão. Por conta disso, os valores de investimento também podem variar”, cita a nota.
A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica foi instituída por lei em 2008. Além de incorporar instituições tradicionais, houve a criação de novas unidades e campi, com esforço de interiorização da oferta.
Os institutos estão presentes em 78% das microrregiões do país. As regiões Norte e Nordeste concentram 47% do total de matrículas.
O MEC ressaltou que a rede representa uma inovação educacional importante para o Brasil, não só pela capilaridade, “mas principalmente pela missão de apoiar o desenvolvimento local pela oferta da educação profissional tecnológica”.
Apesar de a pasta afirmar, em nota, que a experiência dos institutos federais pode ajudar na implementação da reforma do ensino médio, não há nem houve alguma ação por parte do governo nesse sentido.
Segundo Wilson Conciani, do Conif, que representa a rede federal, não houve diálogo.
“Uma vez que os institutos federais têm um trabalho de qualidade, comparado às experiências internacionais, esperávamos ter participação mais ativa. Isso até agora não aconteceu”.
A reforma do ensino médio foi aprovada pelo governo Michel Temer em fevereiro de 2017, após tramitação acelerada no Congresso Nacional. O texto estabelece que os alunos devem escolher parte do currículo a partir de cinco linhas de aprofundamento (linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e, por fim, ensino técnico profissional).
Para o professor Luiz Roberto Alves, ex-presidente do CNE (Conselho Nacional de Educação), a experiência dos institutos federais deveria ser melhor aproveitada para a implementação de mudanças no ensino médio.
“Os institutos se destacaram muito na conexão do ensino médio com o ambiente do desenvolvimento das tecnologias, comunicação, sustentabilidade e aproximação com as engenharias”, diz.
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