Fosse na hierarquia militar e seria inaceitável um general de quatro estrelas, condecoração máxima no Exército, acatar ordens de um mero capitão reformado.
Quis o jogo eleitoral, contudo, que Antonio Hamilton Mourão, 65, virasse o vice daquele que foi seu calouro da Academia Militar das Agulhas Negras, Jair Bolsonaro, 63. E com direito a bronca pública.
“Falei para ele ficar quieto porque está atrapalhando. […] Um vice geralmente não apita nada, mas atrapalha muito”, repreendeu o presidenciável do PSL após Mourão (PRTB) definir o 13º salário como uma “jabuticaba brasileira” indigesta para o empregador.
Pois o general voltou a criticar o direito trabalhista e, em outra fala que municiou os que apontam tendências ditatoriais na chapa bolsonatista, propôs a criação de uma nova Carta. No mundo ideal, ela seria formulada por uma comissão de notáveis –nomes ele não deu, mas disse que “uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”.
Em agosto, dias após ser ungido vice de Bolsonaro, Mourão rechaçou à Folha de S.Paulo uma hipótese que vinha ganhando força então: o general seria um a espécie de vacina anti-impeachment do capitão.
Quem, afinal, vai querer entregar a faixa presidencial àquele que defende a intervenção militar se o Judiciário “não solucionar o problema político”, como disse em fala a “irmãos maçons”, em 2017?
As polêmicas se empilham. Numa das mais ruidosas, afirmou que o Brasil herdou a “indolência” dos indígenas e a “malandragem” dos africanos –à reportagem Mourão criticou o “politicamente correto” e definiu como “baboseiras” tentativas de enquadrá-lo no papel de “eu sou o terror”.
Lembrou que, à Justiça Eleitoral, ele, neto de cabocla, se declarou indígena. “Se me puser um cocar, passo tranquilamente numa [aldeia].”
Mourão não foi a primeira escolha para a vice. Antes dele vieram outro general (Augusto Heleno), um astronauta (Marcos Pontes), uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma (Janaina Paschoal) e até um herdeiro da família real, o “príncipe” (Luiz Philippe de Orléans e Bragança). Nenhum prosperou.
O filho de militar com professora universitária herdou do pai a aversão ao comunismo. Admirador de missas aos domingos e um “uisquinho” à noite, passou a presidir o Círculo Militar em maio, após ser afastado de cargos altos no Exército –por criticar os presidentes Dilma e Michel Temer e chancelar uma homenagem a Brilhante Ustra, chefe da repressão na ditadura.
Se o vice às vezes “não apita nada” e “atrapalha muito”, Mourão colabora na aproximação entre a cúpula do Exército com Bolsonaro, com histórico de problemas disciplinares. Um apito e tanto. (Folhapress)
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