Na contramão do discurso pró-ambiente adotado na Cúpula do Clima (COP-26), em Glasgow, o Brasil continua a registrar recordes em seus índices de desmatamento na Amazônia. Foi o que ocorreu no mês passado. Dados divulgados nesta sexta-feira, 12, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia, apontam que a área de alertas de desmatamento de outubro foi a maior para o mês nos últimos sete anos. A conservação do bioma foi destaque na abertura da conferência na Escócia e é considerada chave para evitar uma catástrofe climática.
Ao todo, foram 877 quilômetros quadrados de devastação da floresta na Amazônia, um aumento de 5% em relação a outubro de 2020 e o maior índice no mês em toda a série histórica do Deter, sistema de alertas do Inpe, iniciado em 2016. O governo Jair Bolsonaro ainda não divulgou os dados consolidados do desmatamento neste ano – o sistema Prodes -, que também é medido pelo Inpe, de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Tradicionalmente, essa informação é tornada pública no começo de novembro.
Na COP-26, o Brasil assinou acordos multilaterais contra o devastação da floresta, prometeu zerar o desmate ilegal até 2028 e reduzir as emissões de metano. Na prática, porém, os dados mostram uma realidade diferente. “As emissões acontecem no chão da floresta, não nas plenárias de Glasgow. E o chão da floresta está nos dizendo que este governo não tem a menor intenção de cumprir os compromissos que assinou na COP-26”, diz Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
Relatório divulgado por um grupo de cerca de 200 cientistas mostra que a Amazônia está perto de um ponto irreversível e perde, em ritmo acelerado, sua capacidade de regeneração. Os pesquisadores, que lançaram o documento na Cúpula do Clima, alertam que o bioma pode se tornar deserto se não foram tomadas medidas efetivas.
“O dado do Deter é um lembrete de que o Brasil que circula pelos corredores e pelas salas da COP, em Glasgow, é o mesmo onde grileiros, madeireiros ilegais e garimpeiros têm licença do governo para destruir a floresta”, afirma ele. Os alertas de desmatamento em outubro se concentraram nos Estados do Pará 501 km2 (57% do total), Amazonas 116 km2 (13% do total) e Mato Grosso 105 km2 (12% do total).
A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, chama a atenção para o fato de que o País seguiu com o mesmo patamar alto de desmatamento na Amazônia em outubro, apesar de haver mais chuvas do que era esperado na região, por causa do fenômeno La Niña. “Nas últimas duas semanas, vimos o governo brasileiro dizer na COP-26 que tem o desmatamento sob controle. Mas o Brasil real é o que os satélites mostram. Para cumprir as promessas feitas na Conferência do Clima, o governo precisa fazer mais do que fala. É possível mudar o quadro, mas é preciso agir imediatamente.”
Estimativas do Observatório do Clima apontam que a maior parte (46%) dos gases estufa emitidos pelo Brasil são provenientes do desmatamento. Os dados de 2020 mostram que o Brasil continua, desde 2010, a ampliar suas emissões. No ano passado, em plena pandemia, o aumento das emissões de gases de efeito estufa no Brasil foi de 9,5%; no restante do mundo, houve redução de cerca de 7%.
“Enquanto o governo federal tenta vender o Brasil como potência verde na COP, a verdade é que o desmatamento em outubro bateu mais um recorde e vem sendo impulsionado pela política antiambiental do presidente, do Ministério do Meio Ambiente, com apoio de parte do Congresso”, diz Rômulo Batista, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace. “Assinar ou endossar os diferentes planos e acordos não muda a realidade do chão da floresta, o desmatamento e queimadas continuam fora de controle e a violência contra os povos indígenas e população tradicional só aumenta.”
Procurado pela reportagem, o governo Jair Bolsonaro não se manifestou sobre os dados.
Por André Borges, Estadão Conteúdo
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