São Paulo – Desde a vitória apertada no segundo turno da eleição, tem crescido no PT um discurso da necessidade de mudança. Seja pela pressão interna de correntes mais à esquerda ou como reação ao sentimento antipetista crescente em setores da sociedade, a chapa ‘Partido que Muda o Brasil’, que reúne alas que detêm 70% da direção da legenda, admite um discurso de reformulação interna e endurecimento no combate à corrupção. A tentativa é de unir o PT novamente a grupos historicamente aliados, como forças de esquerda e movimentos sociais, que se distanciaram nos último doze anos.
A autocrítica que se tornou relativamente comum entre os petistas após a eleição era recebida com hostilidade há pouco tempo. Em junho, quando o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que não era só a elite branca que xingava Dilma Rousseff na abertura da Copa do Mundo, a própria presidente e muita gente na corrente da situação do PT reagiu negativamente.
Na ocasião, foi na Mensagem ao Partido, chapa de oposição interna e mais à esquerda, que Carvalho encontrou compreensão. “Não podemos lutar contra a realidade. Gilberto foi capaz de fazer a leitura de um sentimento”, disse na época o deputado Paulo Teixeira, representante da Mensagem e segundo candidato mais votado nas eleições internas do partido. “Temos que conversar e fazer a nossa narrativa de combate à corrupção”.
Carvalho talvez tenha sido o primeiro representante da ala majoritária, hoje representada na chapa Partido que Muda o Brasil, a adotar um tom crítico em público. Antes dele, segundo um membro da Mensagem, setores do partido viam como “udenista” esse tipo de crítica.
Mas, no último encontro da PMB, nos dias 12 e 13 de dezembro, em São Paulo, foi o tom de reformulação que prevaleceu. “Revitalizar, repensar, refazer, revigorar. Nunca refundar”, comentou o presidente do partido, Rui Falcão, sobre seu discurso aos correligionários da PMB.
“Há quanto tempo somos uma grande máquina para ganhar eleições?”, criticou o vice-presidente nacional José Guimarães, também da PMB. “Ninguém ganha de nós, mas precisamos ser uma grande máquina nas formulações estratégicas para o País.”
Membros da Mensagem veem com bons olhos a aproximação da ala majoritária, mas ressaltam que o diagnóstico que os dirigentes petistas fazem agora já é feito pela esquerda dentro do partido há dez anos.
Em encontro em Fortaleza no final de novembro, a Executiva Nacional aprovou uma resolução que prevê a expulsão de envolvidos em corrupção. A adoção da medida, proposta por integrantes da Mensagem, foi considerada uma vitória da corrente.
Com o discurso quase unânime sobre a necessidade de reformar, o PT começa a pensar caminhos para se reaproximar da sociedade. Um dos principais intelectuais do partido, o atual assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, diz que o PT precisa reconquistar as pessoas que melhoraram de vida nos governos Lula e Dilma. “É preciso um diálogo com as pessoas beneficiadas pelo governo do PT que atribuem a melhora de vida a si mesmos, a diversos outros fatores, à providência divina, mas não ao governo”, comentou sobre sua palestra no encontro da PMB. Seis dias depois, o mesmo Garcia palestrou em reunião de integrantes da Mensagem.
União da esquerda
O duro embate político durante o segundo turno reaproximou, segundo petistas, o partido e a candidatura da presidente Dilma de aliados históricos e movimentos sociais, preocupados em evitar a vitória do tucano Aécio Neves. Pressionado pelo resultado eleitoral apertado e pelo crescimento da rejeição ao partido, o PT quer unir as esquerdas nos próximos anos. A avaliação é que o fracasso destas negociações colocaria em risco a continuidade no poder. “O PT avalia que, com o avanço da direita, se não conseguir articular as forças de esquerda, vai ter dificuldades ainda maiores no segundo mandato da Dilma”, afirma o cientista político Rudá Ricci.
“É um tripé. O PT precisa ter habilidade para fazer um diálogo com a base, com a esquerda e com o centro. Nós não vamos fazer mudanças no País se fizermos alianças só com a esquerda. Um dos problemas é que, durante um tempo, só se priorizou o centro”, afirma Paulo Teixeira, candidato da Mensagem na última eleição interna do partido. Para ele, o partido deve procurar, além dos movimentos sociais, partidos como o PDT, PCdoB, PSOL e “setores progressistas” do PSB e PMDB.
Segundo petistas, esse movimento de reaproximação da esquerda e dos movimentos sociais é capitaneado por Luiz Inácio Lula da Silva pensando em 2018. A presidente Dilma não tem participado das discussões internas. “Sabe quando o Garrincha brincava que ‘faltou combinar com os russos’? Os russos, neste caso, é a Dilma”, brinca um petista.
Reformulação x refundação
A ideia de que o PT se tornou um partido que opina pouco e assiste ao governo atuar como único formulador de políticas é agora comum entre as duas principais correntes. “Deixamos de desempenhar um papel importante do partido sobre formulações teóricas, de debates sobre políticas sociais, direitos das minorias, saúde, educação e as necessidades agudas que temos, como a reforma tributária, por exemplo”, diz a deputada Margarida Salomão (MG), integrante da Democracia Socialista, corrente aliada à Mensagem. Para ela, é a “realidade” que está levando o partido a uma convergência de análise.
Enquanto o discurso da chapa de situação se move em direção à reformulação, integrantes da Mensagem classificam as declarações de dirigentes da ala majoritária como um primeiro passo em um processo mais amplo de avaliação e mudança que deve culminar no 5º Congresso, marcado para junho de 2015 em Salvador. Dirigentes da Mensagem, por enquanto, evitam falar em aumento do protagonismo da chapa.
Apesar de ser minoria na direção e do tom mais crítico em relação à trajetória do partido nos últimos anos, DS e Mensagem, juntas, contam com nomes como os deputados Henrique Fontana e Alessandro Molon, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, o prefeito Fernando Haddad e os ministros Pepe Vargas, José Eduardo Cardozo e Miguel Rossetto, que substitui Gilberto Carvalho, muito ligado a Lula, na Secretaria-Geral da Presidência.
Secretário Nacional de Formação Política do PT e representante da Mensagem na Executiva Nacional, Carlos Árabe defende que o PT está se preparando para “enxergar um pouco mais longe”. Esquerda dentro do partido, a DS, corrente da qual Árabe faz parte, cobra mais coerência programática do PT. “O partido precisa ter mais coerência de programa, de projeto para o Brasil. Defender um tipo de participação social, de democracia participativa. Um grau de socialização maior das decisões econômicas, que não podem ficar sob pressão do mercado”, explica Árabe.
Na opinião de Rudá Ricci, o PT vai tentar emitir sinais positivos aos movimentos sociais, às entidades de classe e às minorias, sem que isso signifique, necessariamente, uma mudança nos rumos do partido. “Não acho que seja uma guinada à esquerda. A movimentação faz parte de uma leitura pragmática que está instalada na articulação do partido.”
Para o cientista político, a aproximação do discurso entre as correntes não significa que a ala majoritária esteja abrindo espaço para a esquerda petista. Ricci acredita que, quando Rui Falcão fala em repensar sem refundar, há uma indicação de que as mudanças terão alcance limitado.
O novo ministério de Dilma, porém, mostra menor influência da PMB e de sua maior corrente, Construindo um Novo Brasil, no governo federal. Além da troca de Carvalho por Rossetto, há a ida de Pepe Vargas para a Secretaria de Relações Institucionais. O desafio interno de Vargas será a negociação com deputados da ala majoritária, que queriam assumir a articulação política. A Mensagem espera que o novo desenho da Esplanada ajude a equilibrar as forças dentro do PT.
(Fonte: Estadão Conteúdo)
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