Alçados à condição de conselheiros de Luiz Inácio Lula da Silva, advogados de perfil crítico à Operação Lava Jato e alinhados à candidatura petista buscam emplacar uma proposta de reforma do Judiciário no futuro plano de governo do ex-presidente. Entre as prioridades estão mudanças no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a adoção do juiz de garantias. Segundo esses advogados – que, em boa parte, defenderam ou defendem réus e investigados nas ações anticorrupção -, as pautas são uma reação a “abusos” da Lava Jato, que levou Lula à prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
A proposta vem sendo elaborada pelo Grupo Prerrogativas, patrocinador de um jantar em dezembro, em São Paulo, que marcou a primeira aparição de Lula ao lado do ex-governador Geraldo Alckmin. Criado em 2014 como uma reação de criminalistas à operação, o grupo age para “desconstruir” a imagem do ex-juiz Sérgio Moro – que condenou Lula e hoje é seu adversário na disputa pelo Planalto. O movimento se alinha no PT a quem considera um eventual futuro governo Lula como a oportunidade para um “acerto de contas”. Por isso mesmo, já desperta alertas e objeções de procuradores e nomes da Justiça.
“Lula é a única liderança política capaz de liderar um processo de revisão dos nossos mecanismos de fiscalização e controle, CNJ e CNMP, porque foi o presidente que mais respeitou as instituições”, disse ao Estadão/Broadcast o coordenador do Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho. “Portanto, não tem nenhum constrangimento em oferecer apoio para ele. É consequência natural.”
Filiado ao PT, Carvalho foi coordenador do setorial jurídico do partido e se tornou próximo de Lula. Ele passou o réveillon na residência do ex-presidente, em São Paulo, ao lado do ex-prefeito Fernando Haddad e do deputado Rui Falcão (PT-SP). Em 2018, a candidatura de Haddad à Presidência foi apoiada pelo Prerrogativas.
Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso disse suspeitar do “desejo oculto por trás” da iniciativa. “Não conheço os termos da proposta. Assim, não tenho o que opinar relativamente ao seu mérito. Todavia, sempre receio proposta de reforma de órgão de controle do Ministério Público, do Judiciário, dos advogados e da imprensa. Sempre há um desejo oculto por trás. E é surpreendente que uma tal proposta venha de associação de advogados”, afirmou.
Após formulada, a proposta de mudanças no sistema de Justiça será sugerida e poderá integrar o plano petista para 2022. Nomes como o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), e o ex-deputado Wadih Damous (PT-RJ) devem ser ouvidos. Também farão parte das discussões experientes criminalistas sem filiação partidária ou ligação com o PT, como Alberto Toron, que defende o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), e Antonio Claudio Mariz de Oliveira, advogado do ex-presidente Michel Temer (MDB). Mariz disse que ainda não foi chamado, mas que o Prerrogativas tem “muito a colaborar para qualquer governo que entrar, quer seja do Lula, quer seja de outro candidato”.
‘PEC da vingança’
O ponto de partida será a Proposta de Emenda à Constituição 05, apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e que propõe mudar a composição do CNMP. O texto – que foi rejeitado – endurecia prazos de prescrição em processos disciplinares contra promotores e procuradores, retirava vaga do MP do DF, transferia à Câmara e ao Senado a escolha de um integrante da carreira para o conselho e abria caminho para que a corregedoria do MP passasse a ser exercida também por conselheiros de fora da categoria.
No Congresso, a PEC passou por alterações, que previam, por exemplo, que o CNMP tivesse o poder de anular investigações. Após pressão de entidades do Ministério Público, foi rejeitada. À época, promotores e procuradores apelidaram o projeto de “PEC da Vingança”. Da articulação da proposta fizeram parte petistas, bolsonaristas e integrantes do Centrão.
“Quando CNMP e CNJ poderiam colocar limites ao autoritarismo de juízes e do MP, não o fizeram suficientemente. Sérgio Moro e todas as estripulias que ele fez só conseguiram ser resolvidas no STF”, disse o procurador aposentado Lenio Streck, do Prerrogativas. “O CNJ foi feito para otimizar o funcionamento do Judiciário. Não foi o que aconteceu.”
Premissas
Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Ubiratan Cazetta, qualquer discussão para melhorar o funcionamento do conselho do MP é válida. “O problema é que as premissas estão erradas. Quando se propõe mudar o CNMP porque ele não puniu a Lava Jato você está discutindo, ou pelo menos focando, numa atividade que os conselhos (incluindo o CNJ) não têm a função de fazer”, disse ele, observando que o debate passa pela “independência e autonomia do MP”. “Isso tem de ser discutido abertamente, não pode ser discutido transversalmente ou sob um falso argumento de que o CNMP não pune.”
Mais enfático, o procurador regional da República Bruno Calabrich, que atuou em casos da Lava Jato, chamou de “nociva” a iniciativa do grupo de criminalistas. “Merece nosso repúdio, tanto como procurador como cidadão. Essa proposta não atende o interesse público, mas pode atender o interesse de réus investigados que temem um MP independente.”
Juiz de garantias
Segundo advogados do Prerrogativas, outro ponto a ser levado adiante é a incorporação do juiz de garantias ao Código de Processo Penal. Trata-se de um juiz responsável somente por validar atos de investigação da polícia e do MP. Em caso de oferecimento de denúncia, outro magistrado julgaria a causa. O argumento é que a separação daria mais imparcialidade na condução de ações penais.
O instituto foi aprovado pelo Congresso, mas recebeu críticas de Moro e enfrentou resistência do presidente do Supremo, Luiz Fux – que chegou a suspender a lei e não encerrou os trabalhos para a adoção do juiz de garantias no CNJ. No fim de 2021, Fux fez audiências públicas sobre o tema.
Em 2018, Haddad propôs “repensar o papel e a composição” do CNJ e do CNMP e “instituir ouvidorias externas, ocupadas por pessoas que não integrem as carreiras, ampliando a participação da sociedade para além das corporações do sistema de Justiça”.
Nos últimos anos, Lula criou relação mais próxima com criminalistas em meio a diversos processos na Justiça. No Congresso, o PT se voltou contra leis anticorrupção. E o revisionismo petista se tornou explícito. A ex-presidente Dilma Rousseff, alvo de impeachment, se disse arrependida de ter indicado o mais votado da lista tríplice à Procuradoria-Geral da República.
A assessoria de Lula afirmou que ele “ainda não confirmou a candidatura” e não iniciou o processo “de construção de plano de governo”.
Moro
Presidenciável do Podemos, Sérgio Moro disse desconhecer detalhes de “qualquer proposta do PT para a reforma do Judiciário ou do Ministério Público”, mas chamou a iniciativa de “ameaça à democracia”. “Pois parte do pressuposto de que os escândalos de corrupção não ocorreram, de que não deveriam ser investigados e de que promotores, policiais e juízes deveriam ser punidos para que ninguém mais ouse se opor ao partido.”
Moro já constituiu um grupo para, caso seja eleito, elaborar uma reforma que torne o Judiciário “mais eficiente e menos custoso”. Ele foi provocado por integrantes do Prerrogativas para debater seu plano. O presidenciável reagiu, chamando para um confronto direto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Debato com o chefe de vocês, o Lula, a qualquer hora, sobre o mensalão e o petrolão.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. (Por Luiz Vassallo/Estadão Conteúdo)
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