22 de dezembro de 2024
Crítica • atualizado em 11/11/2022 às 20:01

“A gente precisa que o mercado se cale”, diz Monica de Bolle

Professora da Universidade Johns Hopkins defende que o atual teto de gastos seja revogado e substituído por uma regra fiscal "que contemple as necessidades do país"
Mônica de Bolle é economista, com doutorado pela London School of Economicis (Foto: Reprodução/YouTube)
Mônica de Bolle é economista, com doutorado pela London School of Economicis (Foto: Reprodução/YouTube)

Professora da Universidade Johns Hopkins e doutora pela London School of Economics, a economista Monica de Bolle publicou, em sua newsletter, uma crítica à postura do mercado diante dos anúncios da equipe de transição do presidente eleito, Lula (PT), na área econômica, especialmente em relação ao chamado teto de gastos.

“A gente precisa que o mercado se cale. A gente precisa que esse mercado pare de interferir e pare de querer ter mais poder do que merece em questões que são única e exclusivamente de interesse da população como um todo, não apenas de interesse de um grupo que trabalha em determinadas instituições financeiras”, disse.

Na sua visão, a imprensa também precisa parar de dar atenção às opiniões do mercado, que “são irrelevantes”. A economista pontua que, “se não conseguirmos reconstruir o país nos próximos quatro anos, estaremos mais uma vez entregues à barbárie da ultradireita brasileira, porque ela não vai desaparecer, como todos nós sabemos”.

De Bolla lembra que o teto de gastos, criado em 2016, foi desrespeitado seis vezes desde então, sendo duas ainda durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) e outras quatro ao longo do atual mandato do presidente Jair Bolsonaro (PL). E o mercado, de acordo com ela, “se calou”.

“O mercado não tem credibilidade para agora tentar continuar a ter o mesmo tipo de poder de influência que sempre exerceu nos momentos críticos do país”, afirmou. “O momento exige que o mercado tenha responsabilidade de parar de assediar as pessoas que estão envolvidas na transição para pleitear os seus interesses.”

O teto de gastos, classificado por ela como uma “excrecência”, precisa ser revogado via Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou Supremo Tribunal Federal (STF) para, então, ser apresentado um projeto de lei, especificando “como será feito o novo teto e quais serão os princípios norteadores da nova regra fiscal”.

“Portanto, se trata de revogar um e criar outro. Não se trata de revogar um e não pôr nada no lugar. É bom ter uma regra fiscal, que contemple as necessidades do país”, declarou de Bolle, segundo a qual as discussões internacionais sobre o assunto vão justamente nesse sentido.

“Tetos de gastos são regras fiscais que são muito utilizadas no mundo inteiro e de forma racional e correta para dar conta de crescimento excessivas do gasto público e as repercussões que isso tem na dinâmica da dívida pública”, explicou. “A ideia de ter um teto de gastos é uma boa ideia. Não é uma má ideia. O problema, como eu venho dizendo insistentemente desde 2016, é o desenho do teto que nós fizemos no Brasil.”

“O teto que nós fizemos no Brasil não conversa com a Lei de Responsabilidade Fiscal e, mais importante, não conversa com a Constituição Federal de 1988. No entanto, ele foi feito no âmbito da Constituição. O teto de gastos brasileiro é uma emenda constitucional, o que significa isso que essas seis vezes em que ele foi alterado foram seis vezes em que a Constituição brasileira foi alterada por conta de necessidade de modificar o teto existente”, pontuou.

“Por já ter sido modificado seis vezes, o teto de gastos, na realidade, já não existe. Qualquer regra que sofra modificações tão numerosas como já sofreu essa regra é uma regra que, na prática, não se aplica. Porque toda vez que houver o risco de não ser cumprida ela vai ser alterada A razão para isso está no desenho. Sempre foi inadequado. A gente criou um teto de gastos em 2016 que só ia em tese passar a valer cerca de dois anos depois e a forma como o teto foi desenhado previa que a despesa não poderia crescer mais do que a inflação do ano anterior”, complementou.

Na avaliação da economista, em momentos de inflação relativamente baixa, “houve um estrangulamento da capacidade do governo de gastar em áreas essenciais, não de gastar de maneira absolutamente irresponsável como alguns tentam incorretamente levar a questão à frente”.

Para ela, “o teto de gastos foi modificado por ser excessivamente rígido” e “a motivação para o excesso de rigidez sempre foi elaborada a partir de uma necessidade de trazer racionalidade para a discussão orçamentária dentro do Congresso, o que é de ingenuidade e estupidez abissais porque não há discussão racional que você possa forçar em cima do Congresso um tema como o orçamento público”.

De Bolle ressaltou que, dessa maneira, encontraram-se maneiras alternativas de driblar o teto. “Esse drible foi dado no governo Bolsonaro com a instituição do famigerado orçamento secreto, um mecanismo por meio do qual dinheiro público é desviado, sem transparência, pelo mecanismo da emenda de relator, que é um dos quatro tipos de emenda parlamentar. Não só o nosso teto de gastos é iníquo e está nesse momento moribundo como ainda por cima pariu essa excrecência do orçamento secreto.”


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