23 de dezembro de 2024
Especial

Uma entrevista histórica de Niemeyr a Eduardo Horácio

ENTREVISTA:  Oscar Niemeyer

 

 “Para quem acredita

 em Deus, o problema

 da morte

 não faz sentido”

Na entrevista a seguir, publicada há 9 anos no jornal Tribuna do Planalto, o arquiteto Oscar Niemeyer afirmou que a luta contra as injustiças é mais importante do que a própria arquitetura, se dizia otimista com Lula (era o primeiro ano de seu primeiro mandato) e defendia com firmeza o MST. Abaixo, a entrevista na forma como foi publicada na edição 878 da Tribuna, de 6 de outubro de 2003, por Eduardo Horácio. (Fotos: Ricardo Stuckert/EBC)

O arquiteto deve prestar mais atenção naquilo que ele mesmo gosta. Quando a terra é improdutiva e está esperando valorização, o melhor é invadir. João Pedro Stédile é um autêntico líder. O problema da morte não faz nenhum sentido. Bauhaus é um momento de mediocridade para a arquitetura. Essas são algumas das idéias de Oscar Niemeyer, expostas na entrevista que concedeu à Tribuna do Planalto em seu escritório no Rio de Janeiro.

Talvez a melhor definição de Niemeyer seja do escritor italiano Claudio Valentinetti. “Niemeyer é como um amigo onipresente, que pode ser achado em qualquer lugar.” Nãoé para menos. Suas obras e curvas podem ser vistas em quatro dos cinco continentes do planeta. Entre outros países: França, Portugal, Itália, Nicarágua, Cuba, Estados Unidos, Israel, Argélia, Líbano e Brasil. Niemeyer se mostra paciente com o presidente Lula, milita a favor de uma arquitetura livre, ainda defende o ditador cubano Fidel Castro, que, para ele, “é um líder político que soube libertar o seu país e lutar pela felicidade do seu povo” e explica que o problema da morte não faz sentido.

Assim como a arquitetura não é nada isolada do mundo. Há 30 anos, andando com jornalistas em Paris, Niemeyer elogiou a Champs Elysées dizendo que estava na avenida
mais bonita do mundo. Não por causa do Arco do Triunfo ao fundo, explicou. Para ele, a beleza provinha das pessoas que estavam nas ruas. Nada mais coerente para quem diz que a luta contra as injustiças é mais importante do que a própria arquitetura.

Para o arquiteto, considerado o maior do Brasil e um dos maiores do mundo, a luta pela vida e contra as injustiças é mais importante do que a própria arquitetura – daí a explicação dele sempre ter falado mais de política do que de qualquer outro assunto em sua trajetória. Aos 95 anos, ainda apaixonado pela “esculhambação” do Rio de Janeiro, Niemeyer confessa que “essa tendência a não tomar as coisas a sério como se nada fosse tão importante” é um dos fatores que o atrai na cidade onde mora. E é a cidade onde mora que vira parte da solução para a novela “E Agora?” (Paz e Terra, 60 págs, R$ 14), obra recém-lançada. No livro, ele traça um perfil de Lucas, um “militante do PCB, fiel, desprendido, voltado sempre para a revolução”. Perdido com tantos obstáculos para chegar à revolução, Lucas volta-se para si e passa a ter uma vida simples, em seu escritório no Rio de Janeiro. É lá que ele resolve escrever um livro.

Eduardo Horacio – O sr. diz que adora a ‘esculhambação’ do Rio de Janeiro. O que é esculhambado?

Oscar Niemeyer – É difícil explicar. Talvez a falta de ordem, de disciplina, a vida a nos levar de um lado para o outro, e esse sorriso do carioca, essa tendência a não tomar as coisas a sério como se nada fosse tão importante.

Como o sr. é apaixonado pelo Rio de Janeiro, deve ter muita coisa que o desagrada. Às vezes não dá vontade de fazer um projeto para destruir muita coisa e replanejar a cidade?

O que me desagrada no Rio de Janeiro não é a degradação da cidade em si, nem a natureza tão ofendida (isso acontece em todo o mundo), mas a desigualdade entre ricos e pobres e a indiferença com que os primeiros assistem a miséria e o desespero a se multiplicarem por toda a parte. Quando uma cidade está praticamente concluída, as alterações desejáveis são impossíveis. O tempo passou, e com ele a oportunidade de realizá-las. Como seria bom ter mantido o centro do Rio como era cinqüenta anos atrás, antecipando as obras da Barra como um prolongamento da cidade, e as ligações possíveis, corretas, sem atravessar Copacabana como um corredor indesejável!

Como o sr. tem avaliado o MST e o tratamento que ele tem recebido do governo Lula?

Considero o MST o movimento político mais importante da atualidade brasileira. Lula deve pensar o mesmo, e isso nos tranqüiliza um pouco. Stédile é para mim um autêntico líder, habilidoso e determinado.

Ocupar terras é o melhor caminho?

Quando a terra é improdutiva esperando valorização, o melhor é invadir.

Por que a opção de ter apoiado Ciro Gomes para presidente e qual a avaliação que o sr. faz do presidente Lula?

Ciro nos parecia um bom candidato, mas Lula foi o grande vencedor das eleições. É um operário no poder, e isso nos leva a ficar otimistas, principalmente considerando a maneira correta com que a política externa vem sendo conduzida. O resto, as promessas, só nos cabe aguardar.

O sr. sempre foi defensor do regime socialista. Existe algum modelo de socialismo no mundo que o sr. transportaria para o Brasil ou o modelo daqui precisaria ser construído?

Quando a gente pensa em socialismo, é o povo organizado e a vida mais igual e feliz. Isso ocorreu durante 70 anos na União Soviética e, numa escala menor, em Cuba, com Fidel no Poder.

O Brasil seria melhor se houvesse uma revolução nos moldes da que houve na Rússia?

Se considerarmos a necessidade de erradicar a miséria de nossos irmãos brasileiros, acho que sim.

Recentemente o sr. esteve em Brasília e conversou com o presidente Lula. O sr. ainda vai muito lá?

Não.

Deve fazer parte das motivações de um arquiteto a luta contra as injustiças?

Para mim, como arquiteto, a luta contra as injustiças é mais importante do que a própria arquitetura.

Marilena Chaui diz que, agora, pela primeira vez estamos começando a viver a democracia, pois o conflito está nas ruas. E a verdadeira democracia, para ela, é o estado de conflito e não a ordem burguesa. O sr. concorda?

Ela é inteligente, e há muita verdade no que diz.

O sr. diz que a novela “E Agora?”, recém-lançada, parece ser um desabafo pessoal. Existe ali mais componentes fictícios ou de sua história de vida?

O meu personagem lembra os velhos militantes do PCB, fiéis, desprendidos, voltados sempre para a revolução.

Das obras que deram feição a Brasília, por qual delas o sr. tem mais carinho ou se sente mais gratificado?

O Palácio do Congresso. É uma obra que se explica por si mesma.

O sr. diz que o imprevísivel é que rege o mundo. Para pessoas afeitas ao mundo das idéias, não é um pouco desalentador chegar a este tipo de conclusão?

Desalentador é o ser humano olhar para o céu e se sentir pequenino, insignificante.

O sr. diz que não acredita em Deus mas gostaria de acreditar. Por quê?

Porque para quem acredita em Deus, sem hipocrisia, o problema da morte não faz sentido.

O sr. teve contato com Fidel Castro e J.P. Sartre. Que impressões o sr. levou?

São personalidades diferentes. Sartre foi um grande filósofo, pessimista diante da vida, mas pronto a participar de qualquer movimento progressista. Fidel… é um líder político que soube libertar o seu país e lutar pela felicidade do seu povo. É claro que gostei de conhecê-los e sentir que havia entre nós um clima de camaradagem e compreensão.

A escola alemã do Bauhaus veio para ajudar ou para mediocrizar a vida das pessoas?

O Bauhaus foi um momento de mediocridade lamentável.

O sr. não acha que às vezes falta um pouco mais de espontaneidade e ousadia na arquitetura contemporânea?

Ao contrário. Para os que se interessam pela técnica do concreto armado, em certos casos a audácia se apresenta como uma das características fundamentais da arquitetura contemporânea.

Em que pé está o seu monumento à paz em Moscou?

Aguardando solução.

De todas as artes, me parece que a arquitetura é a que tem mais ausência de crítica no Brasil. Isso é bom ou ruim para a arquitetura brasileira?

O arquiteto deve fazer o que ele gosta, e não o que os outros gostariam que ele fizesse.

De onde vem a preferência pelo concreto? Estrutura metálica, nem pensar?

Prefiro o concreto, a nos oferecer, generoso, um mundo de formas novas e imprevisíveis.

O sr. participou do concurso para a construção do Maracanã e foi desclassificado. O sr. ainda tem vontade de ver construído um estádio de futebol projetado pelo o sr.?

O Estádio do Maracanã é ótimo. É claro que gostaria de projetar um novo estádio de futebol, principalmente agora quando a técnica permite as soluções mais audaciosas.

 


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