Se o filme “Eu Fico Loko”, estrelado pelo youtuber Christian Figueiredo, fosse um vídeo em seu canal na internet, estaria na posição 274 em número de visualizações. Com público de 555 mil espectadores, a comédia que estreou em janeiro perde para um vídeo sobre camisinha estourada (558 mil visualizações).
Produtor do longa, Julio Uchoa faz mea-culpa: “Estávamos cegos, encantados pelos 7 milhões de fãs do canal de Christian, e deixamos de fazer uma campanha tradicional de divulgação do filme”.
Uchoa enumera também a concorrência com o fenômeno “Minha Mãe É uma Peça 2” e a resistência dos mais velhos aos youtubers entre os fatores que explicam o desempenho abaixo do esperado.
Lançado em fevereiro, “Internet -O Filme” foi outro que naufragou, ainda que tivesse escalado dezenas de celebridades digitais no seu elenco: youtubers, gamers, famosos do aplicativo Snapchat. Apesar do apelo comercial, fez 377 mil espectadores –pouco mais do que o autoral “Aquarius” (355 mil).
Especialista em marketing digital, Rafael Rez ressalta os hábitos distintos. “Quem consome esses vídeos não quer pagar pelo conteúdo e quer vê-lo na hora e onde quiser”. O cinema opera na lógica oposta. “E é caro”, afirma.
A única youtuber que passou a barreira do milhão (feito comum para grandes comédias nacionais) foi Kéfera. “É Fada!”, produzido por Daniel Filho, levou 1,7 milhão de pessoas aos cinemas. Seu canal tem 10,3 milhões de inscritos.
“É Fada!” também destoa por não ter seguido a estética do YouTube: enquanto “Eu Fico Loko” e “Internet -O Filme” escalam suas webcelebridades em papéis análogos aos que já fazem, Daniel Filho criou um papel para Kéfera: o de uma fada madrinha que só se assemelha à youtuber pelas caretas, berros e palavrões.
Já “O Amor de Catarina”, que também teve Kéfera numa versão diferente, fracassou: foi visto por menos do que 5.000 pessoas. Mas teve lançamento menor: 69 salas.
Recém-indicado à diretoria da Ancine, Sérgio Sá Leitão diz que os youtubers precisam encontrar o “eu cinematográfico”. “Se o público entender pelo trailer que o filme é muito parecido com o canal, provavelmente o dispensará e seguirá vendo o canal, grátis, rápido e por meio do celular.”
Ele compara com o fenômeno Trapalhões, de quatro décadas atrás: “Os filmes funcionavam porque eram mais do que versões ampliadas do programa de TV. Ao mesmo tempo, mantinham a essência do que eram”, afirma.
Pioneiro ao desbravar o nicho, o Porta dos Fundos seguiu estratégia semelhante, mas naufragou: fez 454 mil espectadores, abaixo do menos assistido dos vídeos no canal.
Quem faz o caminho inverso nas plataformas também encontra dificuldades. Caso de Val Marchiori (10 mil inscritos/160 mil visualizações), do reality “Mulheres Ricas”, e da apresentadora Adriane Galisteu (147 mil inscritos/4,3 milhões de visualizações).
Whindersson Nunes, líder no site, tem 18,3 milhões de inscritos e 1,3 bilhão de views.
Então por que famosos da TV buscam a web? “Faltam vagas na TV. Não tem a ver com meritocracia, é crise do audiovisual. Um colega foi para o YouTube. Ele não tenta se manter na mídia. É para produzir mesmo, não enlouquecer”, afirma Rafael Cortez, um dos apresentadores do “Vídeo Show” e do “BBB17”, da Globo.
“Há também a liberdade editorial “, conclui Cortez, dono do canal “Love Treta” (68 mil inscritos/1,6 milhão de views), da rede Snack. Ele foi criado em 2015 para dar aconselhamento afetivo a jovens.
Celso Portiolli (2,5 milhões de inscritos/48,6 milhões de views), apresentador do SBT, é tido como quem melhor entendeu a nova lógica. Mas ele é exceção, diz Luiz Felipe Barros, CEO da agência Digital Stars, que cuida da carreira de Kéfera e Christian Figueiredo.
“Alguns vão dar certo [na internet], outros, não. Mas no fim eles ainda são como apresentadores de TV. Falam com a mesma linguagem, eles não se tornam influenciadores, são públicos diferentes também”, disse Barros em palestra na feira audiovisual Rio Content.
“Galisteu sofria porque estava acostumada a ser apresentadora. Quando percebeu que podia ser ela mesma, e ninguém ia questionar –pelo contrário–, ela deslanchou”, diz Juliana Algañaraz, gerente geral da Endemol, que produz o canal da apresentadora.
“Para mim o desafio está aí, de mudar a linguagem, agradar a quem assiste e falar um pouco de tudo”, diz Galisteu, que promete levar cinco seguidores para a Disney quando chegar a 1 milhão de inscritos.
Leda Nagle, que liderou o programa “Sem Censura” (TV Brasil) por 20 anos, também migrou. Em seus 12 primeiros vídeos, só passou das 3.000 visualizações em um –quando entrevistou Felipe Neto, um dos primeiros youtubers.
“Preciso buscar na minha espectadora de anos a do canal”, diz Nagle. “E isso é muito novo para muitas, que vão precisar da ajuda de filhos e netos para me encontrar.”
Mas os fracassos não desestimulam as mudança de área? “Para quem quer crescer, o adsense [publicidade do Google] não paga a conta. Kéfera, Christian, Felipe Castanhari foram para o cinema, a TV. Eles têm vida fora [da web] e precisam dela”, afirma Algañaraz. (Folhapress)