“O sentimento é de medo”. Este é o relato da Gestora de RH, Juliana Duarte, sobre o trauma que sua filha, uma adolescente de 16 anos, viveu recentemente em uma renomada escola da rede privada de Goiânia.
Juliana conta que um aluno do 1° ano do ensino médio, com o uso de uma arma branca, ameaçou algumas pessoas. Diante da situação, de acordo com a gestora, a instituição de ensino decidiu tomar uma atitude extrema e expulsou o aluno.
NÃO DEIXE DE LER: Caiado culpa redes sociais e omissão de pais por violência nas escolas
“Isso gerou na escola um sentimento de medo. Durante toda semana o assunto da minha filha era esse, pensando se isso voltasse a acontecer, como ela poderia se defender? Colocando uma cadeira à frente? Pulando uma janela? Ela e os amigos ficavam traçando rota de fulga na escola”. Foi bem complicado acalmá-la”, comenta Juliana.
A violência escolar é um fenômeno que preocupa o Brasil. Atualmente, o local onde sempre foi visto como centro de formação intelectual, de desenvolvimento e aprendizagem, se tornou um lugar de medo, insegurança e prepotência, onde alunos e funcionários diariamente buscam formas de como “sobreviver” diante um ataque criminoso.
LEIA TAMBÉM: Três alunos ficam feridos em escola de Santa Tereza de Goiás
Daniella Capingote é professora da rede municipal de educação de Goiânia há 15 anos, e de um grande colégio particular da capital. Para ela, o sentimento é de medo diante de um cenário de fragilidade e sem nenhum tipo de amparo por parte dos órgãos públicos.
“Nós não temos apoio nenhum, nem de familiar, nem terapêuticos e muito menos de políticos. Nós professores de escolas públicas estamos muito fragilizados, amedrontados, desamparados e sozinhos. Não temos o que fazer”, destaca Daniella.
Ainda é comum na cabeça da sociedade, a crença de que as escolas privadas possuem uma qualidade de ensino muito superior à das públicas. Para a professora Daniella, que atua há 18 anos também na rede privada, é perceptível a diferença, principalmente na questão da segurança entre uma escola pública e uma particular.
Na rede privada, Daniella comenta todo apoio que é oferecido principalmente para o aluno, onde ele conta com psicopedagogos, psicólogos e acompanhamentos terapêutico. “Na escola privada vejo que nesse sentido da violência está tranquilo porque estamos ajustando as arestas o tempo inteiro por conta de um adolescente que venha apresentar algum tipo de problema”, afirma.
Versão também confirmada pela gestora de RH Juliana Duarte. Segundo ela na escola onde a filha estuda é oferecido serviço de atendimento psicológico aos alunos.
Para Daniella, a rede pública de ensino vive um cenário preocupante, principalmente por falta de apoio familiar. “As famílias são bem carentes. Muitas não podem levar as crianças que a gente sinalizam para a terapia. A maioria das crianças saem de casa sem a observação dos pais porque já estão no trabalho, então eles ficam muito solitários”, afirma a professora.
A educação infantil engloba uma série de aspectos, que se estendem para além do ensino escolar. Sua formação pessoal se desenvolve no contato mais íntimo com seus cuidadores, ou seja, com os pais. Portanto, a família torna-se como um espelho para a criança. Em tom de desabafo, a professora Daniella destaca que a maioria das famílias pensam que professores da rede pública não tem o seu valor.
“Às próprias famílias destratam e não são respeitosos com professores de escola pública. Na escola privada a gente é muito respeitado, a palavra do professor tem poder. Na escola pública somos desacatados e com isso as crianças crescem nesse ambiente que não é favorável. Então nós professores que trabalhamos na rede pública e privada, a gente vê que tem uma diferença muito grande”, completa.
O comportamento das crianças e adolescentes reflete seu relacionamento parental. Se mal resolvido, pode acarretar sérios problemas à sua saúde mental. A psicóloga Taynara Edith, especialista em saúde e psicóloga escolar, explica que se a família é de pouco diálogo e muita discussão e poucas referências positivas do que é um comportamento socialmente aceito, a criança normalmente vai para a escola com dificuldade de se adaptar.
“Quando a escola começa pedir coisas muito diferentes e solicitar que ela [criança] se comporte de forma diferente do que acontece na casa dela, ela demonstra dificuldade e pode ser através da irritabilidade, má disciplina, relação com os colegas e professores”, destaca a psicóloga.
Taynara explica que a questão familiar impacta também no comportamento físico, como irritação, sonolência, poucos amigos ou mais agressiva que pratica bullying. “Qualquer alteração de comportamento, normalmente ela tem reflexo da família”, destaca.
Os atentados nas escolas tem influência de várias questões complexas que causam impacto a curto e longo prazo na sociedade, até chegar ao ponto dessas situações que estamos assistindo, e o bullying é apenas a ponta do ice berg.
A psicóloga Taynara Edith explica que o posicionamento de líderes políticos e as políticas públicas podem causar impacto na sociedade de forma que naturalizam questões como acesso ao armamento, por exemplo, e a forma como essas famílias compreendem o papel de cada membro que a compõe. Assim, como a maneira que essas famílias lidam com as regras sociais e o sistema educacional.
A psicóloga conta que até os anos 70 as famílias compreendiam que os filhos tinham o papel como força de trabalho para ajudar os pais no sustento da casa e construírem patrimônio. E como a sociedade dessa época ainda era preparada quase exclusivamente para seguir ordens e trabalhar, a relação dessas famílias que podiam ter acesso à escola, costumavam considerar o sistema educacional como parte da correção dos comportamentos dos filhos e a relação era pautada na obediência.
Taynara explica que na época, a escola tinha o direito de impor regras inflexíveis e usar métodos disciplinares punitivos como a palmatória, que passou a ser considerada crime após o implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda na década de 90 . O ECA atua para garantir os direitos dessa parcela vulnerável da sociedade, para que crianças e adolescentes tenham dignidade e possam se desenvolver com qualidade de vida.
Concomitantemente às mudanças econômicas tecnológicas do país e leis que garantem os direitos das crianças e adolescentes, a família também mudou a visão que tinha sobre o papel dos filhos. Enquanto outrora os filhos significavam força de trabalho, agora passaram a significar um sonho.
“As famílias passaram a ter planejamento familiar cada vez mais reduzido para oferecer maior qualidade de vida e tudo o que não tiveram para os filhos. Nesse momento em que os filhos ocupam o lugar de serem o sonho dos pais, fica difícil de frustrar os sonhos”, destaca a psicóloga.
Assim, podemos perceber que o relacionamento entre família e escola modificou bastante. De modo geral, a escola passou a ser o primeiro lugar em que crianças e adolescentes encontram regras e limites. E atualmente os pais passaram a confrontar os professores ao perceberem os filhos frustrados com tais exigências. A família passou a se sentir injustiçada quando é convidada para receber observação sobre necessidade da mudança de comportamento dos filhos, e oferecer pouca resiliência para lidarem com frustrações.
Ainda de acordo com a psicóloga, as mudanças tecnológicas e urbanização também causaram impacto cultural e no lazer dos menores que antes tinham atividades mais lúdicas, e passaram a ter menos contato social e mais acesso às redes sociais e outros contatos virtuais.
“Isso colabora para que tenham grupos online sem restrições das plataformas e deixam os jovens vulneráveis às ideologias extremistas, disseminação de conteúdos racistas e machistas, explica.
Após o covarde ataque a uma creche em Blumenau (SC) que tirou a vida de quatro crianças no último dia 5 de abril, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, decidiu criar de um Grupo de Trabalho Interministerial para dar celeridade as ações de combate à violência nas escolas. A decisão foi anunciada pelo ministro da Educação, Camilo Santana, e já vinha sendo desenvolvida em função da recorrência de casos de ataques a instituições de ensino.
Entre as ações imediatas está o fortalecimento da ronda escolar. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou que o Governo Federal vai repassar, inicialmente, R$ 150 milhões em recursos aos estados e municípios, por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), para apoio às polícias militares e guardas municiais.
Será constituído, adicionalmente, um grupo emergencial de monitoramento virtual, com 50 policiais atuando exclusivamente contra ameaças feitas em redes sociais.
Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado adotou medidas após três alunos terem sido esfaqueados por um adolescente de 13 anos de idade em uma escola em Santa Tereza de Goiás, na região Norte do estado.
Uma delas é o uso de detectores de metal na escolas como uma das medidas de segurança. De acordo com o governador, a ação deve ser implantada em até 10 dias em todo Estado. Além disso, o governador também autorizou vistorias em mochilas de aluno. Nesta sexta-feira (14/04), Caiado, em discurso contundente, apresentou o projeto de lei que fará toda a regulamentação para o enfrentamento.
Ainda de acordo com o governador, a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (DERCC) vai monitorar publicações nas redes sociais para evitar ataques em escolas, e que vai pedir responsabilização para as próprias redes sociais, como “coautoras” dos crimes.
Após medidas adotadas pelo governo estadual, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), se manifestou contra a ação de vistoria em mochilas de estudantes.
De acordo com Bia de Lima, presidente do Sindicato, é preciso ter cautela porque a ação coloca em risco quem não está preparado para este fim e quem não está na escola com este objetivo.
“Nós precisamos ter muito cuidado nessa hora. Porque a busca por mecanismos de garantir segurança no interior das escolas tem que ser bem pensada. Tem que ser uma situação em que profissionais qualificados e preparados para tal fim possam efetivamente desenvolver seu trabalho”, destaca.
Bia defende que não cabe aos servidores educacionais mexerem nas mochilas de estudantes. “Cuidado com as decisões que estão sendo tomadas”, completa.
Diante de toda situação de medo e incertezas, a psicóloga Taynara Edith, aconselha muita cautela por parte dos pais em passar segurança para os filhos.
É importante ressaltar que essa é uma situação desconfortável para todos. Seja escolas, professores, pais e alunos. “Ficou todo mundo vulnerável a situação, mas é necessário ter cautela para passar segurança para as crianças. Eles não tem noção de que é uma situação passageira que podem ser contornadas com as medidas que já estão começando acontecer”, destaca Taynara.
A psicóloga ainda destaca que a melhor maneira de passar essa segurança para os filhos, é conversando, mas pondera: “Conversar com muito cuidado para não trazer der uma forma sensacionalista tudo que está acontecendo”, completa.