SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os R$ 8 parecem pouca coisa, os próximos R$ 15 também e por que não uma corrida de R$ 20? É só dessa vez, tá barato. Com essa mentalidade, usuários se “viciaram” em recorrer a aplicativos de transporte todos os dias como se não houvesse fatura amanhã.
No entanto, ela chega, e revelando somas inimagináveis. A preguiça, os preços baixos e o tempo economizado fizeram com que usuários criassem uma dependência de aplicativos de transporte como Uber, 99, Easy e Cabify.
Quem pegava metrô e ônibus ou ia a pé para os lugares passou a recorrer a motoristas, desembolsando um valor mensal que antes não estava contabilizado no planejamento financeiro.
Em compensação, os “viciados” passam mais tempo com a família e menos tempo no trajeto para casa.
Foi para economizar tempo que a estudante Anna Carolina Xandó, 21, começou a substituir o ônibus por Uber em seu caminho de casa, na Vila Mascote, para a faculdade, na Vila Mariana (bairros na zona sul).
“Já cheguei a gastar R$ 200, R$ 300”, afirma a estudante, cuja fatura do cartão se divide entre Uber, Uber, Uber e comida, comida, comida, e mais Uber, Uber…
A estudante diz ter diminuído um pouco o uso, mas ainda se considera “viciada”. Em troca, usufrui mais do tempo com a família e menos sentada no ônibus.
Já os gastos da estudante Carolina Arno, 20, são maiores. Ela diz desembolsar R$ 900 por mês com Uber. Segundo ela, mesmo assim fica mais barato do que usar o carro para ir a baladas e se deslocar de casa, no Itaim Bibi, para a faculdade, na Vila Mariana (zona sul) –só o estacionamento custa R$ 350 mensais.
Para a designer Karoline Gammarano, 23, cuja fatura mostra R$ 200 em Uber, vale a pena trocar o transporte público pelo conforto que sente nos carros. “Se for um gasto consciente, sem gastar mais do que se tem, vale a pena.”
O consultor em engenharia de tráfego Sérgio Ejzenberg alerta, no entanto: a exacerbação do uso do automóvel é nociva para a sociedade. “Gera mais poluição e congestionamento. Para as viagens usuais, de casa para o trabalho, por exemplo, o transporte público, o mais seguro e barato que existe, deve ser priorizado pelo usuário”, diz.
‘DETOX’
Por causa de gastos mais exorbitantes com esses aplicativos, tem até quem tenha se submetido a um “detox” deles para colocar a fatura do cartão de crédito nos eixos.
“Lembrei que existia o conhecido ônibus”, brinca a vendedora Virgínia Cardoso, 18, moradora de Fortaleza (CE). “Antes gastava R$ 250 por mês. Agora não chega a R$ 100. Sou mais controlada no vício.” Para tanto, recorreu a uma técnica comum para administrar as contas: passou a pagar com dinheiro.
Para concretizar os planos de viajar à Europa, a analista financeira Samara Costa, 27, viu “que essa mordomia tinha que acabar”. Diz ter reduzido em 80% o uso de Uber –cujo total, antes, dava até R$ 600 mensais.
Para o professor de finanças do Insper Michael Viriato, “parece quase indolor” o gasto de dinheiro nesses aplicativos porque não se vê o dinheiro na hora da compra, nem é necessário passar o cartão. “A mesma pessoa que se descontrola no cartão de crédito em compras normais é quem pode se descontrolar na compra desse serviço.”
Foi o que aconteceu com a fotógrafa Lua Morales, 24. “Eu pensava: nossa, que preguiça de ir para a padaria. Vou de Uber”, diz. “Pior que eu era extremamente controlada com cartão de crédito. Foi o Uber que me causou isso. Eram viagens pequenas e teoricamente baratas. Mas se somar no fim do mês… De R$ 8 em R$ 8 vira R$ 1.000”, diz.
Lua gastou R$ 800 num mês com Uber, ficou devendo, e teve o cartão cancelado.
A solução, de acordo com Viriato, professor do Insper, é anotar todos os gastos e controlar o peso dos aplicativos no orçamento pessoal.
“O valor razoável para gastos com transporte deve ser o equivalente a cerca de 10% da renda”, afirma o especialista.
Dados do aplicativo de finanças pessoais para celular GuiaBolso, com base em 8.552 usuários, mostra que seus gastos com transporte representaram 10,8% do orçamento em fevereiro.