RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – “Em vez de chamar um vereador para vir aqui ler um trecho da Bíblia, a gente poderia chamar um vereador para vir aqui encarnar um caboclo e falar também a palavra de outras religiões.”
Esse foi um dos argumentos usados por uma parlamentar de Araraquara (a 273 km de São Paulo) para anunciar sua recusa em fazer a leitura bíblica antes das sessões da Câmara e que gerou polêmica na cidade.
Exercendo pela primeira vez um mandato, a estudante de direito Thainara Faria (PT), 22, fez a afirmação logo na primeira vez em que usou a palavra na Casa. Ela se diz “católica, batizada e praticante”.
O artigo 148 do regimento interno da Câmara estabelece a leitura de um trecho da Bíblia nas sessões em esquema de rodízio pelos parlamentares, mas não os obriga a participarem da leitura.
“Há uma contradição nisso tudo, pois o Brasil é um país laico, o que significa posição neutra no campo religioso. Então, se não deveríamos permitir a interferência religiosa no Estado, como parlamentares, legisladores, deveríamos fazer nossas orações em particular”, disse a vereadora.
Com 18 parlamentares na atual legislatura, Thainara foi a única que se recusou a participar da leitura bíblica, segundo o presidente da Casa, Jéferson Yashuda (PSDB). “Pois enquanto lermos um trecho da Bíblia, defenderei aqui que sejam lidos também trechos do alcorão, do evangelho africano, kardecista, ouvirmos a palavra de um ateu e trechos de tantas outras religiões, já que aqui é a casa do povo”, disse a parlamentar. Thainara afirmou à reportagem não imaginar que sua fala teria tanta repercussão na cidade, administrada pelo ex-ministro (Secom) Edinho Silva (PT).
“Poderia recusar a leitura e ficar quieta, mexi num vespeiro. Mas meu intuito, mesmo sendo católica praticamente, foi o de mostrar que o crucifixo existente na Câmara, de quase um metro, e a leitura da Bíblia excluem parcelas da população, como ateus e praticantes do espiritismo, da umbanda e do candomblé. Talvez um católico não gostaria de ver um orixá na parede, então essa contradição deveria acabar.”
Segundo Yashuda, a posição da parlamentar é legítima e prevista em regimento. “Não existe obrigatoriedade. O que deu repercussão foi a surpresa, principalmente por ela ser a única que optou por isso e ter se manifestado. Ela poderia não participar e não ter tornado isso público. Mas, como fez, causou repercussão”, disse.
Para impedir a leitura bíblica nas sessões é necessário que um vereador apresente um projeto, assinado por um terço da Casa. Depois, para aprovação, ele precisa de maioria -dez votos. Não há nenhum projeto nesse sentido protocolado na Câmara.