A minuta de um projeto de lei que altera regras do setor elétrico reabre a discussão sobre a aquisição de terras por estrangeiros, hoje restrita.
Um dos artigos da proposta, divulgada nesta sexta-feira (9) pelo Ministério de Minas e Energia, prevê a retirada dessas barreiras para estrangeiros que atuem no setor de geração, distribuição e transmissão de energia.
O objetivo é ampliar o número de agentes que podem atuar no segmento, especialmente de fontes renováveis.
A inserção do artigo foi uma surpresa, já que a discussão não estava presente na nota técnica inicialmente colocada em consulta pública, no ano passado, afirmou Pedro Dante, sócio de energia do Demarest Advogados.
A medida foi vista como um avanço por analistas da área, que apontam insegurança jurídica que a regra atual causa a investidores.
O texto é bastante específico quanto à restrição ao setor. No entanto, abre brechas sobre a extensão da liberação, segundo advogados. “[A redação] não prevê que toda a área [do terreno] tem de estar vinculada a projetos de energia. Além disso, a aquisição é definitiva. Não está dito se a compra vale só pelo prazo que durar o projeto de geração, por exemplo”, afirma Gustavo Magalhães, sócio do Fialho Salles Advogados.
Para solucionar as questões, seria preciso alterar a regulamentação do Incra, instituto responsável por controlar as aquisições, diz ele.
Outro ponto que pode gerar incerteza é um parágrafo da lei que regula o tema, de 1971. Nele, está previsto que o presidente da República pode ampliar limites das aquisições, caso consulte o Conselho de Segurança Nacional.
Esse trecho, diante da nova liberação, poderia criar uma brecha imensa, segundo um advogado especialista no tema. Para ele, isso desmontaria toda a sistemática da regra que limita o acesso de estrangeiros à terra.
Para Tiago Figueiró, sócio de energia do Veirano, o texto apresentado tem duas inconsistências, que, mesmo com a aprovação do projeto, poderiam limitar a venda de terras a empresas de fora.
A primeira é que a proposta menciona apenas a possibilidade de aquisição, e não de arrendamento da terra -modelo muito usado pelo setor de energia eólica. Além disso, o texto da minuta deixa de fora a liberação de terras em áreas a 150 quilômetros de fronteira, onde a legislação é ainda mais restritiva. “Há muitos projetos nessas faixas, como as usinas no rio Madeira”, diz ele.
A polêmica em torno da limitação para que estrangeiros adquiram terras no país vem desde, pelo menos, a Constituição de 1988, uma vez que a lei que regula o tema é anterior à nova Carta.
A insegurança, porém, se acentuou a partir de 2010, quando a AGU (Advocacia-Geral da União) mudou o seu entendimento sobre a regra: passou-se a exigir um cadastramento pelo Incra das compras e a norma ficou mais rígida para estrangeiros. À época, o argumento usado era principalmente a segurança nacional.
Desde então, porém, há uma dúvida sobre se essa restrição seria apenas para o setor agrícola ou se seria aplicada também para energia, afirma Mariana Pessanha, do Siqueira Castro Advogados.
Hoje, com o avanço de investimentos estrangeiros -franceses, italianos e chineses- no setor, a necessidade de dar mais segurança jurídica se fez mais urgente. (Folhapress)