Todos os dias, quando a tarde se esvai e a noite começa a despontar, reservo alguns instantes para meditar. Paro o que estiver fazendo, acendo uma vela, coloco o telefone em modo noturno e, com os fones já no ouvido, sou conduzida a manter a coluna ereta, os braços inertes sobre o colo, o ar entrando pelo nariz e saindo pela boca. A prática guiada é um convite para me fincar no agora. Acolho e agradeço pelo dia, pelas coisas boas e até por aquelas nem tão boas assim. Firmo a conexão comigo e com o que me cerca.
Falando desse jeito, pode parecer que tenho facilidade em me entranhar no presente. Na verdade, sempre achei difícil meditar. Porque exige concentração, dedicação e, principalmente, foco para que os pensamentos diminuam sua frequência, colocando a mente em um lugar de descanso.
É que eu penso demais, em tudo e ao mesmo tempo. Quando dou por mim, já fui de um ponto a outro em segundos, criando diversos obstáculos pelo caminho. No começo da minha prática meditativa, de forma inconsciente, eu tecia em minha mente um percurso cheio de dúvidas e perguntas: “mas e se eu não respirar do jeito certo? E se tocar a campainha e eu precisar abrir a porta? Não terminei aquele texto, mas talvez essa e aquela frase sejam bons meios”.
Assim, quando eu voltava ao ar, o áudio da meditação estava no fim e eu sequer tinha prestado atenção nele. Hoje, quase sete meses depois, isso ainda acontece algumas vezes. No entanto, com a constância, consigo retornar ao eixo e me aterrar com mais naturalidade.
Vez ou outra, os pensamentos em excesso parecem um balão daqueles cheios de gás hélio. Se não o seguramos firmemente pela cordinha, ele ganha voo e some para sempre entre as nuvens. “O pensar demais pode ser uma criação de estratégias, um jeito de assegurar que tomaremos as melhores decisões, obtendo resultados positivos, uma forma de procurar por garantias que evitem erros”, explica a psicóloga clínica Andréia Rodrigues.
Segundo ela, a prevalência do racional pode nos proteger, mas também encurtar o agir. Até nos paralisar na idealização de possíveis cenários que podem nem se concretizar. Aqueles “e se”, sabe? Não dá para prever nem controlar tudo à nossa volta.
Na maioria das vezes, a única coisa que nos cabe é simplesmente viver, com paciência, um dia por vez, mesmo sendo difícil. “O excesso de pensamento pode nos privar de boas experiências, de tomadas de ação mais espontâneas, de entrar mais em contato com o sentir”, completa Andréia.
Ela lembra ainda que o pensar em demasia nos adoece, trazendo, entre tantas consequências, aquela emoção que muitos de nós já conhecemos bem: a ansiedade. “Nesses casos, o fluxo de pensamentos tende a ser elevado e veloz, gerando preocupações, aflições e até sintomas físicos”, pontua.
A aceleração interna aumenta a ansiedade e interfere na saúde mental e física, diminuindo a qualidade de vida. E não é isso o que queremos, né? Sendo assim, como desmanchar o redemoinho à solta dentro da cabeça, de maneira que possamos trilhar um caminho mais leve, saudável e de maior espontaneidade?
Seria muito bom se houvesse um interruptor para ligar e desligar o cérebro ultrapensante, como acontece com as lâmpadas em nossa casa. No entanto, como essa praticidade não existe, nos resta buscar alternativas que nos auxiliem a relaxar um pouco diante do correr da vida.
A Karen Vogel também é psicóloga, professora na The School of Life e autora do livro Vigiando Pensamentos (Conscientia), sobre atenção plena. E me conta que, dentro das práticas de mindfulness, o ideal não é tentar diminuir o fluxo mental, mas observá-lo sem acreditar que ele diz a verdade o tempo todo.
“A cada instante, vários pensamentos são produzidos e não temos controle sobre isso. A grande questão é quando nos identificamos com eles. Isso modifica o nosso mundo interior, pois aquele conteúdo produzido pela mente também nos traz sensações diversas”, explica.
Repare que libertador: nossos pensamentos só têm força se “compramos” as histórias contadas por eles. “É preciso aprender a tomar distância da mente para podermos utilizá-la como um instrumento a favor da nossa evolução”, enfatiza Karen.
Ela explica que a prática de exercícios em que nos concentramos na respiração ou levamos a atenção para as sensações corporais, por exemplo, ajuda bastante a “pegar nossa mente no pulo”, no momento em que ela trabalha produzindo conteúdos indesejáveis, excessivos e que causam sofrimento.
Claro que a razão tem um imenso valor em nossas vidas, desde que não eclipse os demais aspectos do ser. “É possível aprender a equilibrar a racionalidade a partir do desenvolvimento de outras funções alternativas e muito importantes, como o sentir e o intuir, por exemplo”.
As práticas de meditação, de atividade física, de operações que dão prazer e não envolvem o raciocínio, como o contemplar de um pôr do sol ou de uma paisagem, também ajudam. “O ‘só por hoje eu não vou resolver nenhum problema, só vou viver’ é outro exercício interessante”, destaca Karen.
Veja bem, não se trata de assumir uma postura de controle, típica de quem pensa bastante. Mas, sim, adquirir o hábito da vigília para nos puxar para a realidade toda vez que um pensamento ousar nos tirar dela.
“Tratar os pensamentos como uma verdade absoluta é algo que deve ser vigiado com carinho e compaixão. Não é porque eu estou pensando em algo que isso necessariamente é fidedigno. Desenvolver essas perspectivas são convites para uma vida mais leve e desidentificada das formulações mentais”, pontua.
Está posto que, aprendendo a reconhecer e a distinguir a qualidade dos nossos pensamentos, podemos experimentar uma vida mais serena, com menos ruminações e reclamações. Agora, avalie os benefícios. “Pensar menos melhora a função executiva do córtex pré-frontal, resultando em aumento da concentração e da atenção; influencia na qualidade do sono; aprimora a capacidade de estar presente em interações sociais, promovendo elos mais profundos e significativos com as pessoas”, sintetiza Karen.
E não para por aí: ela diz ainda que, ao darmos folga para o racional, aumentam as chances de estabelecer conexões com o momento presente e fortalecer a resiliência, “pois estamos mais em contato com a emoção pura, e não com os pensamentos julgadores sobre ela”.
Fernanda Cecília encontrou no bordado uma forma de diminuir a atividade mental. O atropelo das sinapses foi aos poucos cedendo espaço para o afeto, o carinho, o restauro de memórias e reflexões tão vagarosas quanto elaboradas. Ela sempre gostou de escrever em agendas e diários, em cadernos de amigos também.
Ali tecia pensamentos, versos e cartas, mas perdeu esse hábito com o passar do tempo. O resgate dessa atividade veio há mais ou menos sete anos, por meio das palavras bordadas. “Descobri nesse vaivém da agulha, nesse colorir com linhas, uma possibilidade de meditação ativa”, explica.
Em muitos momentos de ansiedade, com a cabeça assoberbada, Fernanda bordava o que sentia que precisava ser acessado entre suas emoções. “Quando bordo o que sinto que preciso ou o que desejo para mim e para o mundo, chamo de bordado com intenção.”
Calma, um dia de cada vez, paz, amor, esperança, gratidão, leveza, desacelerar: esses são só alguns dos intentos já bordados por ela e compartilhados no perfil @entrelinhas_fc. “Bordar livre, sem pressão de nenhum tipo, por vontade, ou até por necessidade, sabendo dos benefícios desse fazer, ajuda a serenar a mente e a acalmar o coração”, ela garante, plantando na gente a vontade de colocar as mãos para trabalhar sem amarras.
Cada um de nós, em nossas atividades cotidianas, pode encontrar maneiras de desacelerar e pensar menos, suavizando a carga interna a partir daquilo que nos faz bem e amansa o peito. “É preciso repensar a forma como estamos vivendo. Com tantos estímulos acelerados, as horas passam e pouco estamos presentes no agora”, reforça Andréia.
E isso, segundo ela, nos privados pequenos prazeres que moram no cotidiano, como tomar uma xícara de chá com um amigo, sem checar mensagens ou redes sociais. Além disso, uma rotina com exercícios físicos, bons hábitos alimentares, qualidade do sono, autocuidado, gerenciamento das emoções, hobbies, espiritualidade e fé não só desanuvia a cabeça como nos devolve o sentido e a satisfação de se estar inteiro no que a vida traz a cada momento. Como esse jeito de se perceber e se resguardar é valioso para o corpo e a alma!
“Com licença poética, como escreveu nossa saudosa escritora Ana Jácomo: ‘Plenitude é quando a vida cabe no instante presente, sem aperto, e a gente desfruta do conforto de não sentir falta de nada’”, recorda Andréia. Que possamos encontrar a leveza que a gente merece, semeando na mente o que vem em nosso auxílio.
Por Débora Gomes – revista Vida Simples
Jornalista, vive na corda bamba dos pensamentos, mas aprendeu com eles que um dia de cada vez é a melhor forma para conviverem bem. Tem funcionado até aqui.